BATCHAN GUENKI1?
JAPÃO AGORA MÓ FRIO
MAS COMIGO DAIJOUBU2 GUENKI GUENKI.
-- DA MARCELA
No papel de carta enfeitado com lindas flores, apenas estas palavras num japonês bem básico. Mas o envelope vinha recheado com muitas fotos. Foto comendo bento com colegas da fábrica. Foto com a professora de japonês, que está começando a aprender, e também colegas de curso. Foto tirada na festa de Natal usando vestido vermelho. Foto fazendo o sinal de V ao lado do primeiro boneco de neve que fez. Em todas, ela com seu sorriso, parecendo estar muito bem.
Depois que recebeu a cartinha da neta Marcela, Kimiko vive cantarolando “A vida, a vida é mesmo uma coisa surpreendente”. Pois a letra da canção “Ai sansan” diz bem o que é a sua própria vida.
- Que coisa interessante! Uns 30 anos atrás, a Kimiko surpreendeu todo mundo, dizendo de repente que ia trabalhar no Japão. Depois foi a filha dela. Em seguida, o filho e agora a neta! – disseram os parentes.
Isso mesmo, esta é a história de três gerações de decasséguis.
Tudo começou quando Kimiko estava com 47 anos de idade. O marido faleceu prematuramente e ela, uma simples dona de casa, não entendendo nada sobre negócios, não teve outro jeito se não passar para frente a mercearia do marido. E como morava nos fundos da mercearia, Kimiko foi para São Paulo à procura de um lugar para morar e de um emprego, levando junto os dois filhos.
Ficaram todos morando provisoriamente na casa da irmã mais velha de Kimiko, mas como estava difícil arranjar emprego, Kimiko decidiu ir trabalhar no Japão.
Na época, como seu filho de 16 anos estava começando o ensino médio e a filha de 18 estudando para o vestibular, restou a Kimiko ir sozinha para o Japão.
Trabalhou lá como cuidadora de idosos, pensando apenas em juntar dinheiro o mais rápido possível para poder voltar para sua família. Ela trabalhou desesperadamente.
Até que se passaram dois anos e Kimiko retornou ao Brasil, mas infelizmente o país passava por uma crise aguda e o novo governo começou adotando medidas econômicas drásticas, como o congelamento dos depósitos bancários até julho de 1993. Em outras palavras, Kimiko teria que esperar um ano e meio para poder usar o dinheiro que havia conseguido juntar trabalhando no Japão.
Não teve jeito, retornou ao Japão para ser decasségui outra vez. Só que, desta vez, o filho também ia junto, então estava um pouco mais tranquila. Por mais que tivesse dificuldades, teria como enfrentar e vencê-las. Assim, os dois trabalharam duramente.
Bem nessa época, a filha de Kimiko também se encontrava no Japão trabalhando como decasségui. Com apenas vinte anos de idade, Érica havia se casado com Marcelo, mais novo que ela, tinham tido um filho, mas a vida não estava fácil. Então, junto com o marido foi trabalhar no Japão, mas Marcelo, além de não entender nada de japonês não se acostumou ao trabalho duro e acabou voltando ao Brasil em menos de um ano. Érica continuou lá durante dois anos. Mas o que ela jamais imaginaria era que sua mãe e agora o irmão também estavam no Japão.
Kimiko também jamais pensaria que sua filha estivesse no Japão. Como não tinha notícias dela havia muito tempo, toda vez que se lembrava da filha, ela orava para que estivesse bem onde quer que fosse.
Kimiko foi ao Japão pela segunda vez e acabou trabalhando cinco anos, após o que finalmente retornou ao Brasil. Um dia, tendo ido visitar a irmã mais nova, com quem não tinha tanto contato, acabou encontrando sua filha Érica lá.
Mãe e filha não se viam há sete anos! Ambas ficaram paradas, estáticas, parecia que o tempo também havia estacionado. Nisto, ouviu-se vindo lá dos fundos uma voz de criança dizendo “Espera!”, ao mesmo tempo que um cachorrinho todo branco pulou correndo para dentro da sala. “Espera, né!”, veio a menininha atrás e, logo, cachorrinho e menininha acabaram voltando para os fundos.
Finalmente, Érica pareceu menos tensa e disse: “É a minha filha Marcela e eu estou aqui de novo, na casa da tia...”
Kimiko não estava acreditando. Sete anos atrás, ela voltou do Japão e imediatamente começou a procurar pela filha, mas não conseguiu, tendo de voltar novamente ao Japão. Estava muito comovida pelo reencontro, era como se fosse um milagre!
Kimiko conseguiu comprar a casa que tanto queria e foi morar lá com o filho e a filha. O filho havia conhecido a esposa nikkei no Japão, casaram-se no Brasil e tinha lhes nascido o primeiro filho. Érica separou-se do marido e estava criando a Marcela sozinha.
E Marcela cresceu, formou-se na faculdade e está agora no Japão. Quer montar um escritório de design de interiores e está batalhando.
A história de sucessos de três gerações de decasséguis continua! VIVA!
Notas:
1. Tudo bem? Como vai? Eu vou bem, eu estou firme.
2. Tudo bem. Tudo em ordem. Pode deixar.
Tanto “Guenki” como “Daijoubu” são palavras muito usadas pelos decasséguis.
© 2014 Laura Honda-Hasegawa