Parte I >>
Foi uma decisão drástica de Nakajima. Até dois meses antes ele trabalhava como pizzaiolo no “Bairro italiano” de São Paulo. Sua esposa Maria Cecília passava os dias fazendo crochê e se ocupando com as plantas do jardim.
O que provocou uma virada na vida dos dois foi uma frase dita por Maria Cecília: “Sabia que o meu sonho é um dia conhecer o Japão?”.
No mesmo instante, Nakajima lembrou que uns dois anos antes, a sua mãe e o seu irmão mais velho tinham ido morar no Japão. Na época, seu irmão comunicou sua decisão por telefone, mas Nakajima não contou nada à esposa. Isto porque os pais e os parentes de sua esposa, que eram de origem italiana, viviam muito bem, então, ele não podia dizer que a sua mãe e o seu irmão iam trabalhar no Japão por necessidade econômica.
Mas agora, a situação era um pouco diferente. O que a sua esposa dissera foi algo inesperado, mas ele queria realizar o sonho dela. Para eles seria a primeira viagem ao exterior, além do que logo estariam comemorando bodas de prata e ele ainda tinha muita disposição para trabalhar. Portanto, seria uma oportunidade única!
O casal desembarcou no Japão no dia 28 de março, bem na época das cerejeiras em flor. O caminho do aeroporto até o seu destino era uma sucessão de paisagens nunca vistas e Nakajima estava eufórico. A esposa exclamava “Que belo!” a toda hora, apreciando tudo pela janela.
Era pouco mais de meio-dia quando o ônibus chegou na cidade. No terminal, estava a mãe de Nakajima acenando. De camiseta branca e calças cor de laranja, ela parecia tão mais jovem que Nakajima ficou em dúvida. Então, ela se aproximou sorrindo e disse: “Tomio, não fiquei aí parado!”.
Fazia quanto anos que ele não ouvia a sua mãe chamando-o por “Tomio”? Ele pôs as mãos sobre os ombros dela e com cara de choro abraçou-a dizendo: “Foi bom! Foi muito bom te encontrar!”
Sua esposa ficou bastante emocionada. Mesmo homem feito e não sabendo expressar direito os seus sentimentos, junto da mãe ele se comportava como uma criança pequena.
Nisto, um homem em roupa de trabalho desceu de uma caminhonete e gritou: “É aqui!”. Era o seu irmão que deu um jeito de sair do trabalho para ir buscá-los.
No dia seguinte, Nakajima acordou depois das oito e ficou por momentos sem saber o que fazer, enquanto a sua esposa já se encontrava na cozinha ajudando a sogra. O café da manhã era especial: pão, queijo, presunto, bolo, suco, salada de frutas. E, como não podia faltar, o café quente, doce e forte que os brasileiros tanto gostam. E como era sábado, à tardezinha, a família inteira se reuniu para dar boas-vindas. O irmão se encarregou do churrasco, sua especialidade.
No pequeno apartamento situado no prédio de três andares, moravam sua mãe, seu irmão e família. A cunhada trabalhava até as cinco da manhã no “bentoya”¹. O irmão ia até a cidade vizinha, onde trabalhava numa fábrica de manutenção de automóveis e nos dias de folga pegava serviço de conserto de carros de amigos e conhecidos. A sobrinha de 20 anos havia terminado o ensino médio no Brasil e prosseguia seus estudos de língua japonesa no Japão e até servia de intérprete para os decasséguis. Também fazia bico numa loja de produtos brasileiros e estudava na escola de acupuntura e desejava, se possível, tirar licença para exercer a profissão.
A outra sobrinha, de 22 anos, trabalhava numa firma no Brasil, mas quando soube que os pais iam trabalhar no Japão, quis acompanhá-los. Para isso, casou-se com o jovem brasileiro que namorava havia um ano. Esse jovem até trancou matrícula na faculdade para começar nova vida no Japão. O casal morava um pouco longe, mas depois que nasceu o primeiro filho, eles deixavam o bebê com a mãe de Nakajima e seguiam para trabalhar na fábrica de peças automotivas.
- Puxa! Como todo mundo está batalhando, eu também preciso ir à luta! E assim Nakajima deu os primeiros passos nessa nova fase de sua vida.
O local de trabalho tinha muito a ver. Era uma fábrica de alimentos que fazia e distribuía sanduíches, saladas e pães para uma grande rede de lojas de conveniência. Nakajima trabalhava com a mesma dedicação dos tempos de pizzaiolo, o que deixou sua esposa bastante orgulhosa. A partir daí, ela ia buscar pão todos os dias na loja de conveniência. Ela sempre gostou de pão, mas os pães do Japão eram de tipos variados, um melhor que o outro, e o principal era que seu marido que os fazia.
Quando a família se reunia era a “hora da saudade”, quando todos tinham algo a lembrar sobre Bastos, a terra natal deles. A mãe dizia: “Que saudades daquele “Oshogatsu”², quando fomos passear na cachoeira do bairro Cascata, o Tomio ainda era de colo, lembram? “Oniitchan”³ comia bolo de arroz vendo maravilhado a cachoeira, aí deixou o bolo cair e foi aquele berreiro...”. Naquela época, a família trabalhava tanto que os momentos de lazer eram raros, talvez por isso, tornando-se lembranças inesquecíveis.
Nakajima lembrou que iam pescar no Rio do Peixe, ao que o irmão comentou: “Já faz um tempão que aquele rio não tem mais peixe”. Para Nakajima, que fazia muitos anos que não ia a Bastos, ouvir isso foi um tanto embaraçoso.
Foi desse modo, saindo do Brasil e indo morar em outro país que os membros da família Nakajima puderam se aproximar novamente e viver em harmonia. Graças a uma decisão impulsiva tomada por Nakajima, os laços de família se tornaram mais fortes. É isso aí, Nakajima! Aguardamos mais notícias suas!
Notas
1. Fábrica de “bento”, marmita japonesa em caixinha
2. Dia de Ano-Novo
3. Tratamento dado ao irmão mais velho
© 2014 Laura Honda-Hasegawa