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Quem é o Nikkeijin?

7ª Convenção dos Nikkeis e Japoneses no Exterior (1966). Cortesia da Associação dos Nikkeis e Japoneses no Exterior.

 

Ao usar a palavra nikkeijin, de quem estamos falando? Não é fácil responder. Nos dias de hoje, nikkeijin é o imigrante japonês que estabeleceu residência em outro país, definição esta que se estende aos seus descendentes também. Examinando, porém, a definição dada no passado, vemos que seu significado foi sofrendo uma grande mudança com o passar do tempo. Também há que se considerar a consciência dos próprios imigrantes. Independente da definição estabelecida e conforme as pessoas que utilizam este termo, o seu significado é diferente. Assim, o assunto não segue seu curso normal. É grande o número de isseis, ou seja, imigrantes, que acham que são japoneses e entendem que as gerações posteriores que nasceram na nova terra é que são nikkeijin. Em outras palavras, eles próprios não se incluem na definição de nikkeijin – e são muitos os casos. Mas, quando se pergunta o número de nikkeijin, na maioria das vezes esse cálculo é feito incluindo os isseis, portanto, sob esse aspecto há uma contradição.

Desde quando, então, a palavra nikkeijin passou a ser empregada? Segundo os registros encontrados, isto se deu no pós-guerra. Uma publicação norte-americana intitulada “Nyuyoku Binran” (Manual de New York) da empresa Hokubei Shimposha, de 1948, ou da empresa brasileira Gráfica Brasileira com o título de “Imin 40 nenshi” (História dos 40 anos da Imigração), de 1949 – foi aqui que a palavra apareceu provavelmente pela primeira vez em material impresso. A palavra nikkei apareceu escrita na publicação norte-americana “Nikkei Shimin” (Cidadão nikkei) da Hokubei Jijisha, Hokubei Nenkan de 1928 e no Brasil em “Nikkei Hakujin” (Brasileiro nikkei) da Burajiru Jihosha, Burajiru Nenkan de 1933, no anuário de jornais em língua japonesa.

Mas o termo nikkeijin não era corrente nas publicações em épocas anteriores à guerra. A partir da década de 1950, o termo passou a ser largamente usado na comunidade nikkei radicada no exterior: “Nikkei Jinko” (Jornal Paulista, Paulista Nenkan, 1950) sobre a população nikkei; “Nikkeijin Jinko” (Yamamoto Kiyoshi, Tsukada Tameyo. Burajiru no Nikkeijin Jinko Suikei,1957) estimativa da população de nikkeijin no Brasil;  “Nikkeijin Jushoroku” (Kido Saburo, Zembei Nikkeijin Jushoroku,1959, o livro de endereços de nikkeijin nos Estados Unidos;  Portland Chapter JACL, Po-torando Chiho Nikkeijin Jushoroku,1967, o livro de endereços de nikkeijin da região de Portland; “Nikkeijinkai”(Shiatoru Nikkeijinkai, Nikkeijin Soritsu 10 shunen kinencho,1960), livro comemorativo do 10º aniversário de fundação da Associação Nikkeijin de Seattle.

Vejamos agora como foi no Japão. A partir de 1957, o país passou a sediar o “Kaigai Nikkeijin Taikai” e expressões como “nikkeijin dantai” (associação de nikkeijin) e “nikkeijin shakai” (sociedade/comunidade de nikkeijin) se tornaram conhecidas. Por outro lado, na publicação do Ministério das Relações Exteriores “Kaigai Zairyu Houjinsu Chousa Toukei” (estatística sobre os japoneses residentes no exterior), de “Japoneses que não têm cidadania japonesa” (1968) até “Esse limite não está definido” e “No caso de apenas um dos pais ser japonês, esse filho ser considerado nikkeijin é um problema” (1986), a definição ora é uma ora é outra.

Livro de endereços dos Nikkeijin de Portland (Cortesia da JICA Yokohama, Museu de Migração além-mar).                                              

Mesmo que a palavra nikkeijin passe a ser de uso geral, seu significado não é unânime. Além disso, há que se considerar o significado que adquire conforme seu uso. Um desses indícios é a tradução para língua estrangeira. Por exemplo, na publicação citada anteriormente “Po-torando Chiho Nikkeijin Jushoroku” (1967), em inglês ficou Greater Portland Area Japanese Directory, portanto, nikkeijin ficou sendo Japanese (japonês/japoneses). E na tradução de “Kaigai Nikkeijin Taikai”, Kaigai Nikkeijin ficou sendo Japanese Abroad (1966) (japoneses no exterior), mas depois mudou para Nikkei and Japanese Abroad (nikkeis e japoneses residentes no exterior). Nestes casos também não fica claro o significado de Nikkei.

Certamente, na passagem da geração dos isseis para a dos nisseis e sanseis, o significado de Japanese (japonês)precisou mudar dependendo da situação. Deixou de indicar apenas a nacionalidade e, o que era lógico para os isseis mudou, conforme as gerações posteriores e a palavra Japanese (japonês) adquiriu diferentes sentidos.

Na publicação do Ministério das Relações Exteriores do Japão acima citada, no item “Definição de Nikkeijin”, em 1982 tem-se que “No caso de apenas um dos pais ser japonês, esse filho ser considerado nikkeijin é um problema”, mas não define se filho de casamento interétnico é considerado nikkeijin e a questão fica arquivada. Mas entrando no século 21, em 2002, a definição de “pessoa que tem sangue japonês” mudou, independente de ser filho de casamento interétnico (“Kaigai Zairyu Houjinsu Chousa Toukei”).

Sob outro ponto de vista, o que causou uma mudança profunda foi o aumento progressivo de casamentos interétnicos. Hoje em dia, tanto no Canadá e Estados Unidos como no Brasil, a população de descendentes de japonês com outra(s) etnia(s) é maioria, portanto, a existência de nikkeijin mestiço é fato. Mesmo no Japão é amplamente conhecido o grande número de atletas que representam o país em competições de atletismo e judô e que são nikkeijin descendentes de japonês com outra etnia. Assim, nos dias de hoje é muito pequeno o número de pessoas que questionam se mestiços podem ser considerados nikkeijin. No entanto, no concurso Miss Mundo 2015, a escolha de Eliana Miyamoto para representar o Japão levantou a discussão sobre sua nacionalidade japonesa, sendo filha de mãe japonesa e pai afro-americano. Mesmo nos dias de hoje, existem pessoas que não acham que o mestiço é japonês ou nikkeijin.

Mais um ponto de vista importante é que nikkeijin é uma definição do ponto de vista japonês e que, atualmente, nem sempre desperta atenção por parte de quem é nikkeijin. Quer dizer, existem pessoas que não demonstram interesse e até negam se forem chamadas de nikkeijin. Não se trata de ser bom ou ruim e também não é algo que se impõe. A não menos famosa artista brasileira Sabrina Sato conhecida como a “Japa do samba” tem sangue japonês e é inegavelmente uma nikkeijin segundo a definição japonesa. Não sei se ela própria tem consciência disso, mas certa professora universitária nikkei diz: “Sabrina não é nikkei de jeito algum”. E ela justifica dizendo que Sabrina não faz parte de comunidade nikkei. Nesse sentido, o debate que aconteceu nos congressos Nikkei 2000 e COPANI 2001 sobre a definição de nikkeié profundamente significativo. Diferente de nikkeijin, essa definição não leva em conta a ascendência, mas enfatiza a consciência individual. (Maiores informações em “Kaigai Iju to Imin – Houjin – Nikkeijin”, Diáspora do Leste da Ásia, edição de Chen Tien-shi, Kobayashi Tomoko, 2011.

Afinal de contas, a definição existe para ajudar na compreensão e não existe o certo ou errado. Ela reflete o interesse das pessoas envolvidas no assunto e a época em que viveram e, com o passar dos anos e a mudança de ambiente, essa definição vem sendo usada até chegar o tempo em que não terá mais significado. A definição de nikkeijin ficará para trás e ao que tudo parece dará lugar a um novo nikkei. Atualmente, mesmo fazendo uma subestimativa, supõe-se que o número de pessoas que possam ser chamadas de nikkeijin é de 3 milhões. Porém, sem dúvida, mais da metade ou dois terços ou mais ainda são pessoas que não têm consciência de que são nikkeijin. Então esse número – 3 milhões – é totalmente inconsistente, além de não se saber o número correto. Por outro lado, embora em pequeno número, existem pessoas que demonstram forte empatia pelo termo nikkei e estão descobrindo esse significado. Não é algo imposto e sim a busca da própria identidade. A existência de pessoas assim e as atividades que exercem são notáveis e tendem a expandir-se. Certamente, num futuro próximo, as pessoas para quem tanto faz ser nikkeijin vão diminuir e desaparecer. E aqueles que têm consciência de sua identidade nikkei? Esses, eu acho que têm futuro. Será que só eu penso desta forma?

 

© 2017 Shigeru Kojima

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About the Author

Nasceu em Sanjo, província de Niigata, Japão. Graduou-se na Universidade Sophia. Após concluir o curso de pós-graduação em História Social do setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, foi conferencista na Universidade Gakugei de Tóquio, colaborou para o estabelecimento do Museu de Migração Japonesa Além-Mar da JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) em Yokohama. Pesquisador Visitante Especial sobre Centro de Pesquisa Avançada em Ciências Humanas da Universidade Waseda. Historiador e pesquisador sobre Imigração.

Principais obras: “O futuro da comunidade Nikkei e o Matsuri” (tradução literal), edição de Iwao Yamamoto e outros, A cultura Nikkei nas Américas do Norte e Sul, editora Jimbun Shoin, 2007; “Estudando o Nikkei residente no Japão através da história dos imigrantes japoneses – Aspectos do centenário da imigração japonesa no Brasil e o Nikkei (tradução literal) em Asia Yugaku 117, editora Bensei, 2008; “A migração além-mar e o imigrante – o japonês – o Nikkei” (tradução literal), supervisão de Hiroshi Komai em Diáspora do Leste da Ásia, Akashi Shoten, 2011.

Atualizado em abril de 2021

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