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A “vila dos milagres” e a “terra prometida” - Parte 2

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Um novo começo no Brasil

A pobreza rural assolava o Japão durante o início do século XX, onde as cidades rapidamente cresciam e se modernizavam, mas o campo continuava com o sistema feudal de séculos atrás. Imamura naturalmente não era exceção. Para muitas pessoas vivendo da terra, o Brasil era uma terra de oportunidade para melhorar de vida e fazer fortuna, mas para os católicos japoneses, era também um país onde sua fé poderia ser vista e celebrada em todos os lugares.

Sem dúvida, o Brasil era atraente para os católicos de Imamura, mas eles se encontravam num dilema, já que eles queriam também ajudar na construção de uma nova igreja sob a liderança do Padre Tamotsu Honda. Percebendo tal hesitação, Padre Honda encorajou os fiéis a partirem e conheceram a vida de imigrante no Brasil, prometendo lhes aguardar com uma “igreja magnífica” quando eles retornassem ao Japão.2

Assim, em 1912, o navio Kanagawa-maru partiu do Japão para o Brasil, trazendo a primeira leva de imigrantes de Imamura e região. A atual Igreja Católica de Imamura, projetada pelo renomado arquiteto Yosuke Tetsukawa, construída com o trabalho dos fiéis e com recursos provenientes da Alemanha, foi inaugurada em 1913. Como sabemos, fazer fortuna no Brasil era muito mais difícil do que pensavam os primeiros imigrantes japoneses, e poucos conseguiriam retornar ao Japão para ver a igreja com que muitos sonharam e ajudaram a construir.2

Igreja Católica de Imamura. Foto tirada por Edson Hiroshi Aoki e protegida por direitos autorais.

A vida nas fazendas de café no Brasil era árdua, com muitos imigrantes acabando endividados, ou adoecendo e padecendo por conta do doenças tropicas que não existiam no Japão. Mas para os católicos de Imamura, a fé e os laços de comunidade eram um poderoso aliado para enfrentar as dificuldades, mesmo estando espalhados pelo estado de São Paulo.2

Mesmo tendo juntado poucas economias na época, eles financiaram, sem pensar duas vezes, a fundação de um colégio católico para imigrantes japoneses na cidade de São Paulo – o Colégio São Francisco Xavier, fundado em 1928 pelo padre Guido del Toro, e que teve como primeiro diretor Shinto Aoki, ele próprio imigrante de Imamura.2 No mesmo ano, foi inaugurada a Igreja de São Francisco Xavier na cidade de Registro, idealizada por dois católicos de Imamura, Shinjiro Aoki e Heiichi Kurita, e financiada pelo governo do Japão através da Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha (KKKK). Ironicamente, o Japão, que por séculos perseguiu os cristãos no Japão, agora ajudava os mesmos a se converterem ao Cristianismo como forma de melhorar a imagem deles no Brasil.6

Fachada do Colégio São Francisco Xavier em São Paulo. Foto de Vivian Benjamin.


A chegada na “Terra Prometida”

No final dos anos 1920, uma das maiores comunidades cafeeiras japonesas no Brasil era a Colônia de Itacolomí no município de Promissão, fundada pelo pioneiro Shuhei Uetsuka em 1918. O nome “Promissão” faz referência à “Terra Prometida” da Bíblia, onde os hebreus migraram fugindo da perseguição do Egito e buscando uma vida melhor em suas próprias terras. Para os japoneses católicos, cujos ancestrais sofreram perseguição em seus país de origem, e que não podiam ser donos de terras devido ao sistema feudal, o nome fazia mais do que sentido.

Foi nessa época que 78 famílias japonesas católicas da região de Imamura, assim como dezenas de outras famílias católicas de diversas partes de Nagasaki (especialmente as ilhas Hirado, Ikitsuki and Goto), se estabeleceram no bairro do Gonzaga da Colônia de Itacolomí.7

A comunidade do Gonzaga se tornou similar à vila de Imamura em muitas maneiras. Além da fé católica, eles mantinham laços extremamente fortes de comunidade e geralmente os casamentos aconteciam dentro da mesma; como consequência, os sobrenomes Hirata e Aoki continuaram comuns geração após geração.7 Tal como seus ancestrais, eles inicialmente construíram uma igreja simples de madeira, e depois, construíram e inauguraram uma grande igreja de tijolos vermelhos – a Igreja Cristo-Rei dos 26 Mártires, inaugurada em 1938 e cujo nome faz homenagem aos 26 missionários executados por Hideyoshi Toyotomi mais de 300 anos antes.7, 8

Igreja Cristo-Rei dos 26 Mártires, bairro do Gonzaga, Promissão – SP. Foto tirada por Edson Hiroshi Aoki e protegida por direitos autorais.

No entanto, diferente de Imamura que existiu por séculos, a colônia fundada por Shuhei Uetsuka estava destinada a desaparecer no momento que começou. Diferente das plantações de arroz na planície de Chikugo, a monocultura de café no estado de São Paulo, realizada com técnicas pouco sofisticadas, resultava na gradual erosão e perda de fertilidade do solo. Com o passar do tempo, especialmente após a II Guerra Mundial, os habitantes do Gonzaga foram deixando a região. Muitos se mudaram para Arapongas, no Paraná, onde estabeleceram a Colônia Esperança, ou para cidades e outros lugares.7


A atualidade

A despeito de estar próxima da Base Aérea de Tachiarai, intensamente bombardeada durante a II Guerra, Imamura em si não foi alvo de destruição. A despeito disso, a guerra trouxe grande privação e sofrimento para os habitantes, aliviados através de doações do Brasil3 e novas ondas de emigração para o Brasil e outros países latino-americanos, especialmente México e Peru.9

Em 1953, o nissei João Sussumu Hirata fundou a Associação Beneficiente Howa-kai de Fukuoka, como forma de manter os laços entre os descendentes da comunidade católica de Imamura.10 Em 1967, Sussumu se tornou o segundo deputado Nikkei do Brasil, se empenhando na modernização do setor agrícola no país. Em 1977, Joaquim Matsuo Hirata, morador de Imamura nascido no Brasil, publicou o “Jashumon Iken Kutigakicho”, documento dos anos 1867-1868 produzido pelas autoridades do distrito de Takahashi que descreve as prisões e interrogações em Imamura na época, e a mais valiosa fonte de informação sobre a vida dos “Kakure Kirishitans” da planície de Chikugo.2, 3

Gruta de N. Sra. De Lourdes na Associação Beneficente Howa-kai de Fukuoka, Itapecerica da Serra – SP. Foto tirada por Edson Hiroshi Aoki e protegida por direitos autorais.

Imamura continua sendo uma pacata vila predominantemente católica, e a região tem também uma segunda igreja na vila de Hongo. A Igreja Católica de Imamura foi declarada Patrimônio de Grande Importância Nacional do Japão em 2015.11

No Brasil, a tradição de casamentos dentro da comunidade foi perdendo força, e hoje em dia, os descendentes dos católicos de Imamura e do bairro do Gonzaga estão completamente integrados à sociedade brasileira. Infelizmente, são poucos os que conhecem a história dos seus ancestrais. Devido ao reduzido número de habitantes remanescentes no bairro do Gonzaga, a Igreja Cristo-Rei dos 26 Mártires em Promissão sofre de dificuldades em ter manutenção adequada.8, 12

Conhecer sobre meus antepassados, tanto do Japão como do Brasil, me ensinou lições valiosas, dado que me tornei eu próprio um imigrante e uma minoria em um terceiro país. Eu conheci Imamura, a vila onde meus bisavôs viveram, em 2013, cerca de 100 anos após eles terem se mudado para o Brasil. Como prometeu, Padre Honda me aguardava em uma igreja magnífica.

Gruta em Imamura. Foto tirada por Edson Hiroshi Aoki e protegida por direitos autorais.


Referências

1.  伊藤慎二, 考古学からみた筑後今村キリシタン, 西南学院大学国際文化論集 29(2), 71-97, ISSN 0913-0756, Março de 2015.

2. 安高啓明, 久留米藩今村の潜伏キリシタンの発覚と信仰生活,西南学院大学博物館研究紀要第2号, Março de 2014, ISSN 2187-6266.

3. 佐藤早苗, 奇跡の村 : 隠れキリシタンの里, 河出書房新社, 2002.

4. カトリック久留米教会, visitado em 22 Jul 2021.

5. 中川憲次, カトリック愛苦会修道会の歴史的研究(1)草創期, Fukuoka Jogakuin University bulletin Human relations (9), 47-53, ISSN 13473743, Março de 2008.

6. 「日本移植民の原点探る=レジスト・地方入植百周年-戦前編- 72. 最古の日系カトリック教会=不思議な政治的設立経緯」、Nikkey Shimbun, 13 Nov 2013, visitado em 19 Jul 2021.

7. Shigueyuki Yoshikuni, Igreja Cristo-Rei dos 26 Mártires, publicação de reinauguração em 25 Nov 2011.

8. Aldo Shiguti, “Missa na Igreja Cristo Rei dos 26 Mártires deve atrair 2 mil romeiros”, Jornal Nippak, Ano 11 – N° 2191, São Paulo, 22 a 28 Nov 2008.

9. 林雅孝, 社会体制と家族の変化, 日本社会分析学会、機関誌No.10-11.

10. 元隠れキリシタンが作った保和会の役割, https://www.nikkeyshimbun.jp/2019/190226-column.html, Nikkey Shimbun, 26 Feb 2019, visitado em 22 Jul 2021.

11. 今村天主堂, https://kunishitei.bunka.go.jp/heritage/detail/102/00004826, 国指定文化財等データベース, 文化庁, visitado em 22 Jul 2021.

12. 日系最古の教会クリスト・レイ=38年建設、いまは廃墟=「60年前は賑やかだった=兵どもが夢の跡…, https://www.nikkeyshimbun.jp/2008/080620-iminnohi-zenhan6.html, Nikkey Shimbun, 20 Jul 2008, visitado em 22 Jul 2021.

 

Agradecimentos: Agradeço ao Prof. Shinji Ito, Roberto Shiguer Aoki, Bernardo Watanabe e Joe Hirata por contribuírem para este artigo com histórias e materiais.

 

© 2021 Edson Aoki

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About the Author

Edson Hiroshi Aoki é um cientista de dados nascido em São Paulo – Brasil, com doutorado em Matemática Aplicada pela Universidade de Twente, na Holanda, e atualmente residindo em Singapura. Ele geralmente escreve artigos nas áreas de ciência de dados, machine learning e inteligência artificial, que podem ser encontrados em https://edsonaoki.medium.com.

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