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A cultura e o prazer do saquê

No Japão, nihonshu é o nome da bebida fermentada de arroz. Saquê é o nome genérico de uma bebida alcoólica. Foto: Javier García Wong Kit.

Uma garrafa pode conter uma tradição milenar para levar a qualquer canto do planeta. O saquê, a emblemática bebida japonesa (aliás, seu nome significa isso: bebida alcoólica, um genérico que mais tarde mostrará suas variantes), tem viajado pelo mundo cativando quem nela descobriu algo inesperado.

Nem um conhaque poderoso como a vodca, nem um sabor invasivo como o de um licor de anis. O saquê é suave, sem ser doce, delicado e muito aromático, com notas doces e florais. Alguns o comparam ao vinho branco por causa do seu perfume. Outros chamam de cerveja de arroz, o que pode ter pouca semelhança com a experiência que você terá na boca.

O saquê, vamos começar por aqui, é cultura e prazer. Sua história é tão antiga que remonta à mitologia japonesa. A imagem do deus Kami bebendo saquê pode ser encontrada em santuários xintoístas, por isso tem sido associada à sacralidade. Por isso, costuma ser bebido no início de uma cerimônia ou antes de iniciar um projeto, desde a construção até o casamento; e como sinal de oferta.


Histórias de uma bebida

Sua origem, porém, não é tão clara. Há quem afirme que a sua técnica de fabricação vem da China. A vinícola mais antiga que produz saquê no Japão foi fundada no ano de 1140. Desde então é produzido nas 47 prefeituras da ilha, em diferentes variedades que utilizam 80 das 300 variedades de arroz existentes no país.

No exterior, todos identificam o saquê como uma bebida de arroz, mas como seu nome é genérico em japonês (pode significar vinho, cerveja ou uísque, qualquer bebida alcoólica), os imigrantes têm dificuldade de encomendá-lo no Japão. Para evitar problemas, você deve chamá-lo de nihonshu e, de preferência, pedir ginjo, que é da melhor qualidade.

A qualidade vai depender do polimento do arroz. Ginjo atinge 60% de polimento, um dos mais altos padrões. Alguns acrescentam álcool ao saquê, outros acrescentam sabores de frutas (pêssego, maçã, lichia) e podem ser bebidos quentes ou frios dependendo do clima e do paladar. “O melhor saquê é aquele que mais gostamos, não o mais caro”, diz o especialista Yasuo Ishii.


Cultivo e produção

Yasuo Ishii, diretor da empresa Super Nikkei, com sede no Peru, afirma que no Japão existem cerca de 50 mil marcas de saquê, produzidas por cerca de 1.500 vinícolas. Muitos deles vão comprar as culturas de sakamai (variedade de arroz utilizada nesta bebida) antes de estarem prontas para serem colhidas para garantir a sua produção.

É um tipo de arroz que concentra o amido no centro de cada grão, que será polido até atingir seu maior grau de pureza. “Quanto mais polido o arroz, maior será a qualidade do saquê”, explica Yasuo Ishii em palestra na Associação Peruana Japonesa, em Lima. Ao contrário do vinho, um fungo chamado koji é adicionado ao arroz para fermentá-lo e obter açúcar.

Quando o processo é feito de forma artesanal, a bebida recebe o nome de jizake. Uma de suas características é a transparência do líquido, embora também seja possível obter nigori (saquê turvo), explica Ishii, que é consultor certificado pela Sake School of America. Por fim, com os restos do arroz polido você pode fazer biscoitos raros.

Algumas apresentações de diferentes garrafas de saquê. Foto: Mutual Trading Co.


Saquê sem fronteiras

Takao Matsukawa é um sommelier certificado de saquê. Iniciou sua carreira em 1998, em Los Angeles, e desde então trabalha na empresa Mutual Trading, que exporta diversas variedades para México, Costa Rica, Panamá e Chile, entre outros países. No Peru, o saquê entrou há cerca de 15 anos e só nos últimos cinco anos a sua procura aumentou.

“Um dos principais motivos pelos quais o saquê não é mais consumido é a falta de informação e conhecimento”, diz Takao, além das altas tarifas e outros impostos que aumentam seu preço, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos. Entre os mitos, é comum acreditar que se trata de uma bebida intensa, quando seu teor alcoólico está entre 14% e 18%, semelhante ao vinho (10% a 14%).

A variedade de apresentações (garrafas transparentes ou coloridas para protegê-lo dos raios solares; versões com sabores de frutas e a arte de sua apresentação) refletem um produto que vem ganhando cada vez mais adeptos. Mesmo nos Estados Unidos, alguns especialistas decidiram abrir fábricas próprias naquele país, o que também aconteceu em Espanha, por não ter denominação de origem.


Saquê e culinária peruana

Há um ano, Keisuke Irie e Noriyoshi Nagai, membros da Associação Samurai de Saquê, estiveram no Peru, a convite da Associação Peruano-Japonesa, que ofereceram uma palestra para representantes de restaurantes e outros estabelecimentos interessados ​​na bebida. A ideia foi mostrar as qualidades que o fazem combinar com a comida peruana.

Yasuo Ishii, diretor da empresa Super Nikkei, em palestra sobre saquê na Associação Japonesa Peruana. Foto: © 2015 Associação Japonesa Peruana / Jaime Takuma).

Naquele ano, o itamae peruano Hajime Kasuga preparou uma harmonização de pratos Nikkei com diversos tipos de saquê no restaurante Hanzo. “Combina muito bem com comida peruana, se eu tivesse que escolher um para servir com sashimi seria frio. Com makis com molhos leves pode ser um saquê de corpo médio, mas quente, e para um peixe salteado, com bastante corpo.”

Já o chef Mitsuharu Tsumura, do restaurante Nikkei Maido (considerado o melhor da categoria no Peru pelo guia Summum em 2015 e o quinto melhor da América Latina pelo prêmio Latin America's 50 Best Restaurants do mesmo ano), por outro lado, utiliza-o como insumo culinário em temperos e molhos.


Passando pelo bar

Coquetel preparado com saquê. Foto de : Oishii Nikkei Restaurant.

Os restaurantes Nikkei também incorporaram o saquê como ingrediente em suas bebidas. No Maido, o coquetel Punch conta com saquê, pisco, suco de laranja, calda de abacaxi e espumante branco, com suco de frutas exóticas como figo da Índia, carambola e manga, para acompanhar pratos de peixes e frutos do mar; uma iniciativa que as novas instalações adotaram.

No Tzuru, novo restaurante de culinária nikkei inaugurado por Jorge Matsuda e Masa Hamada, por exemplo, combinam-se com água tônica, pisco e uísque, além de usar folhas para dar sabor e togarashi. Um de seus coquetéis se chama Sake Lemongrass, que é preparado com limão verbena, saquê e kion.

Oishii, novo restaurante do japonês Toshiro Konishi, inaugurado este ano em Lima, conhece bem a tendência dos coquetéis Nikkei, que já vem sendo comentada em outros países da região, como a Argentina, e até na Europa. Lá, o barman Anthony Becerra usa saquê com ingredientes peruanos (pisco, chuchuhuasi e frutas como pitaiaia) e japoneses (lichia e chá verde).


O futuro do saquê

Nos últimos anos, o governo japonês intensificou a promoção do saquê, que esteve presente na última Assembleia Geral da ONU e na feira Expo Milano 2015, na Itália. Embora o consumo interno de saquê tenha diminuído, o produto atingiu o seu pico de exportação em 2014. Os Estados Unidos são o principal mercado, seguidos pela Coreia, Taiwan, Hong Kong, Canadá e Brasil, afirma a Samurai Sake Association of Japan.

Em Espanha, o saquê começou a difundir-se através de degustações oferecidas pelas melhores adegas de Madrid, Barcelona e Palma de Maiorca. É um produto que pode ser considerado uma iguaria por um preço baixo. Basta dizer que a maioria das marcas varia entre US$ 20 e US$ 30, embora possam ser encontradas de cinco a US$ 100.

No Peru, a variedade de marcas permite beber saquês tradicionais, entre eles o Ozeki (o clássico), que tem leve sabor de melão; seco e extra seco; os que podem ser servidos quentes, a não mais que 40 graus (como o Takara Sho Chiku Bai), o Nigori, que não foi filtrado, e o famoso ginjo, de textura mais sedosa. Kampai!

© 2015 Javier Garcia Wong-Kit

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About the Author

Javier García Wong-Kit é jornalista, professor e diretor da revista Otros Tiempos. Autor de Tentaciones narrativas (Redactum, 2014) e De mis cuarenta (ebook, 2021), ele escreve para a Kaikan, a revista da Associação Peruana Japonesa.

Atualizado em abril de 2022

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