Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2022/4/15/9026/

Jaime Ajito: Embaixador da Cozinha Nikkei

Jaime Ajito é um chef itinerante. Antes de vir para o Clay Restaurant (à direita), trabalhou como chef no Peru, México e Argentina. Crédito: arquivo pessoal de Jaime Ajito.

Se a gastronomia é uma forma de viajar pelo mundo, o chef peruano Jaime Ajito foi embaixador da cozinha nikkei em dois continentes; ele a havia aprendido em casa e a estudou depois de passar pelos ramos de design gráfico e marketing, de trabalhar como técnico em odontologia no seu próprio laboratório, e de viver um período como decasségui. Hoje ele mora no Bahrein, uma ilha no Golfo Pérsico entre a Arábia Saudita e o Catar, onde se come à peruana.

"No Clay Restaurant somos 31 na cozinha e dez são peruanos", diz Jaime, um verdadeiro vagamundo da culinária: já trabalhou em restaurantes na Argentina, México, China, e agora no Bahrein. Na maioria destes lugares, ele veio abrir as instalações, preparar o cardápio e treinar a equipe. Mas a vida profissional de Jaime nem sempre esteve ligada à culinária. Ele morou mais de uma vez no Japão, onde trabalhou em fábricas como muitos decasséguis.

“A primeira vez foi em 1991 e a segunda em 2001; fiquei quase um ano e meio. Nós peruanos nos reuníamos por lá e eu ajudava a preparar o ceviche”. Durante as viagens de Jaime houve uma escala que foi fundamental. Foi em Sydney, na Austrália, em 2007, onde passou um tempo em companhia da namorada. "Lá eu estudei culinária no Holmes Institute". Ele tinha 33 anos e não fazia ideia que estava na linha de partida de uma longa e sinuosa carreira culinária.

Começar de novo

Longe da cozinha nikkei, Jaime aprendeu técnicas internacionais e se familiarizou com diversas culturas. “Todos os alunos eram estrangeiros. Tinha muita comida da Índia, e eu estudei com jovens das Filipinas, Camboja e Polônia.” Em 2009, a crise mundial o enviou de volta ao Peru. Ele havia cursado a escola primária em Callao, onde, devido à sua ascendência do leste asiático, o chamavam de “chinês”, e cursou a escola secundária no Colégio La Unión [fundado por nipo-peruanos em Lima], onde não se sentia tão nikkei quanto os outros.

“Foi lá que me dei conta que eu era uma 'fusão'. Eu tinha costumes nikkeis, e em casa a minha mãe, que não é descendente de japoneses, fazia um harusame muito gostoso”. Um dos seus colegas de escola era o chef Hajime Kasuga, e quando Jaime voltou ao Peru pediu a Kasuga para trabalhar com ele, mas "começando do zero". Foi Hajime que sugeriu que ele trabalhasse como itamae em um buffet de frios. Afinal, naquela época não havia muitos nikkeis com este tipo de função.

Jaime trabalhou em restaurantes da rede Hanzo no bairros de Santiago de Surco, Miraflores e San Isidro em Lima, como também no restaurante Ache. "Em 2007, Hajime recebeu um prêmio e o lugar se tornou o maior sucesso; nós tínhamos de 400 a 500 pessoas por dia e eu tinha que preparar o otoshi (aperitivos) para aqueles que ficavam esperando por uma mesa." Em alguns anos, Jaime Ajito havia demonstrado a sua habilidade e agora era a sua hora de representar o Peru no exterior, ensinando chefs sobre a culinária japonesa; isso o fez lembrar das vezes que chegava na escola em Callao com o seu katsu de frango e o seu tamagoyaki, e as outras crianças perguntavam o que é que era aquilo.

Cozinhando mundo afora

Primeiro trabalhou no México, onde foi encarregado de treinar os itamaes da Rokkaku Taberna Nikkei; mais tarde, foi para a Argentina, na província de Córdoba, onde o esperava o restaurante Cruz Espacio. Lá ele elaborou um menu de degustação da cozinha nikkei e peruana, o qual estaria a cargo de Hajime. “Eu tinha ido com ele e com o César Contreras. Aí então, os mesmos donos do Cruz Espacio me chamaram para abrir outro restaurante, o Mercado Central, onde criei um cardápio com o tipo de fusão que os argentinos gostam, makis com carne flambada e chimichurri”.

Jaime Ajito durante uma sessão de treinamento no restaurante Cruz Espacio em Córdoba, Argentina.

Vale lembrar que no México eles também fizeram experimentos com a cozinha local. “Junto com o Iván Casusol, adaptamos o cardápio ao paladar dos mexicanos, que gostam de comida bem picante e colocam shoyu em tudo. Preparamos umas pimentas-jalapenho levemente tostadas, adicionando sal e molho de alho e gergelim, o que lhe deu um toque oriental”. Mas o que abriu as portas para os seus novos projetos foi a fusão peruana. “Fui a Pequim, onde alguns peruanos (os irmãos Chia: Francisco, María e Juan Carlos) queriam abrir um restaurante nikkei”.

Com a equipe de itamaes do restaurante Rokkaku na Cidade do México.

O Restaurante PachaPapi foi algo que ninguém esperava: a cozinha nikkei e peruana-chinesa… na China (onde não conhecem o arroz chaufa [arroz frito chinês à peruana] nem o lomo saltado [prato peruano com lombinho marinado frito]). Em Pequim ele estava com uma tradutora, mas quando trabalhou em Xangai, no Sakemate Restaurant, ninguém falava espanhol. "Só o barman falava inglês. Foi muito difícil. Eu dava ordens numa mistura de chinês, inglês, japonês e espanhol." Por sorte, conseguiram encontrar todos os tipos de ingredientes. “Lá você encontra de tudo. Lembro que numa ocasião um cliente alemão veio com a foto de um prato. Ele queria que eu cozinhasse um porquinho-da-índia para ele. Encomendamos, chegou em dez dias, e eu o servi frito com a pimenta [vermelha] ají panca.”

O outro oriente

Na China, ele passou quatro meses em cada cidade, mas lembra que sentia muita falta da família, como agora. "Eu falo com o meu filho Darío todos os dias", diz ele do Oriente, mas não se esquece que antigamente a comunicação era mais difícil. “Com a Marlene, a minha esposa, não tinha internet quando eu estava morando no Nihon. Naquela época eu escrevia cartas para ela”. A pandemia do Covid-19 o trouxe de volta, mais uma vez, ao Peru, onde o esperava um projeto que havia iniciado durante o seu tempo fora do país: Ajito Catering.

“Cheguei à China em 2019 e em fevereiro de 2020 tive que retornar por causa da pandemia. Em Lima voltei a fazer catering porque ninguém saía para comer, e os amigos me contatavam porque queriam comer alguma coisa nikkei”. Ainda assim, o seu destino continuava ligado ao Oriente. Em setembro de 2021 surgiu a oportunidade dele trabalhar em Dubai, mas ao invés disso ele acabou virando chefe de cozinha no Clay Restaurant, no Bahrein, onde o seu contrato vai até meados de 2022. "Estou bem aqui; o plano é trazer a minha família para cá."

Ele conta que muitos sauditas vêm aproveitar o Bahrein por causa das restrições no seu país de origem, e gastam o seu dinheiro aqui, onde os finais de semana começam a partir da quinta-feira. “Fiquei impressionado de ver tantos peruanos. Uma das coisas que eu sinto falta do Peru é fazer carne grelhada, o que tinha virado coisa de praxe todos os domingos durante a pandemia; só que não se pode cozinhar carne de porco aqui por causa da religião dos muçulmanos. É difícil conseguir; é preciso pedir licença e grelhar a carne numa cozinha separada”.

Com a equipe da cozinha do Clay Dubai. Ao centro, o chef peruano Jolbi Huacho.

A outra ilha

Quando terminou a escola, Jaime Ajito foi para o Japão, onde cozinhava sozinho. "Na minha família, todo mundo cozinha muito bem", diz o chef, que trabalhou numa fábrica de impressoras na ilha do sol nascente. Na Austrália, a ilha-continente, fez faxina; e no Bahrein veio trabalhar numa empresa dona de mais de 40 restaurantes de carnes e de comida grega na África do Sul, país que tem ampliado os seus investimentos nos países árabes.

“Cheguei em dezembro de 2021 num país que eu nem sabia que existia. A ilha toda tem um milhão e 600 mil habitantes", diz Jaime, acrescentando que é um local tranquilo, não tão cosmopolita como Dubai, e com fortes ondas de calor no meio do ano. "Dá vontade de morar aqui", ele comenta, apesar de saber que a empresa planeja abrir outros restaurantes em Londres, Estados Unidos e Arábia Saudita.

E mesmo sendo difícil achar limão galego – ao ponto dele ter que combinar três tipos diferentes de limão para obter a acidez ideal para o ceviche – ele se sente feliz de poder representar a cozinha dos seus ancestrais numa cidade que, como Lima, tem vista para o mar, vivendo rodeado de restaurantes num local onde ele é o embaixador da cozinha peruana. “A comida nikkei permitiu que eu conhecesse a mim mesmo”, diz Jaime, sem se esquecer das suas tardes no undokai, na Associação Nisei Callao e com os amigos do Hanzo. "Estamos sempre em contato; me reencontrei com alguns em Dubai. Somos uma grande irmandade, uma grande família!"

 

© 2022 Javier García Wong-Kit

Argentina Bahrein chefs China culinária culinária (cuisine) comida cozinha de fusão Jaime Ajito México culinária nikkei Peru Peruanos
About the Author

Javier García Wong-Kit é jornalista, professor e diretor da revista Otros Tiempos. Autor de Tentaciones narrativas (Redactum, 2014) e De mis cuarenta (ebook, 2021), ele escreve para a Kaikan, a revista da Associação Peruana Japonesa.

Atualizado em abril de 2022

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Novo Design do Site Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações