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Resgate das habilidades diplomáticas da Dinastia Ryukyu através das atividades dos Uchinanchu no exterior! Alternativas para a questão da realocação da base militar americana Henoko—Parte 1

Mikio Shimoji declarando sua intenção de candidatura em frente à Casa Branca (Cred. - site oficial)

Seria uma loucura declarar a candidatura ao governo de Okinawa em frente à Casa Branca? Para o ex-ministro Mikio Shimoji, não.

No dia 13 de julho, Mikio Shimoji de 60 anos, antigo membro da Câmara dos Representantes e ex-ministro do Japão responsável pela privatização postal e gestão de catástrofes, viajou até Washington, nos Estados Unidos, especialmente para declarar a sua intenção de candidatura para a eleição ao cargo de governador da prefeitura de Okinawa.

“A razão pela qual anunciei a minha candidatura em frente à Casa Branca é que, após a guerra, o destino de Okinawa sempre foi determinado pela decisão da Casa Branca. Há 77 anos, Okinawa foi colocado sob a administração dos EUA e, 27 anos depois, foi devolvido ao Japão. Todas essas decisões foram feitas pela Casa Branca”, destaca o político.

Mesmo após 50 anos desde que Okinawa voltou a fazer parte do Japão, 70% das bases militares americanas no Japão ainda se concentram em Okinawa, e o governo americano ainda não pretende fazer nenhuma revisão drástica no Acordo sobre o Estatuto das Forças.

Quando decidi concorrer ao cargo de governador de Okinawa, quis anunciar a minha candidatura em frente à Casa Branca, que tem um poder significativo sobre o destino de Okinawa, ao invés de anunciar em uma coletiva de imprensa, para demonstrar a minha forte vontade de enfrentar seriamente e resolver o problema da base”, disse Shimoji em seu vídeo, anunciando sua intenção de candidatura.

Quando assisti a esse vídeo, senti que poderiam se abrir novas possibilidades.

Quem sempre tomou as decisões históricas de Okinawa não foi Tóquio, mas Washington. Acredito que a frustração e o niilismo de que “não importa o quanto negociamos com o governo japonês, nunca chegamos a lugar algum”, é a opinião de muitos okinawanos.

Shimoji é conhecido na comunidade nipo-brasileira como o criador do sistema de vistos para yonsei (descendente de japoneses de quarta geração) e já visitou o Brasil duas vezes para reuniões de assuntos bilaterais quando ainda era membro da Câmara dos Representantes. Suas passagens deixaram uma marcante impressão como político com fortes sentimentos pela comunidade nipo-brasileira.

Após o anúncio na Casa Branca, Shimoji realizou discursos de rua em Hokkaido e Tóquio, apelando que “o problema da base em Okinawa é também um problema para todo o Japão”. Assistindo aos vídeos gravados dos discursos, senti que a situação dos descendentes de japoneses residentes em países estrangeiros e a dos okinawanos são semelhantes, e entrei em contato com ele para discutir sobre.

Em meio à campanha que ele realiza em diversas partes de Okinawa, Shimoji cedeu um tempo para responder a minha entrevista. “Está uma barulheira no fundo enquanto estou falando contigo agora, não é? Pois esse barulho todo é de um avião militar americano”, disse Shimoji. Pude sentir o quão grave e real está a situação.

Os okinawanos desconfiam do governo japonês

Partindo do princípio de que os japoneses residentes no exterior não têm direito ao voto nas eleições locais, qualquer coisa que um jornal japonês de fora escreve – como o nosso – não interfere em nada nas tendências de voto em uma eleição de Okinawa.

Sendo assim, nada que um político japonês fizer pela comunidade nikkei pode aumentar os seus votos. Independente disso, Shimoji se preocupou com a comunidade nipo-brasileira. É notável que foi por ele ter respeito pela comunidade, um interesse que não fosse financeiro ou por votos.

Base Aérea de Futenma, que o governo japonês quer transferir para Henoko, contra a vontade dos moradores da região (Cred. Wikimedia Commons)

O principal foco dessa eleição ao governo de Okinawa é a questão da transferência da base de Henoko. Mas, em primeiro lugar, já é difícil para os descendentes de japoneses residentes no exterior compreender por que 70% de todas as instalações militares americanas no Japão se concentram em Okinawa, sendo que apresenta apenas 0,6% da área terrestre do país.

Ao pesquisar, notei que no início da década de 1950, a proporção de áreas das instalações militares americanas no Japão era de 90% na ilha principal e 10% em Okinawa. Posteriormente, as instalações na ilha principal foram devolvidas, se concentrando tudo apenas em Okinawa. Perguntei o motivo disso para Shimoji que respondeu da seguinte forma:

“O Japão foi libertado da ocupação americana há 77 anos. Enquanto isso, apenas Okinawa continuou sob a administração dos Estados Unidos. Ou seja, a concentração de bases em Okinawa era a condição para a liberdade do Japão. Muitos acham que isso é pela localização geográfica, mas não é verdade. Ninguém imaginava que a China se tornaria uma potência tão grande assim há 77 anos”, disse.

“Isso tudo foi uma estratégia política. É muito mais fácil para os militares americanos enfrentarem somente os okinawanos do que todos os japoneses. Além disso, tem um mar que separa Okinawa de todo o resto do Japão. Apenas 1,4 milhões de pessoas ficariam descontentes com a concentração da base militar.

O maior desafio para os americanos no processo da ocupação era a instalação das bases militares evitando o máximo possível da oposição dos japoneses. Quando pensaram em onde instalar, a Casa Branca decidiu concentrar tudo em um só lugar.

Em Okinawa, a oposição é limitada. Em vez de fazer inimigos por todo o Japão, decidiram fazer somente 1,4 milhões de inimigos. Essa foi a estratégia de ocupação política dos EUA. Durante 27 anos que Okinawa esteve sob o poder americano, todas as bases foram transferidas para lá, e só depois disso Okinawa foi devolvido ao Japão. Por isso, essa questão de base é um problema para todo o Japão”.

Em 1952, o Japão concordou, através do Tratado de Paz de São Francisco, em separar Okinawa e colocá-la sob a administração dos EUA em troca da restauração da soberania que tinha perdido na derrota da Segunda Guerra Mundial. O dia 28 de abril de 1952 que este tratado entrou em vigor tornou-se para os okinawanos abandonados “o dia de humilhação”.

Nessa ocasião, os EUA e o Japão estabeleceram o Tratado de Segurança Japão-EUA, que permitiu a instalação contínua das forças norte-americanas no Japão e estabeleceu o Acordo Administrativo Japão-EUA (o predecessor do Acordo sobre o Estatuto das Forças). Isso continua atormentando Okinawa até os dias de hoje.

Segundo Shimoji, na época houve grandes e fortes protestos de oposição nos campos de treinamento militar americano, em várias partes do Japão, o que levou à desocupação e a devolução de algumas das bases militares americanas ao Japão em 1958, como ocorreu com a Área de Treinamento de Kitafuji, que ficava em Yamanashi no Japão. “Como resultado, Okinawa teve que pagar por todas as consequências”, explicou Shimoji.

“Só Okinawa não foi libertada da maldição dos 27 anos de ocupação. O plano de relocalização da Base Aérea de Futenma para Henoko está simplesmente levando um problema de um lugar povoado e perigoso, em caso de acidente, para um lugar menos povoado. Não será uma solução de fato, a menos que seja levada para fora de Okinawa”.

“Houve também problemas com a forma como os ex-governadores Onaga e Denny Tamaki fizeram as coisas: processaram o país. Não adiantava processar, já sabíamos quem ganharia. O motivo pelo qual o Japão não para com as obras de aterro em Henoko é por conta desse processo. Temos que recorrer diretamente com a Casa Branca demonstrando a vontade do povo”, argumenta Shimoji.

Onaga estabeleceu um subescritório da província em Washington para negociação, e Tamaki também já visitou a Casa Branca duas vezes, mas sem sucesso. Mas talvez seja possível ainda uma estratégia que envolva também a população americana, e não só a prefeitura.

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© 2022 Masayuki Fukasawa

Brasil Estados Unidos da América Henoko (Okinawa) Japão Mikio Shimoji Província de Okinawa
About the Author

Nasceu na cidade de Numazu, província de Shizuoka, no dia 22 de novembro de 1965. Veio pela primeira vez ao Brasil em 1992 e estagiou no Jornal Paulista. Em 1995, voltou uma vez ao Japão e trabalhou junto com brasileiros numa fábrica em Oizumi, província de Gunma. Essa experiência resultou no livro “Parallel World”, detentor do Prêmio de melhor livro não ficção no Concurso Literário da Editora Ushio, em 1999. No mesmo ano, regressou ao Brasil. A partir de 2001, ele trabalhou na Nikkey Shimbun e tornou-se editor-chefe em 2004. É editor-chefe do Diário Brasil Nippou desde 2022.

Atualizado em janeiro de 2022

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