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Diário da Paliçada Tule Lake: Uma História de Sobrevivência

Quarenta e cinco anos atrás, meu pai, Tatsuo Inouye, e eu nos sentamos na cozinha da família para transcrever seu Diário da Paliçada Tule Lake. Meus dois garotinhos, agora em seus cinquenta e poucos anos, dormiam no quarto dos fundos, enquanto fazíamos isso noite após noite em um quarto esfumaçado, até que eu tivesse um artigo para a minha aula na UCLA.

Não era apenas uma tarefa; era nossa história de família, nossa voz e nossa marca nos Estados Unidos.

Como sansei nascida no final do encarceramento, sou a primeira a dizer que não tenho memória dos campos de concentração. No entanto, nossa família falava do campo de concentração em detalhes e parecia ter muitos artefatos. Havia uma grande prancha de madeira que depois, muito tempo depois, aprendi que dizia, “Dai Ichi Dojo, Tule Lake”. Pisar no chão estaladiço no Tule Lake em novembro de 1970 foi emocionante. Foi onde nasci e sobrevivi. Foi o lugar onde adquiri uma longa cicatriz no pescoço por causa dos instrumentos médicos ou porque a atitude em relação aos japoneses eram ruins. Sou uma das sortudas, eu vivi para contar.

Durante as peregrinações, pude sentir o calor de Poston; o vento e a poeira de Manzanar e o frio congelante do Tule Lake impactaram-me profundamente. Dói pensar no sofrimento que minha família passou. Assim, a história que compartilho hoje é em homenagem a todos que sofreram injustiças não apenas durante a Segunda Guerra Mundial, mas que ocorrem até hoje no mundo todo.

Deixe-me começar do início. Tatsuo estava pronto para conquistar o mundo deixando para trás dois irmãos em Kumamoto, no Japão. O irmão mais velho, Tokio, já estava aqui há alguns anos, então o risco não seria muito grande. Ele estava cheio de ideais japoneses e otimismo americano, e seu mundo era sólido já que encontrou trabalho como entregador de gelo, ensinava o idioma japonês e judô. Ele ensinava aos garotos campesinos como se defender contra os valentões do ensino médio. Ele era alto em estatura e considerado com alta estima pela pequena comunidade em que vivia. Ele até se casou com a garota mais doce de Sugimoto, de sorriso radiante.

EO9066 mudou tudo. Ele teve que vender sua loja “mom and pop” na Rua Folsom em Boyle Heights e deixar sua casa nas mãos da família Gomez. Eles eram seus melhores clientes, que sempre pagavam suas contas. Eles continuaram esta prática, pagando o imposto sobre a propriedade para alugar. Ao contrário daqueles que queimaram itens japoneses; ele deixou judogis, livros e uma bandeira japonesa assinada por seus irmãos, no porão.

Os anos de guerra foram cheios de turbulência, com a remoção forçada para o leste de Lancaster para ir como uma família com os Sugimoto. Eles foram transportados para Poston, Arizona, juntamente com treze famílias de agricultores de alfafa trabalhando duro. Eles foram designados para o bloco 19. É poético que as tribos indígenas do rio Colorado estejam cultivando alfafa hoje. Ficar juntos era importante.

Sua nova vida no calor escaldante encontrava um ritmo finalmente quando ele começou a ensinar judô de novo. Ele não tinha ideia de que seria testado ainda mais. Ele era um faixa preta 4º grau bem respeitado que conduzia a prática em Poston e Tule Lake. Como ele era uma pessoa que nasceu nos Estados Unidos e educada no Japão, teve uma luta dolorosa com as infames questões de lealdade 27 e 28. Ele respondeu "não, neutro".

O que acontecerá?

Quando ele chegou ao Tule Lake, o diretor do projeto, Ray Best, reagiu exageradamente e ordenou que tanques e soldados usassem baionetas. Inouye com cerca de 1,80m de altura começou a prática de judô perto do bloco 42, onde havia espaço e uma luz fraca. O som estridente contra tapetes de palha e kiai devia ser assustador. Ele estava acostumado a ukemi ou a cair mil vezes. Ele mostrou aos outros presos como fazer goho ate para se exercitar. Com certeza, estava intimidando os guardas que sabiam pouco sobre as artes marciais.

Tatsuo Inouye está sentado na primeira fila no centro. Por volta de 1945. Cortesia da Universidade Estadual de Sacramento. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

As autoridades achavam que ele era perigoso, então ele foi preso depois de participar de uma reunião do comitê de negociação após o acidente com caminhões em outubro. Ele chegou no Tule Lake quando um terrível acidente com caminhões ocorreu, no qual cinco detentos ficaram feridos e um homem morreu, causando uma greve pedindo mais segurança. Tatsuo tinha 33 anos e foi trancado em 14 de novembro de 1943, enquanto minha mãe, Yuriko (Sugimoto), que tinha 27 anos, cuidava sozinha de duas crianças doentias com idades 4 e 7 anos no bloco 38, que era longe.

É hora de apreciar os Tuleans que entenderam que o protesto era necessário. O racista Doutor Pedicord impediu bons cuidados médicos no hospital, então muitos bebês morreram antes de nascerem. Ver as sepulturas dos bebês mortos atingiu-me com força. Eu me senti sortuda por estar viva. Assim, é minha obrigação contar a história.

Alimentos que eram cultivados pelos japoneses foram roubados por especuladores inescrupulosos, incluindo administradores do campo de concentração, que foram pegos presos na estrada de ferro com carne de porco. Não é surpresa que a violência e a agitação ocorressem. Os tanques militares apenas aceleravam a tensão.

Os Tuleans foram desprezados por sua própria comunidade até hoje. Estudar nossa história e ler o diário de Tatsuo podem mudar a sua percepção dos resistentes e seus sacrifícios. Sim, a paliçada estava cheia de resistentes, mas dentro havia um homem que foi obrigado a contar a história para sabermos.

Embora meus pais e irmãs tenham partido, sinto seu poder. Eu os ouço sussurrar em meu ouvido para não temer dificuldades, defender aquilo em que acredito e manter os descendentes juntos. Hoje, sou a voz deles.

Agora que o diário da Paliçada Tule Lake está avançando com a força do vento, poeira, o frio amargo sentido em Tule e o calor escaldante de Poston, não há como dizer quais lições possam ser aprendidas do diário de um homem.

 

* Trechos do diário original, que Tatsuo Inouye manteve enquanto estava preso na paliçada do Centro de Segregação do Tule Lake, podem ser encontrados em Tule Lake Stockade Diary no site do Projeto Suyama UCLA .

 

© 2018 Nancy Kyoko Oda

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Sobre esta série

As histórias da série Crônicas Nikkeis vêm explorando diversas maneiras pelas quais os nikkeis expressam a sua cultura única, seja através da culinária, do idioma, da família, ou das tradições. Desta vez estamos nos aprofundando ainda mais—até chegarmos às nossas raízes!

Aceitamos o envio de histórias de maio a setembro de 2018. Todas as 35 histórias (22 em inglês, 1 em japonês, 8 em espanhol, e 4 em português) foram recebidas da Argentina, Brasil, Canadá, Cuba, Japão, México, Peru e Estados Unidos. 

Nesta série, pedimos à nossa comunidade Nima-kai para votar nas suas histórias favoritas e ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas favoritas. No total, cinco histórias favoritas foram selecionadas.

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas.

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  Escolha do Nima-kai:

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About the Author

Nancy Kyoko Oda nasceu no Centro de Segregação do Lago Tule. Ela é diretora aposentada da escola primária, Centro Comunitário Nipo-Americano de San Fernando Valley e Presidente da Liga da Estação de Detenção de Tuna Canyon. O Diário da Paliçada Lago Tule está no site do Projeto UCLA Suyama.

Atualizado em junho de 2018

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