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Atores Nikkeis: Nipo-descendentes contam experiências na profissão

Nos primeiros anos da imigração japonesa no Brasil, os japoneses se dedicaram a trabalhos relacionados à agricultura. Com o passar do tempo, passaram a investir no comércio e a diversificar suas atividades.

Atualmente, japoneses e seus descendentes (nikkeis) estão presentes em praticamente todas as áreas profissionais. Ainda que em pouca quantidade, hoje também é possível vê-los na TV, cinema e teatro.

Preocupação da família

Camila Chiba (Crédito: Orlando Hazaoka)

“Por eu sempre ter uma postura consciente no que faço, eles sempre incentivaram as minhas decisões. Mas a preocupação com o retorno financeiro e a instabilidade também existiu”, conta o ator Marcos Miura, 40 anos, nipo-descendente de terceira geração.

Marcos é formado em Marketing e trabalhava nessa área quando conheceu o teatro. “No início, considerava um hobby. Mesmo assim, me formei ator profissional, mas não sabia se seguiria carreira como ator. Durante o processo de audição para um musical, acabei pedindo demissão e, a partir daquele momento, comecei minha carreira como ator profissional”, lembra Marcos.

Na família da atriz Camila Chiba, 27, terceira geração, a reação foi parecida. “Durante o colégio, eu já fazia teatro e participava de festivais estudantis. Meus pais viam como um hobby. Depois, veio a faculdade de teatro, e o meu pai sempre deixou clara a sua preocupação quanto ao futuro. Com o tempo, eles enxergaram as conquistas, o amadurecimento e o crescimento. Hoje, torcem e vibram a cada trabalho”.

"No início, foi bem difícil, principalmente para meu pai", conta a atriz Érica Suzuki, 32, terceira geração. "Ele achava que era uma ilusão. Não me apoiava de maneira alguma. Comecei a trabalhar muito e tinha um retorno financeiro com que poderia me sustentar e eu mesma investir na minha carreira. Ele percebeu que eu estava feliz e agora me apóia".

Marcos Miura, Cena da novela 'Morde e Assopra' (Crédito: TV Globo )

Estereótipos

No Brasil, a participação de orientais (não apenas nipo-descendentes) em comerciais, novelas e filmes geralmente é marcada pelos estereótipos.

Marcos Miura (Crédito: Simone Ezaki)

“O campo de trabalho para os orientais ainda é restrito. O padrão de imagem imposto no Brasil ainda é para personagens voltados para atores brancos. Os negros já conseguiram superar esse obstáculo, tendo trabalhos como protagonistas em TV e cinema. Infelizmente, para nós, orientais, ainda há uma visão deturpada, e os papéis que nos são destinados, em grande maioria, são os estereotipados”, critica Marcos.

Esses papéis costumam estar relacionados a profissões que os imigrantes japoneses exerceram no Brasil nos primeiros anos, tais como agricultor, tintureiro e feirante. Em outros casos, são mostrados como aficionados por tecnologia, praticantes de artes marciais ou sushiman.

Na grande maioria das situações, são caracterizados para se mostrarem engraçados ou ingênuos, geralmente falando “né” no fim de cada frase e com sotaque caricato.

“Quando pedem alguma fala estereotipada, já nem participo [do teste]. Deixo bem claro que uma mulher da minha idade nascida no Brasil, não fala errado, nem com sotaque”, afirma a atriz Cristina Sano, 50, segunda geração.

Erica Suzuki (Crédito: Josefina Bietti)

Érica conta um caso emblemático. "Foi um teste para comercial de cerveja que se passava na China. Na cena, um cantor famoso acorda na China e observa o cotidiano de lá. Passa uma mulher chinesa, e ele pensa "aqui é igual natação, nada de frente e nada detrás", insinuando que a mulher oriental não tem seios, nem bumbum. Na hora, disse que era preconceito, e as outras meninas orientais também. Fizemos o teste, mas, na saída, disse para a produtora me tirar porque não faria aquele trabalho. Achei puro preconceito", conta.

Apesar de reclamações, não houve resposta da agência de publicidade responsável pela campanha, que foi ao ar sem essa cena.

Marcos defende que o ator oriental também é responsável pela construção de sua reputação. “Há momentos em que eu tenho que me posicionar como pessoa e profissional e não aceitar qualquer tipo de trabalho, porque o que eu faço como ator influencia diretamente para reforçar ou construir a nossa imagem”, afirma.

"Infelizmente, ainda somos vistos como estrangeiros", lamenta Camila. “Mas acredito que hoje melhorou muito. Eu mesma fiz personagens na TV em que participei de um núcleo familiar e, em outro trabalho, fui de enfermeira a dançarina de funk. Então, aos poucos, o olhar sobre a comunidade nikkei no Brasil e o seu cotidiano tem se aproximado mais da nossa realidade”, pondera.

Carol Murai (Crédito: Arquivo pessoal)

As gerações mais recentes já encontram, de fato, uma sociedade que conhece muito mais sobre o Japão e os nipo-brasileiros, em comparação a décadas passadas.

“Não sinto preconceito quando ela vai fazer testes. Ela é chamada para testes e, como todo mundo, passa em alguns e em outros, não, independentemente do fator oriental”, avalia Ana Murai, mãe da atriz Carol Murai, 9, quarta geração, mestiça de japoneses com espanhóis.

“A Carol fez teste para uma novela na qual o papel era para uma menina que vinha de um internato da França com sotaque. Ela, mesmo sendo oriental, passou”, completa.

'Perseverar'

Apesar de todas as dificuldades, todos acreditam que, no futuro, a situação vai melhorar e apontam aspectos positivos da profissão.

“Acho que, nos últimos anos, temos muito mais orientais na TV e em comerciais. A Carol gostava muito de ver a Camila Chiba na novela ‘Amor à Vida’. Toda vez que aparecem [orientais] na TV, ela diz: Olha, mamãe, tem japonês na TV”, conta Ana.

Camila Chiba, Cena da novela 'Morde e Assopra' (Crédito: TV Globo)

"Gostaria que fôssemos considerados para papéis comuns; que retratassem o oriental no cotidiano dos brasileiros. Que autores, roteiristas, produtores em geral chamassem cada vez mais orientais para compor o elenco de novelas, séries, peças teatrais", vislumbra Camila.

Cristina afirma que é preciso que haja mais atores orientais. "Quanto mais atores qualificados tivermos, mais produções começarão a surgir", diz.

Cristina Sano, Cena da série 'O Caçador'. (Crédito: TV Globo)

"Muitas vezes não temos oportunidade de desenvolver e mostrar nosso trabalho, mas sempre a paixão por atuar fala mais alto e continuo a batalha neste mercado", afirma Érica.

“Sempre gostei de conversar com os mais vividos e experientes, e o que ouço é: perseverar. Jamais deixarei de ser ator. Ainda tenho fé que este cenário vai mudar, que o oriental possa ser retratado com dignidade e respeito. Vejo que a quarta geração em diante já vive outra realidade, as pessoas os veem de outra forma. Sinto que estamos caminhando para melhor”, finaliza Marcos.

O lado bom

"Vejo esta profissão como um agente transformador que pode contribuir para o crescimento das pessoas. Envolve muito da imagem do lúdico, da fantasia, da fama. Acho importante o ator usar esta visibilidade ou encantamento que gera nas pessoas para o lado positivo; usar o nosso trabalho para algo que contribua e eduque." (Marcos Miura)

"O que me encanta é a possibilidade de viver várias personas. Estudar diferentes mentes, gestos e estar atento a tudo ao seu redor. Não existe monotonia, a cabeça está sempre em movimento. Há também a chance de viajar, conhecer outras culturas. Seja estando em cartaz ou realizando um trabalho em outro estado/pais." (Camila Chiba)

"O melhor lado da profissão é o olhar que se desenvolve a partir do trabalho constante de observação, atenção, percepção do outro e autopercepção." (Cristina Sano)

"O lado bom é poder mostrar seu trabalho e conhecer pessoas e lugares incríveis. Especial mesmo é conhecer pessoas que, depois do trabalho, se tornam amigas para a vida." (Érica Suzuki)

Carol Murai, Cena da peça 'A Bela e a Fera' (Crédito: Micheli Barros)

 

© 2014 Henrique Minatogawa

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About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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