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A História da Gekkeikan Sake - de Kyoto para os E.U.A.

Laboratório Okura de Pesquisa de Saquê. (Foto fornecidas pela Gekkeikan)

“No feriado de Ano Novo, Maneki e Nikko Low serviam saquê e condimentos de graça a todos que davam uma passada por lá. Eles decoravam a mesa com uma carpa grandona de uns 30 cm, trazida especialmente do Japão, salgada e grelhada, ao lado de pratos tradicionais japoneses de Ano Novo e pratos chineses preparados especialmente para a ocasião. Isso fazia com que a gente esquecesse que estava no exterior. Depois de dar um dinheirinho às garçonetes, pedíamos que tocassem o shamisen e cantassem Okesa bushi ou outras canções populares. Assim era a cena alegre da festa de Ano Novo em restaurantes nos quais o Japão ‘real’ era mantido vibrantemente vivo.”

— Ito Kazuo em Issei: Uma História dos Imigrantes Japoneses na América do Norte, pag. 829

Esta é uma cena na Japantown de Seattle durante os turbulentos anos 20. Para o árduo trabalhador issei longe de casa, o saquê deve ter tido um sabor especialmente delicioso no Ano Novo. A exportação do saquê japonês para os E.U.A. coincide com a história da imigração japonesa para os E.U.A. Gostaríamos de investigar os elos entre os nipo-americanos e o saquê japonês ao traçar a história da Gekkeikan Sake. Curiosamente, a empresa – uma das maiores fabricantes de saquê – começou a exportar para Honolulu em 1902, quando o [jornal para japoneses nos E.U.A.] Hokubei Jiji publicou a sua primeira edição.

O saquê de Fushimi, na área de Kyoto

Existem diversas opiniões sobre a origem do saquê japonês, mas em geral se acredita que a história do saquê se remete ao início do cultivo do arroz no Japão por volta do século X a.C. Numa descrição da antiga geografia do Japão, chamada “Harima no Kuni Fudoki” e compilada por volta do ano 715, encontramos descrições como: “oferendas para os deuses ficaram mofadas” e por isso “nós fizemos saquê”. A antiga nação japonesa formada pela Família Imperial no século VII tinha uma ala do governo responsável pela produção de saquê chamada “Sake No Tsukasa”. Com o aprofundamento da sua ligação com o governo e a religião do Japão, as técnicas de fabricação de sakê foram se aprimorando.

Quando o Japão se tornou um estado feudal liderado por samurais durante o século XII, Sakayas (estabelecimentos de fabricação de saquê) surgiram em todo o país. Os negócios de fabricação de saquê floresceram principalmente na área de Kyoto, onde eram permitidos oficialmente pela Corte Imperial; esta arrecadava impostos sobre as vendas, ao passo que o governo samurai na região leste proibia a comercialização do saquê. Uma lista do ano 1425 em Kyoto mostra que havia 342 Sakayas em operação na cidade.

A Gekkeikan Sake está localizada em Fushimi, a uns poucos quilômetros ao sul do centro de Kyoto. A produção de saquê começou aqui há muito tempo atrás por causa das boas fontes de água e da proximidade ao centro de Kyoto. Fushimi se tornou uma grande “cidade-castelo” quando Hideyoshi Toyotomi ergueu o Castelo de Fushimi em 1592, o que fez com que o comércio de saquê em Fushimi prosperasse. O castelo já estava abandonado quando o Período Edo teve início em 1603, mas com o passar do tempo Fushimi se transformou numa movimentada “cidade-correio” devido aos seus sofisticados canais de água. As empresas de fabricação de saquê na cidade continuaram a se desenvolver e o nome de Fushimi ficou conhecido nacionalmente como uma marca de saquê.

A antecessora da Gekkeikan, Kasagiya, foi criada em 1637, na época que Fushimi obteve maior destaque. O fundador, Jiemon Okura (1615-1684), usou como inspiração o nome da sua aldeia natal, Kasagi, situada no extremo sul da atual Prefeitura de Kyoto e perto de Nara. Dizia-se que o pai de Jiemon trabalhava como agricultor e comerciante, além de administrar um negócio de produção de saquê. Este negócio de família permitiu que Jiemon se estabelecesse em Fushimi. De acordo com o livro de história da empresa Gekkeikan, o pai de Jiemon pertencia à 41ª geração da família Okura. Tendo este número em mente, podemos imaginar há quanto tempo a família se dedica ao cultivo do arroz e à produção de saquê na região.

Apesar do sucesso no início do Período Edo, a produção de saquê em Fushimi sofreu queda naquela época. O xogunato Edo continuou a desenvolver sistemas de transporte terrestres e aquáticos por todo o país, o que levou à competição com diferentes regiões produtoras de saquê, como Nada Sake em Kobe. Fushimi, sem acesso ao mar, se encontrava em desvantagem. Durante a Revolução Meiji, a cidade de Fushimi virou palco de batalhas entre o xogunato Edo e o novo poder ascendente. Na Batalha de Toba-Fushimi – a maior batalha em 1868, que praticamente destruiu o xogunato Edo e deu origem ao governo Meiji – a maior parte de Fushimi foi completamente incendiada. Ficou extremamente difícil abrir um negócio no ramo da produção de saquê. Das 83 Sakayas em Fushimi listadas no princípio do Período Edo, apenas duas ainda estavam em atividade no Período Meiji. Uma dessas era a Kasagiya.

A fábrica de saquê Gekkeikan (por volta de 1909), vista do canal do Rio Hori, que corta Fushimi. Do Rio Hori, a vista da fábrica quase não mudou até os dias de hoje. A paisagem da cidade produtora de saquê de Fushimi tem um significado simbólico especial. (Foto fornecidas pela Gekkeikan)


O saquê japonês cruza o oceano na Era Meiji

A Restauração Meiji revelou um Japão moderno. A Kasagiya havia sobrevivido aos desafios do passado e pôde então aproveitar o ímpeto dos novos tempos, dando grandes saltos de progresso. Em 1886, Tsunekichi Okura, de 13 anos, o proprietário da 11ª geração da Kasagiya, deu início a uma série de inovações na fabricação e venda de saquê. O saquê de Fushimi começou a ser vendido em todo o Japão e em seguida para o resto do mundo.

Em 1886, Tsunekichi Okura, de 13 anos, se tornou o chefe da família e proprietário da 11ª geração da Kasagiya. Ele fundou o Laboratório Okura de Pesquisa de Saquê e liderou o tremendo avanço da Gekkeikan durante a Era Meiji. Anos depois, ele canalizou a sua energia para servir a comunidade local, proporcionando auxílio a hospitais e departamentos de bombeiros. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele cedeu a sua posição como presidente da empresa para Haruichi Okura, o chefe da 12ª geração. Tsunekichi morreu em 1950 aos 76 anos de idade. (Foto fornecidas pela Gekkeikan)

Em 1889, foi concluída a ferrovia que liga Kobe a Tóquio. A Kasagiya imediatamente percebeu que seria vantajoso direcionar o seu marketing a Tóquio; no ano seguinte, começou a vender em larga escala e a fazer negócios em Tóquio. Ao expandir a empresa, Tsunekichi se deu conta da importância da área de contabilidade; com a ajuda de um agente de seguros local, ele aprendeu a fazer as contas no estilo ocidental e passou a utilizar este método no seu negócio em 1896. Naquela época, muitos negócios de família continuavam a usar o sistema tradicional de contabilidade do Período Edo.

Um pôster de uma loja da Gekkeikan em 1934. (Foto fornecidas pela Gekkeikan)

Em 1905, na esperança de produzir saquê de alta qualidade, Tsunekichi registrou o nome “Gekkeikan”, que quer dizer “coroa de louros” em japonês. Traduzido de um idioma ocidental, o novo nome soava moderno e refinado naqueles dias. Através de anúncios de jornais, cartazes em lojas e outros novos meios, a marca Gekkeikan começou a se expandir por todo o país.

Enquanto se espalhava pelo país, em 1902 a empresa também começou a exportar o seu produto para o Havaí, onde na época viviam mais de 60.000 imigrantes japoneses. As exportações para a Califórnia começaram em 1906. Num período em que tantos jovens isseis cruzavam o oceano em busca de novas oportunidades, o jovem chefe da família Okura enviava o seu saquê, produzido por muitas gerações, através do oceano para se juntar a eles.

O que mais se destaca na jovem liderança de Tsunekichi é a formação do Laboratório Okura de Pesquisa de Saquê em 1909. A maioria dos fabricantes de saquê naqueles tempos dependiam totalmente da habilidade e experiência dos mestres destiladores para a produção de saquê. Tsunekichi decidiu pesquisar técnicas de destilação de saquê partindo de uma perspectiva científica, podendo então modernizar a sua produção de saquê. Hide Hamazaki, engenheiro da Universidade de Tóquio, e um outro cientista se juntaram ao estudo. Eles começaram a produzir saquê em garrafas numa época quando barris de saquê ainda simbolizavam o ápice da prosperidade. Esse mesmo laboratório de pesquisa descobriu uma maneira de engarrafar saquê sem adicionar conservantes como o ácido salicílico.

Em 1911, a companhia passou a liderar o ramo na venda de garrafas de saquê sem conservantes.1 Ganhou prêmios em feiras comerciais e fez com que a Gekkeikan ficasse conhecida como uma destiladora de primeira qualidade. Na Feira Mundial de São Francisco em 1915, o saquê da Gekkeikan ganhou o “Prêmio de Honra”. As vendas da Gekkeikan continuaram a aumentar da Era Taisho à Era Showa, produzindo uma quantidade recorde de 11,3 milhões de litros de saquê em 1939. Garrafas marrons de saquê Gekkeikan eram provavelmente enfileiradas no sempre popular restaurante Maneki durante as festas de Ano Novo na Japantown de Seattle.

Um vidrinho de saquê serve como tampa de garrafa. Esta foi outra invenção de Tsunekichi, em colaboração com Sozan Sawada, um famoso designer que estudou e pesquisou design artesanal na Universidade Columbia. Este produto estimulou as vendas da Gekkeikan nos armazéns das estações ferroviárias. O saquê servia como um bom acompanhamento às refeições bentô encontradas nas estações. (Foto fornecidas pela Gekkeikan)


Calrose e o saquê japonês

Depois da Segunda Guerra Mundial, a Gekkeikan recomeçou as suas exportações para o Havaí através da empresa M Otani em 1949. Em 1961, a companhia expandiu as suas vendas para Chicago, São Francisco, Los Angeles e Guam. Você provavelmente já sabe como desde então o saquê se tornou popular nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, lado a lado com a explosão da culinária japonesa.

Gekkeikan Traditional é o saquê feito nos Estados Unidos, combinando as técnicas seculares da Gekkeikan com o arroz Calrose desenvolvido por agricultores imigrantes japoneses. Este arroz é facilmente encontrado em mercados nos E.U.A. (Foto fornecidas pela Gekkeikan)

A Gekkeikan Sake (USA), Inc., dos dias de hoje foi fundada em 1989 em Folsom, um subúrbio de Sacramento na Califórnia. No ano seguinte, ela virou a base norte-americana para a produção de saquê. A destilação feita em Folsom usa Calrose – um tipo de arroz que os imigrantes japoneses trouxeram do Japão para a Califórnia e que foi refinado com o tempo para melhor adaptação ao clima local. A Gekkeikan produz a marca Gekkeikan Traditional em Folsom, a qual é vendida em todo o mundo. A marca não existiria sem os esforços e a sabedoria dos imigrantes japoneses que desenvolveram o Calrose.

De fato, o arroz Calrose é parecido com o arroz Yamada Nishiki, considerado o melhor tipo de arroz para produzir saquê de alta qualidade. Tanto o Calrose quanto o Yamada Nishiki têm como base o arroz Tankan Watari Bune, originalmente cultivado por agricultores da Prefeitura de Shiga. Recentemente, o saquê feito à base do Tankan Watari Bune vem ficando cada vez mais popular no Japão.

Quando você estiver se divertindo tomando saquê com amigos e familiares no Ano Novo, dê uma paradinha para pensar na dedicação, sabedoria e esforços dos pioneiros que através dos tempos ajudaram a fazer do saquê o que ele é hoje.

Nota:

1. A indústria de fabricação de saquê (Associação de Fabricantes de Saquê & Shochu do Japão) proibiu o uso de ácido salicílico em 1969.

Referências: 
Site da Gekkeikan Sake Company, Ltd.
Site do portal do Sake Service Institute (SSI)
Site da Associação de Fabricantes de Saquê de Fushimi

* Fotos e informações fornecidas pela Gekkeikan Sake Company, Ltd., e pela Gekkeikan Sake (USA), Inc.

 

** Esse artigo foi originalmente escrito para a edição de Ano Novo 2019 do The North American Post em inglês e japonês e traduzido para o Descubra Nikkei.

 

© 2019 The North American Post

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About the Author

Editora-chefe do North American Post. Ela se formou em Economia na Sophia University em 2000 e trabalhou em marketing internacional. É residente de Seattle desde 2005. Após se dedicar à criação de dois filhos por alguns anos, em 2016 ela fez mestrado em Planejamento Urbano na Universidade de Washington e trabalha como editora-chefe do North American Post desde 2017. Seus assuntos favoritos incluem problemas urbanos e comunidades de imigrantes asiáticos.

Atualizado em março de 2018

 

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