Morar na Liberdade, bairro de São Paulo, é como morar em dois países ao mesmo tempo. E não seria por menos.
Pesquisando no site da prefeitura de São Paulo, passei a saber que a população desse bairro é de, mais ou menos, 70 mil habitantes. Tentei também levantar outros números – como, por exemplo, a quantidade de pessoas de cada etnia que nele reside –, mas, infelizmente, não os encontrei.
Mesmo assim, pelo que observo – e chutando torto feito japonês –, eu diria que na Liberdade convive uma média de 40% de pessoas de origem asiática. Ou seja, dos 70 mil habitantes, 28 mil é de origem asiática.
Lembrando-se sempre que, desde o final do século passado, a Liberdade deixou de ser reduto apenas de japoneses ao passar também a receber outros grupos de imigrantes de origem também asiática: os chineses e os coreanos.
(Sem falar dos índios daqui e doutros cantos da “latino américa”, que, apesar de não-asiáticos, como dizia minha avó, “Parece nihonjin, né?”. Tradução: O rosto dos índios parece com o rosto dos japoneses, não é mesmo, fio?)
E, por eu morar no extremo sul da Liberdade, na divisa com o bairro Paraíso – entre a liberdade e o paraíso; diga se isso não soa intrigante –, verifiquei que a densidade-populacional-oriental dessa parte do bairro sofre um reajuste de 20%.
Deixe-me ilustrar o que digo:
Saindo do meu apartamento – que, de tão pequeno mais se parece um microapê de Tóquio –, descendo pelo elevador, passando pela portaria e chegando à calçada do prédio onde moro, durante esse trajeto, eu sempre me deparo com, ao menos, um oriental (ou descendente de oriental). E calculando que sempre avisto, em média, cinco pessoas – contando com o porteiro e contanto que ele não seja oriental –, verifico que os meus cálculos estão todos corretos.
Portanto, nesta parte do bairro, a cada cinco pessoas, uma delas é oriental. Ou seja: 20%. (dados fornecidos pelo Instituto de Pesquisa DataUdê – ou seja, por mim mesmo)
Mas seguindo na rua Tamandaré, virando na Galvão Bueno e chegando na pracinha central do bairro – a famosa praça da Liberdade –, a média é reajustada para mais. Varia para uma base de 60% de orientais.
Como vê, caro leitor, agora a porcentagem é alta. E a impressão que se tem é a de que se está em outro país. Só se vê: batchans (vovó, em japonês) caminhando devagarinho, chineses vendendo de tudo em suas galerias e coreanos dançando “Gangnam Style”. (Me desculpe pela brincadeira, povo coreano. Não resisti.)
Ou seja. Existe uma gradação na quantidade de orientais que aumenta paulatinamente das extremidades do bairro até à sua praça central.
(A maior concentração de orientais em território ocidental se dá nos banquinhos dessa praça. Sempre, 80% das pessoas sentadas neles são senhores e/ou senhoras orientais)
Exceção: nos finais de semana essa teoria não funciona; porque, a grande quantidade de pessoas que visita a famosa feirinha da Liberdade faz desse cálculo algo impossível.
Para se ter uma ideia, uma vez, no transcorrer de uma quadra – vizinha a essa praça –, eu me deparei só com orientais. Não havia nenhum “não oriental” transitando por aquela rua durante aquele momento. E, pasmem, minha contagem chegou a mais de quarenta – quarenta! – pessoas de cabelo preto e de olhos puxados!
Sou brasileiro – nasci, cresci e vivo no Brasil – e sou descendente de japoneses – meus avós vieram do Japão. Como brasileiro, manifesto emoções cívicas durante a Copa do Mundo. Mas como descendente de japonês e morador da Liberdade, penso eu que, durante esse torneio, seria desperdício torcer para um país só.
E o que faço, caro leitor?
Sigo as sábias palavras do ex-jogador de futebol, também nascido no Brasil e também nipodescendente, Sérgio Echigo – o inventor do genial drible conhecido como “elástico” –, ditas numa entrevista para um programa de televisão: “Quando Brasil e Japão se enfrentam, eu me sento bem na linha do meio campo. Torço para os dois lados, né. Tanto para o Brasil, quanto para o Japão.”
Saudações, mestre Echigo!
© 2017 Hudson Okada