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História nº 45: Fujiko e o orgulho de ser “japonesa”

A família Ozaki era uma grande família, pois moravam na mesma casa com os pais os dois filhos mais velhos, casados, com suas esposas e filhos.

Foi nessa casa que nasceu Fujiko e sendo a primeira das netas, o seu avô, que era um grande fã da atriz do cinema japonês Yamamoto Fujiko, escolheu para ela o prenome Fujiko dizendo: “Que a minha netinha seja bonita e querida por todos como a minha atriz favorita”.

Fujiko era uma menina alegre, mas quando cursava o primeiro ano do ensino médio, um colega de classe disse-lhe: “Ei, é verdade que você fugiu com o Ozaki?”

A classe toda caiu na risada.

Estavam em plena aula e o professor quis saber o motivo da risada fora de hora. Ao que o irreverente Marcelo explicou como soa engraçado o nome da colega Fujiko Ozaki.

“É, nomes japoneses são muito diferentes” – disse o professor e voltou à explicação da matéria.   

Desse dia em diante, Fujiko teve raiva do seu nome, odiou o professor e os colegas de classe e, no ano seguinte, transferiu-se para uma outra escola.

Na nova escola, continuaram as brincadeiras acerca do seu nome, referiam-se a ela como “japonesa”, mas Fujiko tudo suportou até concluir o ensino médio. E, no ano seguinte, contrariando as expectativas da família, ela se mudou para o Rio de Janeiro para cursar uma escola de dança.

Fujiko tornou-se bailarina profissional e, quando estava atuando num programa de TV, um cantor chamado Nellson Lins fez questão de ser apresentado a ela.

Nellson iria participar de um concurso de cantores internacionais no Japão e perguntou se ela poderia lhe dar aulas de japonês.

Na mesma hora Fujiko disse: “Eu sou brasileira. Não sei japonês”.

Era assim que falava toda vez que alguém perguntava o significado de alguma palavra japonesa ou algo sobre o Japão. Que obrigação tinha de saber japonês?

Passado algum tempo, Nellson encontrou Fujiko novamente e foi quando lhe contou a grande novidade: graças à sua participação no concurso de cantores no Japão, ele tinha sido contratado por um clube de Yokohama para se apresentar cantando e tocando violão. Ela se alegrou muito com a notícia.

“Fujiko, por que não vem comigo? O Japão é um país muito bom e quero aprender japonês o quanto antes. E se você também fizer o curso?”

Foi um convite inesperado, mas Fujiko decidiu ir junto ao Japão. Iria ficar por lá somente um mês.

Nellson alugou um apartamento perto do clube e se empenhou para ingressar no competitivo mundo do entretenimento japonês.

Fujiko, por sua vez, foi para a cidade de Chiba e ficou hospedada na casa de uma prima. Conheceu os principais pontos turísticos de Tóquio com a prima como cicerone. Era pleno verão, a cidade fervilhava de turistas estrangeiros e Fujiko sentiu-se como um deles, uma estrangeira.

Como a prima era decasségui e tinha de ir trabalhar, o restante dos dias Fujiko ficou à vontade para explorar a cidade.

Sob o sol escaldante do meio-dia, avistou de repente uma barraca vendendo raspadinha e parou em frente. Incrível! Era como se tivesse voltado aos tempos de infância. A sua avozinha, a obaachan, fazia raspadinha com xarope de groselha por cima que ela adorava!

E enquanto provava a porção refrescante de raspas de gelo fofas como neve, as lembranças do tempo que passou junto com a família vieram à mente. A competição de quem come mais mochi no Ano Novo. A família inteira participando da competição poliesportiva, o undokai. A torcida na frente da TV assistindo ao tradicional Kohaku Utagassen do Japão. Os seus pais participando de concursos regionais de música popular japonesa. Tantas eram as lembranças!

“Ainda bem que nasci japonesa e eu tenho que me orgulhar disto!” – pensou, ao mesmo tempo em que sentiu remorso por ter vivido tanto tempo tentando negar suas raízes. Não tinha como se desculpar perante seus pais e avós.

Cabelos louros, maquiagem exuberante, scarpins altíssimos, acessórios chamativos – essa Fujiko que atendia pelo nome artístico de “Angelika” era uma impostora! Melhor se livrar dessa personagem “de mentirinha” o quanto antes!

Antes de voltar ao Brasil, fez uma visita a Nellson e ambos puseram os assuntos em dia.

“Fujiko, eu nem te reconheço mais! Você agora é uma outra pessoa, mais confiante, feliz... Sabe que está mais bonita do que nunca? Gostei, viu?” – disse ele surpreso.

“Não me importo mais se me tratam como “japonesa” e, mesmo que façam troça com o meu nome, nem vou me aborrecer. Eu tenho raízes no Japão e isto é o que vale” – e voltou ao Brasil mais confiante que nunca!

 

© 2024 Laura Honda-Hasegawa

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Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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