Perdi a conta de quantas vezes já ouvi a frase “Japoneis é tudo doido!”.
Contarei algumas delas:
- Oca, parque do Ibirapuera, São Paulo: eu estava na impressionante mostra “Corpos: A Exposição” – na qual são expostos cadáveres humanos com órgãos e músculos plastificados –, quando percebi um casal de visitantes nikkeis brigando entre si.
Muito bravo com sua esposa, o homem não abria mão do prato que os dois haviam planejado comer naquela noite: sashimi.
Avessa à ideia de comer carne crua logo após ter visto tanta carne “crua” na exposição, a mulher implorava ao marido para que ele mudasse de ideia.
Quando os dois foram embora, um dos seguranças do museu que ouviu toda a conversa, disse ao seu colega: “Ei, japoneis é tudo doido, né?”.
- Piscina de um clube na cidade de Matão, interior de São Paulo: depois do churrasco, todas as crianças foram direto para a piscina. Apenas eu, meu primo e uma menina, os únicos nikkeis da turma, fomos obrigados por nossos pais a esperar, não só uma, mas duas horas para tal.
Contrariado com a situação, esse meu primo se sentou numa espreguiçadeira de plástico e comentou consigo mesmo: “É... Japoneis é tudo doido, mesmo!”.
- Minha sala, em algum canto da Liberdade, São Paulo: minha namorada, após saber pela televisão que a torcida aponesa recolhia o seu próprio lixo da arquibancada após os jogos de sua seleção na Copa do Mundo 2014, se perguntou: “Hã? Eita... Mas que coisa doida?”
- Loja de material escolar na rua Bueno de Andrade, Liberdade: um amigo meu, que não é nikkei, quando soube que o manekineko dourado exposto na vitrine – um gato de plástico de trinta centímetros de altura que balançava o seu bracinho erguido, para frente e para trás –, servia para trazer boa sorte para o dono da loja, não aguentou e me disse aos risos: “Mas que loucura que é japonês, né?”
- Casa onde morei durante vinte anos em Matão, interior de São Paulo: meus pais estavam curiosos com o fato de que alguns de seus hashis estarem com uma das pontas queimada.
O mistério só foi revelado quando a nossa nova cozinheira confessou que estava usando os “gravetinhos” para acender o forno do fogão.
E quando eu lhe expliquei para o quê é que aqueles gravetinhos serviam, ela não disse nada; mas ficou estampado em seu rosto: “Ô, meu Pai Santo, mas que japoneis é tudo doido, isso, é!”.
- Minha cozinha, em meu apartamento na Liberdade: uma colega – que também não é nikkei – me visitou no horário de minha janta. Curiosa, quis saber o que é que era aquilo amarelo que eu estava comendo.
Quando eu lhe expliquei que aquilo amarelo que eu estava comendo era ovo cru misturado com arroz, ela me olhou e me disse: “ARGH! Por que que cê tá fazendo isso?”
Então eu lhe expliquei que “isso” é um prato típico do Japão. E que o ovo cru é misturado com arroz em alta temperatura e que, ao final, é tudo temperado com shoyu. Uma verdadeira delícia.
Ela torceu o nariz: “Credo, meu, que doideira, hein!?!”
Mas, apesar de todos esses exemplos que acabei de citar, o motivo mais frequente que leva alguém a me dizer que “japoneis é tudo doido” é quando se levanta a ideia – falsa, aliás; e eu mesmo sirvo de mau exemplo – de que todo japonês passa o dia inteiro estudando.
© Hudson Okada