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110 anos da Imigração Japonesa no Brasil: com a devolução da Escola Japonesa de Santos “a guerra acabou de verdade” e chega-se à coexistência pacífica superando a discriminação contra os estrangeiros - Parte 2

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“O êxodo dos imigrantes japoneses na América do Sul”

Arata Kami nasceu em Nogata-shi, província de Fukuoka, no dia 15 de março de 1922. Em 1933, quando contava 11 anos de idade, imigrou juntamente com os pais para o Brasil. Primeiro foram morar na Colônia Hirano, município de Cafelândia; mudaram-se depois para a Colônia Monte Alegre, perto de Bastos; ao término da guerra foram para Lins e depois para Santos, em 1956.

A Colônia Hirano, fundada em 1915, é uma das mais antigas comunidades japonesas. Pelo desconhecimento da malária, já no início da colonização mais de 70 pessoas morreram uma após outra no período de meio ano e a colônia ficou conhecida por essa tragédia. Se pensar bem, os colonos daquela época iam desbravando a mata virgem com espírito de atacar o inimigo sem temer pela vida. Tanto a região de Bastos como Lins eram lugares de grande concentração de japoneses.

Em dezembro de 1941, quando Kami estava com 19 anos de idade, ocorreu o ataque a Pearl Harbour. Um mês depois, os Estados Unidos realizaram no Rio de Janeiro a 3ª Conferência de Chanceleres das Américas com a participação de 10 países (incluindo o Brasil e com exceção da Argentina), a fim de discutir questões econômicas e diplomáticas com os países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão.

Logo após, tornou-se notável a forte pressão exercida sobre os imigrantes japoneses e, em janeiro de 1942 o governo anunciou a proibição do uso da língua japonesa em locais públicos, deslocamento sem portar salvo-conduto, mudança de residência e outros tratos e os locais em que residiam os imigrantes foram fixados com prego, desempenhando de fato o papel de locais de isolamento e campos de concentração.

Depois de janeiro de 1942, quando o Brasil ficou do lado dos países aliados, começou o ataque de submarinos alemães a navios mercantes brasileiros que se dirigiam aos Estados Unidos. Como contramedida o Brasil congelou os bens dos imigrantes provenientes dos países do Eixo e o DOPS passou a prender e torturar os líderes da comunidade nipo-brasileira por suspeita de espionagem.

Em maio de 1942 criou-se a Comissão Católica Japonesa de São Paulo com o objetivo de prestar assistência aos imigrantes presos, a qual cumpriu seu propósito secretamente na fase mais cruciante que a comunidade estava passando.

O fato de uma organização assim ter se estabelecido numa época em que mais de três japoneses não podiam se reunir em local público, deveu-se ao apoio dado pelo então arcebispo de São Paulo, Dom José Gaspar. Tendo a igreja católica por trás, mas invisível, foi possível dar suporte aos imigrantes que estavam presos levando-lhes suprimentos. O Brasil não só recebeu muitos imigrantes cristãos ocultos (nota da trad. descendentes dos cristãos que foram obrigados a esconder sua fé devido à perseguição do xogunato), assim como ajudou os imigrantes em geral desta maneira.

Devido aos constantes casos de torpedeamento de navios mercantes brasileiros e norte-americanos por submarinos alemães, no dia 8 de julho de 1943 o governo expediu ordem para os imigrantes provenientes dos países do Eixo deixar a região litorânea de Santos no prazo de 24 horas. Talvez pelo grande número, os imigrantes italianos não receberam essa ordem, mas 6.500 imigrantes japoneses e algumas centenas de alemães se desfizeram de tudo que haviam conquistado a duras penas e sob a ameaça de baionetas dos policiais tiveram que se deslocar para outro lugar.

Mulheres que nem puderam contatar o marido que estava trabalhando, grávidas e doentes tiveram que deslocar para outro lugar e houve um número considerável de pessoas que foram acometidas de doença mental. Foi nessa época que a escola japonesa foi confiscada. O jornalista Koichi Kishimoto denominou este episódio “o êxodo dos imigrantes japoneses na América do Sul”.

A perseguição aos imigrantes japoneses antes e durante a guerra deu origem aos conflitos entre kachigumi (vitoristas) e makegumi (derrotistas)

No documento que registra a atuação do “Kyusaikai” (órgão de assistência aos imigrantes perseguidos no período da guerra), na coluna de pessoas despejadas está escrito: “1942, 1.500 pessoas retiradas da rua Conde de Sarzedas”, “1943, 6.500 pessoas retiradas de Santos”. Desde que iniciou as atividades em 1942 (relações diplomáticas cortadas com o Japão) até o restabelecimento da diplomacia em 1952 com a chegada do embaixador japonês, o citado órgão cuidou de mais de 17 mil pessoas entre pobres, idosos, órfãos e doentes mentais.

Documento do “Kyusaikai”, órgão de assistência aos imigrantes japoneses perseguidos durante a Segunda Guerra Mundial. 1.500 pessoas evacuadas da rua Conde de Sarzedas (área de grande concentração de japoneses) em 1942; 6.500 pessoas retiradas à força de Santos em 1943

O trabalho de proteção aos cidadãos japoneses, atualmente a cargo da embaixada japonesa, estava sendo feito unicamente por essa entidade privada.

No histórico da assembleia geral de março de 1953 consta a seguinte descrição: “Começando com os loucos (Nota do editor=conforme termo usado na época), em São Paulo, nos hospitais de Juqueri e Pirituba estão internados 7 mil loucos, onde 700 são japoneses, isto é, 10% ”.

Em outras palavras, durante a situação opressiva em que se encontravam os imigrantes provenientes dos países do Eixo na ditadura Vargas, em julho de 1942 os diplomatas do Japão retornaram ao seu país no “navio de troca” e um grande número de imigrantes passou a sofrer transtornos mentais. Creio que foi esta a origem fundamental dos conflitos ocorridos entre os vitoristas e derrotistas logo após o término da guerra.

O Japão da época

Os imigrantes em sua grande maioria (90%) chegaram aqui com a intenção de trabalhar de cinco a dez anos, juntar dinheiro e retornar à pátria. Se o objetivo fosse a residência permanente, teriam de mandar os filhos à escola e fazer com que se adaptassem à nova terra. Mas para trabalhar e depois retornar à pátria, teria de ser à moda japonesa.

A ditadura Vargas causou forte impressão na opinião pública propagando a teoria de que os imigrantes japoneses eram o “perigo amarelo”, cidadãos de país inimigo. E os japoneses viveram alguns anos em meio às chacotas de brasileiros que os chamavam de “inimigos”.

Ao mesmo tempo, os japoneses sofriam com saudades da terra natal. Originários de regiões rurais, eles não estavam acostumados à vida em terras estrangeira e, de repente, souberam que não poderiam retornar ao Japão por mais de 10 anos. Assim, o forte desejo de voltar a viver no Japão atingiu o limite e um número considerável de pessoas adoeceu.

Mesmo nos dias de hoje, existem muitos residentes temporários e bolsistas que sofrem por não se adaptarem à vida estrangeira. Eu mesmo fiquei cerca de seis anos sem voltar ao Japão e quando fui para lá tudo me pareceu novidade: nas lojas de conveniência havia copiadoras que imprimiam a cores e terminais eletrônicos para sacar dinheiro, doces deliciosos – só de ver fiquei incrivelmente emocionado.

Evidente que durante a guerra nenhuma pessoa qualquer que seja seu estado mental teria a escolha de voltar à pátria. E quando as pessoas sofrem pressão e chacota, seu desejo é “Um dia quero devolver”, “Alguém tem de revidar”. Isto levou a imaginar que o exército japonês desembarcaria aqui no Brasil e puniria o governo brasileiro.

Por este motivo, o discurso que enaltece o Japão ao extremo – “o povo japonês é o melhor do mundo” – foi levado às cegas, dando origem ao forte sentimento de manter o autorrespeito. Foi este estado mental no qual se baseou o surgimento do kachigumi.

Além disso, em 1941, os jornais em língua japonesa foram proibidos de circular e as únicas informações eram obtidas ouvindo na surdina a “Tokyo Radio” (transmissão internacional em ondas curtas da NHK). Informações do quartel-general eram transmitidas continuamente todos os dias dando conta de que o Japão prosseguia vencendo.

Os jornais brasileiros publicavam notícias sobre a guerra recebidas via ocidente, ao que a maioria comentava: “Isto é propaganda dos países aliados. Na verdade o Japão é que está vencendo”. Por isso, mesmo com a rendição do Japão estampada nos jornais brasileiros em agosto de 1945 e a “Tokyo Radio” transmitindo o anúncio oficial, os imigrantes custaram a acreditar.

Para os imigrantes “Derrota do Japão = Fim do Japão = Extinção da Família Imperial” eram impressões muito fortes que criaram grandes problemas como “não ter mais lugar para ir” e “o plano de voltar à terra natal foi por água abaixo”.

Tiveram acesso a informações sobre a rendição do Japão, mas não estavam prontos para acreditar. A derrota na guerra era como se lhes tirassem a base onde estavam assentados, por isto, desejavam do fundo do coração que o Japão tivesse saído vencedor. Enfim, recuperando-se da dor da saudade, aos poucos foram se convencendo de que seu destino era morrer no Brasil, mas para isso foram necessários cerca de 10 anos.

Não suportando mais o ambiente insano em que estavam, tanto entre os vitoristas como entre os derrotistas surgiram pessoas “feridas” mostrando um comportamento radical. Culpá-las dizendo que foi simplesmente fanatismo, acho uma crueldade.

Na época, se o governo japonês tivesse condições de prestar ajuda, as pessoas que seriam mandadas de volta não teriam ficado aqui desamparadas. Mas havia a questão do repatriamento de um milhão de japoneses que tiveram de deixar a Manchúria devido à derrota do Japão, portanto, para o governo não havia essa disponibilidade...

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© 2018 Masayuki Fukasawa

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About the Author

Nasceu na cidade de Numazu, província de Shizuoka, no dia 22 de novembro de 1965. Veio pela primeira vez ao Brasil em 1992 e estagiou no Jornal Paulista. Em 1995, voltou uma vez ao Japão e trabalhou junto com brasileiros numa fábrica em Oizumi, província de Gunma. Essa experiência resultou no livro “Parallel World”, detentor do Prêmio de melhor livro não ficção no Concurso Literário da Editora Ushio, em 1999. No mesmo ano, regressou ao Brasil. A partir de 2001, ele trabalhou na Nikkey Shimbun e tornou-se editor-chefe em 2004. É editor-chefe do Diário Brasil Nippou desde 2022.

Atualizado em janeiro de 2022

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