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Sandra Nakamura: Seu Espaço, Sua Linguagem

Sandra Nakamura mora no Peru, tendo residido nos Estados Unidos, Alemanha e Japão. Crédito: Javier García Wong Kit

 

As manifestações artísticas poderiam ser divididas pelo mesmo número de artistas que existem. Cada talento parece construir um universo próprio de técnicas, métodos e significados para a sua obra. A de Sandra Nakamura Lam (Lima, 1981) é tão particular que nela são misturadas a pesquisa histórica, o design espacial, a definição de conceitos e os aspectos sociais.

Isso tem muito a ver com o treinamento profissional (arquitetura) que Sandra resolveu abandonar quando descobriu que o seu trabalho, ao invés de funcional, deveria ser criativo, em parte seguindo a motivação que as artes sempre lhe deram. “Ser artista, mais do que uma profissão, é uma vocação”, ela diz depois de mais de 10 anos dedicados a criar uma obra que procura não “compartimentar”– apesar do seu trabalho consistir de instalações.

Retirar a arte da pintura, da argila, ou do papel para levá-la ao espaço geográfico foi a sua primeira revelação como criadora; na época, ela havia viajado a San Diego para estudar na Universidade da Califórnia, se especializando em cinema, vídeos e fotografia. Mais tarde, ela continuoua sua educação na Alemanha, na Bauhaus Universität de Weimar, onde cursou o mestrado em Arte de Espaços Públicos.


Fora do seu espaço

Ela diz que morava longe dos centros urbanos alemães, residindo na cidade que havia acolhido Goethe e Schiller, Bach e Franz Liszt, como também Nietzsche. Ela havia ganho uma bolsa de estudos que lhe permitiu passar um ano lá, durante o qual elase aprofundou nos seus estudos teóricos. “Muitos artistas que se formamnesse ramo, trabalham mais no lado plástico dos materiais. Eu os escolho de acordo com o projeto que tenho em mente”.

O fato de ter passado quase toda a sua vida profissional fora do Peru trouxe resultados específicos no trabalho da Sandra. “Quando voltei, não conhecia ninguém da cena local; isso poderia ser uma desvantagem”, ela diz. Por sorte, uma galerista, Frances Wu, ouviu falar do seu trabalho e, desde 2010, as duas vêm trabalhando juntas, viajando para feiras de artes com exposições que já passaram pelo Equador, Colômbia, México, Estados Unidos, Espanha, Japão, Hong Kong e outros países.

Seu primeiro trabalho exibido no Peru teve lugar graças ao programa “Passaporte para um Artista”, o qual havia sidoorganizado pela Embaixada da França no Peru e pela Aliança Francesa de Lima. Em 2007, ela foi escolhida para realizar uma intervenção que envolviaretirar a palavra “Cine” do letreiro do velho cinema Tauro (quando havia deixado de funcionar como tal) para colocá-lo numa sala ao lado de um pequenovisor de slides que continha uma fotografia da fachada do local após a intervenção.

A linguagem das dimensões

Apreciar um objeto fora do seu lugar é parte da filosofia das instalações e intervenções, uma arte cultivada por outros artistas que inspiraram Sandra Nakamura, tais como Gordon Matta-Clark, Unka Wara e Yoko Ono. Um ano antes, em Huesca, na Espanha, ela já havia realizado uma intervenção chamada “Um metro quadrado em algum canto do mundo”, a qual consistia em colocar 150 mil moedas de um centavo (equivalentes a 1.500 euros) cobrindo 35 metros quadrados de uma sala do Centro Cultural El Matadero.

Estas representavam o tamanho do menor compartimento daquela cidade; com este trabalho, ela procurou refletir sobre o significado da migração, propriedade e habitação. “Coloquei anúncios nos jornais para comprar um metro quadrado de terra. No final, não cheguei a comprar, mas peguei mais de um metro quadrado de uma passarela de pedestres no centro da cidade e a cobri com moedas de um centavo. Era a minha maneira de calcular quanto custava”.

A ação também poderia ser vista como uma oferta atravésda qual ela comprava simbolicamente aquele espaço.“C'est pas le Pérou” (“Não é grande coisa”; lit., “Não é o Peru”), exibido na galeria Wu, em Barranco em 2010, teve um significado parecido. Para repensar o valor dado às coisas, elautilizou 200 mil moedas de um centavo. Cada centavo representava um milhão de dólares que pagam em impostos os trabalhadores não documentados da América Latina que vivem nos Estados Unidos.

A política da arte

Sandra esclarece que o seu objetivo não é fazer arte com um compromisso político, e sim com uma visão social, capaz de refletir e questionar. Isso a levou a aprofundar o seu conhecimento da realidade e a dar um novo significado ao espaço e ao conceito da arte. Em 2014, um dos seus trabalhos foi montar um letreiro parecido com o de Hollywood, em Los Angeles, na Villa María del Triunfo, um bairro de Limanos arredores da cidade, onde nem todas as residências têm água encanada.

A mensagem “Uma promessa é uma nuvem” foi feita com um material especial que ajuda a “capturar”a neblina para coletar água. “Foi uma ótima experiência porque nos organizamos comouma comunidade; nós financiamos a produção e eles forneceram a força de trabalho”. Em 2016, outro trabalho delalidou com o significado da natureza (a geografia) e sua relação com a sociedade. A planície de sal de Uyuni, na Bolívia, foi razão pararefletir sobre a ausência do mar naquele país e os conflitos que isso gera.

“Colorless to White” [“Incolor para Branco”] é uma estrutura de sal construída como uma parede sinuosa que gerou uma série de desenhos da artista que acompanham esta instalação refletida num painel de acrílico representando um espelho d’água, e que foi exibida em Miami, na Cisneros Fontanals Art Foundation, como parte do programa de bolsas de estudo que procura dar visibilidade à arte latino-americana nos circuitos internacionais da criação contemporânea.

“Colorless to white” (2016)
Sal
Cisneros Fontanals Art Foundation – Foto por Oriol Tarridas


Origem oriental

Este ano, o trabalho de Sandra Nakamura retornará aos Estados Unidos, quando ela for participar da exposição Fronteiras Transpacíficas: a arte da diáspora japonesa em Lima, Los Angeles, Cidade do México e São Paulo, onde treze artistas de renome dessas cidades apresentarão diversas exposições, do tradicional ao experimental, mostrando como a história, a pátria, as comunidades étnicas, a mistura racial e o cosmopolitismo contribuem para a criatividade e para a estética das culturas híbridas como a nikkei.

Esta exposição faz parte da “Pacific Standard Time: LA/LA”, uma exploração da arte latino-americana em diálogo com Los Angeles, e que será realizada entre setembro de 2017 e janeiro de 2018 em mais de 70 entidades culturais no sul da Califórnia, incluindo o Museu Nacional JaponêsAmericano.

“Eu acho que essa relação com o japonês, de alguma forma, se manifesta em mim no trato dos materiais. Eu, por exemplo, uso muitíssimo o branco, a questão monocromática, mais minimalista. Não sei se são coisas que eu aprendi quando estava no Japão ou que aprendi na minha casa, dos meus avós, de como as suas casas e espaços eram organizados”.

Em 2008, Sandra foi artista residente em Kitakyushu, uma cidade na ilha de Kyushu, na prefeitura de Fukuoka, onde passou dez meses. “Eu acho que uma boa parte do meu trabalho tem a ver com as minhas experiências viajando. E da experiência de me sentir levemente deslocada, mas de forma constante. Nunca fui completamente peruana; fui estudar nos Estados Unidos aos 17 anos. Depois fui para a Alemanha e para o Japão, sempre sem conhecer o idioma”.

De certa forma, a sua linguagem tem sido a arte, o código com o qual pode construir o seu espaçopróprio. Para uma criadora cujos avós eram imigrantes, do Japão e da China, investigar o espaço como ela faz, com um zelo histórico, com o desejo delhe dar sentido e uma maior carga expressiva, a linguagem do espaço parece ainda conter numerosas outras mensagens. “A arte deve ajudar a mudar a maneira de ver o mundo”, afirma Sandra.

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Fronteiras Transpacíficas: a arte da diáspora japonesa em Lima, Los Angeles, Cidade do México e São Paulo
17 de setembro de 2017 - 25 de fevereiro de 2018
Japanese American National Museum, Los Angeles, Califórnia

Essa exposição examinará as experiências de artistas de ancestralidade japonesa que nasceram, cresceram ou vivem na América Latina ou em bairros predominantemente latino-americanos no sul da Califórnia. Sandra Nakamura é uma das artistas de destaque nessa exposição.

Para mais informações >>

 

© 2017 Javier García Wong-Kit

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About the Author

Javier García Wong-Kit é jornalista, professor e diretor da revista Otros Tiempos. Autor de Tentaciones narrativas (Redactum, 2014) e De mis cuarenta (ebook, 2021), ele escreve para a Kaikan, a revista da Associação Peruana Japonesa.

Atualizado em abril de 2022

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