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Pratos e rituais do passado para começar o novo ano

Hoje em dia é muito fácil encontrar comida japonesa ou nikkei em Lima. Talvez não esteja longe o dia em que os restaurantes de pratos de origem japonesa serão tão comuns quanto os populares chifas (restaurantes de comida chinesa-peruana), encontrados por todo lado.

Há dez anos atrás, não era fácil. Muito menos no século passado. Naquela época, a comida japonesa era uma excentricidade no Peru e só era popular entre os membros da comunidade nipo-peruana; eram poucas as ocasiões para um nikkei poder desfrutá-la. Ocasiões especiais, é claro, porque não era comida para qualquer dia. Como por exemplo, uma cerimônia religiosa. Ou o Ano Novo.

Nessa data, a comunidade nikkei peruana comemora o Ano Novo à maneira peruana: festas, reuniões de amigos, acampamentos, praia, etc. Mas como eram as coisas antigamente, quando as comemorações tinham como foco a comida?

O dia 31 de dezembro era geralmente um dia de trabalho, numa época quando as famílias japonesas tinham negócios (lojas, armazéns, restaurantes etc.). Na verdade, ainda se trabalhava mais, já que havia mais clientes do que nos dias comuns.

O dia especial era 1º de janeiro. Nessa data, era preparado o mochi e era feita uma limpeza geral na casa para que se pudesse receber o ano novo com tudo limpo e arrumado.

As famílias japonesas preparavam o macarrão sobá (cujo comprimento era visto como símbolo de longevidade) e faziam a osonae, uma oferenda de três mochis para os deuses e os mortos.

Para atrair maior renda no novo ano, se colocava como oferenda o salário recebido ou o dinheiro das vendas do dia com uma vela acesa.

No dia 1º de janeiro, era servido mochi e eram preparados nishime (prato especial com uma variedade de ingredientes) e ozoni (caldo com mochi) para o café da manhã.

Durante o período pós-guerra, estes hábitos sofreram uma pequena mudança: as famílias da comunidade já não mais faziam mochi em casa; ao invés disso, eles eram encomendados nas confeitarias japonesas.

Ao longo dos anos, o almoço em família foi substituindo o café da manhã. Eram preparados pratos para ocasiões festivas, como o sekihan, ou “arroz vermelho”. E na mesa, misturados com a comida japonesa, começaram a aparecer pratos ocidentais como o pato assado.

sekihan, ou arroz para ocasiões felizes, é um prato indispensável nas comemorações da comunidade nipo-peruana. (Crédito: 663highland, Wikipedia.)

Não apenas se fazia visitas aos parentes, mas também aos amigos. E ninguém chegava de mão vazia; pelo contrário, traziam consigo presentinhos como conservas enlatadas, chá verde, caixas do tempero Ajinomoto e sacos com o cogumelo shiitake¹.

RECORDAÇÕES DO OSHOGATSU

Três nisseis compartilham as suas recordações sobre as festas do Oshogatsu em tempos passados:

Daniel Tagata, que passou a infância na cidade de Callao, lembra: “Fazer uma descrição da minha infância com foco no Oshogatsu me dá uma certa melancolia porque, quando eu tinha 4 anos (1943), o meu pai foi desapropriado do seu armazém; os japoneses que eram proprietários sofreram as consequências da Segunda Guerra Mundial. O meu pai, por ser um líder local em Callao, teve que se esconder num lugar seguro e a minha mãe, sem pensar duas vezes, assumiu a responsabilidade de manter o lar e proporcionar a nossa educação e sustento por um bom tempo”.

O ritual de limpeza para os deuses:

“No dia 31 (de dezembro), a mamãe fazia a gente limpar a casa toda; jogávamos fora as coisas quebradas ou indesejadas porque faz parte da tradição deixar tudo limpo para dar as boas vindas aos deuses do ano novo. No final do dia, ela fazia chocolate quente para a gente e comíamos panetone. No dia 1º de janeiro, ela preparava comida japonesa e nos reuníamos em volta da mesa para o almoço”.

Já o Jorge Yamashiro, que também cresceu em Callao, lembra: “No nosso caso, a família tinha um negócio na esquina em frente ao Mercado Central de Callao (esquina das ruas Colón e Cochrane). Como era bastante comum na época, tínhamos a loja e uma sala nos fundos que servia como área de refeições e onde tinha um mezanino para armazenar os diversos tipos de mercadoria que chegavam de Nihon. O negócio dos nossos pais era uma loja de presentes, onde também eram vendidos produtos comestíveis e artigos (ornamentos, louça, etc.) importados do Japão”.

Jorge Yamashiro lembra que os japoneses iam à loja dos seus pais para comprar artefatos e produtos alimentícios como mochi e okashi, e faziam pedidos especiais para o Oshogatsu, que os seus pais preparavam e guardavam até serem apanhados.

Para as crianças, era uma ocasião especial por causa do dinheirinho que recebiam. “A gente, ainda criança, acompanhava os nossos pais nas visitas à família e recebíamos os tão esperados otoshidama (envelopes com dinheiro presenteados às crianças)”.

Akira Fujimoto lembra que as famílias japonesas não faziam as suas comemorações em 31 de dezembro, mas no dia 1º de janeiro.

“De manhã, quando a gente se levantava, a primeira coisa servida era o ozoni, um caldo com mochi dentro. Sempre preparavam nishimê, uma variedade de coisas que cozinhavam num caldo com tudo o que conseguiam encontrar: kamaboko, tofu, gobô, cenoura, nabo; em alguns, botavam frango ou carne de porco. Também me lembro do makizushi. Sashimi, também. Outros faziam botamochi, que era arroz de mochi com anko. E o arroz vermelho da felicidade”.

Antes dos maki [sushi enrolado] ficarem na moda em Lima, os japoneses e os seus descendentes comiam makizushi em dias especiais como 1º de janeiro. (Crédito: Tobosha, Wikipedia.)

Sua sogra, uma imigrante japonesa, depois de acordar preparava uma grande quantidade de pratos para serem servidos a numerosos convidados, incluindo parentes e amigos, que vinham visitar no dia 1º. O rebuliço durava o dia inteiro, já que nem todos os visitantes apareciam na mesma hora. Chegava um grupo ou uma família e depois que eles iam embora chegavam outros. E continuava assim. Os pratos tinham que ser aquecidos o tempo todo.

Akira Fujimoto lembra que no dia 1º de janeiro os filhos casados visitavam o pai, o chefe da família. Esse dia também era uma grande oportunidade para que as pessoas que haviam se destacado na comunidade nipo-peruana, aquelas que haviam ajudado ou feito favores a outras, recebessem visitas destas como uma forma de agradecimento. Havia alguns que, todo 1º de janeiro, visitavam os seus benfeitores para agradecer os favores recebidos.

Nota:

1. Fonte: Hacia un nuevo sol (“Rumo a um novo sol”). Fukumoto, Mary.

 

© 2020 Enrique Higa

celebrações comida feriados Ano Novo Oshogatsu
About the Author

Enrique Higa é peruano sansei (da terceira geração, ou neto de japoneses), jornalista e correspondente em Lima da International Press, semanário publicado em espanhol no Japão.

Atualizado em agosto de 2009

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