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O sonho olímpico em Tóquio que um grupo de jovens nisseis fez tornar realidade

“A gente se perguntava, ‘Como é que pode? As Olimpíadas vão ser em Tóquio e nenhum nissei vai?”

Quem falaé Luis Toyama, ex-presidente da Associação Universitária Nissei do Peru (AUNP), uma organização criada em 1961 por estudantes universitários filhos de japoneses. Entre outras iniciativas, a AUNP realizou atividades de cunho culturalcom o intuito de promover a aproximação entre o Peru e o Japão, além de diversostrabalhos sociaispara ajudar pessoas carentes.

Com a palavra “nós”,ele está se referindo aos membros da AUNP, enquanto que “Olimpíadas” se refere aos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964.

Os jovens nisseis não conseguiam entendercomo queos Jogos Olímpicos poderiam ser realizados na terra dos seus antepassados ​​sem nenhum atleta peruano de sangue japonês competindo neles.

Teófilo Toda (fonte: revista Superación)

“Que atleta nissei se destaca?” eles se perguntavam. A resposta: o ciclista Teófilo Toda, multicampeão nacional.

“A nossa ideia era a seguinte: as Olimpíadas vão ser realizadas no Japão e alguém da comunidade japonesa no Peru tem que ir. E para a gente, Toda era o símbolo”, lembra Luis Toyama.

De acordo com a Federação de Ciclismo, Toda havia se qualificado para representar o Peru em Tóquio em 1964, mas tinha um problema: o Comitê Olímpico peruano disse que não havia alocado recursos para financiar a participação de um ciclista nos Jogos Olímpicos.

A escassez de dinheiro, no entanto, não enfraqueceu a convicção dos jovens da AUNP de que Tóquio 1964 deveria ter um representante peruano de origem japonesa. Se faltava grana, então era precisoconseguí-la.

Luis Toyama destaca o trabalho do então secretário de esportes da AUNP, Carlos Tsuboyama, que propôs a iniciativa de apoio a Toda, obteve a aprovação do conselho administrativo da associação e liderou a campanha para arrecadar fundos.

O AUNP organizou várias atividades para obter recursos e contou com o apoio [do clube] Associação do Estádio La Unión, onde foram realizados os eventos para a arrecadação de fundos,como também do jornal Peru Shimpo,que ajudou a difundir a campanha; da agência de viagens Farr Tours, que fez uma contribuiçãosubstancial; do clube Cachorros (ao qual Toda pertencia); e dos clubes da comunidade nipo-peruana, como o Unión Pacífico, Awase, Nisei Callao e Hinode.

A campanha foi um sucesso e arrecadou a quantia suficiente para financiar a estada do ciclista em Tóquio.

 

PERUANO ATÉ A ALMA

Boletim da AUNP: A capa do boletim informativo da AUNP em agosto de 1964 destaca a figura de Teófilo Toda.  

Dois meses antes dos Jogos Olímpicos em Tóquio, o boletim informativo da AUNP publicou uma entrevista com Teófilo Toda, que havia sido colocado na capa e destacado como campeão. Como observa Luis Toyama, para a comunidade nipo-peruana ele era um símbolo.

Para certificar este fato, basta você dar uma olhada em algumas publicações da época. Em 1958, a revista El Nisei enfatizou que Toda, “vencedor ou vencido, sempre demonstrou claramente as suas extraordinárias condições como bravo e valente ciclista”.

Por sua vez, em 1960, a revista Superaciónafirmou: “Quando se fala de esporte, a gente é obrigado a mencionar Teófilo Toda. Nos anais do ciclismo, ele já escreveu páginas gloriosas”.

Na entrevista com a AUNP, o ciclista revelou detalhes da sua vida. Ele disse, por exemplo, que andou de bicicleta pela primeira vez aos sete anos, e fez menção a Lázaro Shiohama, membro do clube Unión Pacífico, como a pessoa a quem devia a sua incursão no ciclismo como esporte. “Ele sempre me emprestava a sua bicicleta de corrida”, disse Toda.

Toda também declarou publicamenteo seu interesse em outro esporte: o futebol. Ele poderia até ter virado jogador. “Eu joguei futebol no time infantil do Centro Iqueño e mais tarde no Unión Pacífico, logo nos primeiros anos do Estádio La Unión”.

Para o ciclista, o simples fato de poder competir nos Jogos Olímpicos, mais do que os resultados, já era uma meta esportiva alcançada, “graças à iniciativa da AUNP, a qual agradeço por seu gesto tão nobre com respeito à minha pessoa e que eu acho que não merecia”.

Teófilo Toda (fonte: Internet)

O entrevistador, Carlos Tsuboyama, o mesmo que promoveu a campanha, elogiou a figura do atleta:

“A AUNP, como sempre, dá a sua ajuda material ou espiritual a quem merece. E no seu caso, não só porque você é um atleta nissei, mas também porque você é um exemplo perfeito de “esportista cavalheiro” e porque você é peruano até a alma, como você mesmo declarou há dez anos num dos jornais locais: “Eu sou peruano, senhor. Na escola eu aprendi a venerar [os personagens históricos militares Miguel] Grau e [Francisco] Bolognesi, como qualquer outro garoto nascido no meu país. Eu sou peruano e amo a minha pátriacomo todos os meus compatriotas. O hino nacional é o meu hino”.

As declarações de Toda citadas por Tsuboyama não vieram do nada. Por que o ciclista, nascido em 1935 na cidade de Huacho, na província de de Lima, teve que reafirmar a sua condição de peruano, como se o seu apego ao Peru tivesse sido questionado?

Para compreender as suas palavras, precisamos retornar a 1954. Teófilo Toda havia conquistado o direito de representar o Peru num torneio sul-americano a ser realizado no Uruguai. O jovem nisseiestava com todos os seus documentos em ordem, mas na véspera da viagem à competição internacional, as autoridades peruanas se recusaram a lhe dar um passaporte. Ele não pôde viajar.

Nunca teve uma explicação oficial paraesta rejeição, revela o livro El futuro era el Perú [“O Futuro Era o Peru”], do jornalista Alejandro Sakuda. No entanto, o verdadeiro motivo era óbvio. O então presidente do Peru, Manuel Odría, discriminava contra os japoneses e seus descendentes.

Apesar desta decisão injusta o ter impedido de competir no Uruguai, Toda recebeu o carinho popular e o apoio de jornais como Última Hora, que se manifestou de forma categórica contra a discriminação: “Como se poderia justificar o ato de negar a um peruano, filho de japoneses, os direitos da nossa nacionalidade? Julgamos, apenas à luz do bom senso, que ele é contrário à nobreza, à dignidade e à própria essência do caráter humano”.

Foi neste contexto, quando o governo lhe negou o direito de defender a camisa do país onde havia nascido, que Toda declarou: “eu sou peruano e amo a minha pátriacomo todos os meus compatriotas”.

 

UM NIKKEI EM TÓQUIO EM 2020?

Teófilo Toda (fonte: Diario Extra)
Teófilo Toda se aposentou em 1965. Em 14 de setembro daquele ano, em um artigo de duas páginas, o jornal Diario Extra observou que com a aposentadoria de Toda depois de 16 anos de carreira “haviam sido escritas as últimas linhas de uma brilhante página do ciclismo nacional”.

“O ciclistanisseiabandona as pistas, mas coberto de glória”, afirmoueste jornal de circulação nacional.

Na entrevista com o Extra, Toda se referiu à sua participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio. “Foi uma experiência maravilhosa que nunca vou conseguir esquecer”, disse ele, além de salientar que, graças ao esporte, teve a oportunidade de conhecer a terra dos pais. Apesar de não ter alcançado o pódio em Tóquio, somente o fato de ter chegado lá foi uma conquista.

Cinquenta e seis anos depois, a capital do Japão irá mais uma vez sediar os Jogos Olímpicos. Luis Toyama se pergunta se em Tóquio 2020, como em 1964, haverá um atleta nikkei competindo na terra dos seus antepassados. Apesar dos tempos serembem diferentes, ele não pode deixar de imaginar como seria hoje a coleta de fundos para financiar um sonho, como aquele que eles, graças ao seu ativismo, tornaram realidade há mais de meio século.

 

© 2018 Enrique Higa

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About the Author

Enrique Higa é peruano sansei (da terceira geração, ou neto de japoneses), jornalista e correspondente em Lima da International Press, semanário publicado em espanhol no Japão.

Atualizado em agosto de 2009

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