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Brasileira por adoção – Japonesa de coração

Após apresentação de dança em bairro carente (Foto: Arquivo pessoal de Marina Tsutsui)

Minha mãe é nikkei brasileira, meu pai é cidadão japonês e eu nasci no Japão, onde fiquei até nove anos de idade.

Em casa, meus pais falavam somente em japonês comigo. Eu frequentava a escola japonesa, como qualquer outra criança japonesa. Estudei desde o hoikuen (jardim de infância) até o 4º ano do shogakko (escola fundamental). Na época, as únicas palavras em português que eu sabia eram “água” e “obrigado”. Não lembro em que situações eu usava estas duas palavras.

O único contato que eu tinha com pessoas do Brasil era quando minha mãe e eu íamos para a igreja, que era uma igreja evangélica brasileira. Lá todos conversavam em português, inclusive a minha mãe, mas eu sempre ficava junto com as crianças, que aprendiam japonês na escola como eu e sabiam mais do que os pais. Por isso que eu conseguia me comunicar com elas.

Era lá na igreja que eu experimentei pela primeira vez comidas brasileiras como arroz e feijão, frango assado, coxinha e estrogonofe – que até hoje é um dos meus pratos favoritos. E também foi na igreja que nasceu a minha paixão pela dança, que se mantém até hoje.

Eu já tinha vindo para o Brasil duas vezes, quando eu era bebê e quando eu tinha seis anos, mas fiquei pouco tempo. Então aos nove anos de idade eu vim e fiquei. Sempre acompanhando a minha mãe.

No caminho do aeroporto para a casa de minha tia em São Paulo, passando ao lado do rio Tietê, fiquei assustada: Nante kitanai kawa nandaroo! (Nossa! Mas que rio sujo!) E ao sentir que o carro balançava muito, falei para minha mãe: Sugoku dekobokona michi da nee?! (Que caminho cheio de buracos, não?).

Na casa de minha tia, ninguém falava japonês, era só português. Então, eu não entendia e toda vez perguntava para minha mãe: Nani? Nani? Nani itteruno? Wakaranai! (Que que é? Que que estão falando? Eu não estou entendendo!). Por isso, até hoje meus primos brincam comigo falando: Nani? Nani?

Cheguei aqui em outubro de 2004 sem saber nada de português, mas comecei a assistir aos desenhos animados na televisão e prestava atenção no que meus tios e primos falavam e, assim, no meio do ano de 2005, entrei na 4ª série de uma escola municipal, já sabendo algumas palavras em português.

Cursei o ensino fundamental e o médio tudo em escola pública e nunca tive dificuldade para me comunicar com os colegas de classe nem com os professores. Na época, era incomum ter alunos vindos do exterior, então, todos ficam curiosos, por exemplo, para saber:

- Como que se escreve Gabriel em japonês? Como que é Julia? Etc, etc.

Graças a Deus, não me lembro de ter sofrido bullying ou qualquer outro tipo de discriminação. Sempre tive as melhores notas da classe e fui bem tratada por todos.

Hoje eu sou grata a minha mãe, que sempre esteve comigo, me apoiando, me incentivando e querendo o meu bem. Toda vez que eu vou a algum lugar, ela me diz Kio tsukete ne!.

Como disse antes, no Japão eu frequentava uma igreja brasileira, onde todos falavam em português e aqui no Brasil eu frequento uma igreja fundada por japoneses, onde a grande maioria dos membros é descendente de japoneses, mas nem todos sabem japonês. Muitas vezes me perguntam: “Como se fala Jesus em japonês?” ou me pedem para orar em japonês.

Atualmente, na igreja faço parte do grupo Hikari, um grupo rede do King’s Kids, onde danço e sou uma das responsáveis pela coreografia e também participo da equipe do culto infantil.

Apresentação de dança do grupo Hikari (Foto: Arquivo pessoal de Marina Tsutsui)

Hoje, passados 12 anos, a língua que eu falo em casa é o português e posso dizer que estou destreinada em japonês. Mas existem palavras japonesas que eu continuo falando como: Itadakimasu, Gochisosama, Gomen, Arigato, Daijobu, Hayaku-Hayaku, Itai!, Oishii!, Takai!, Toire, Gohan, Natto, Shoyu e outras.

E, mesmo em conversa com os brasileiros não descendentes, eu sempre costumo responder: Hai. É Hai! pra tudo.

Quando criança, as pessoas aqui no Brasil me perguntavam se eu pensava em japonês ou português. E eu dizia que era em japonês. Agora que sou adulta, penso somente em português. Mas, às vezes, eu esqueço a palavra em português e só me vêm à cabeça em japonês.

Uma coisa engraçada que eu noto é que os brasileiros em geral têm o costume de falar palavras japonesas sem motivo ou para chamar a atenção. Outro dia, estava andando na rua quando um homem parado na porta de um comércio falou para mim: Sayonara!

Eu tenho saudades do Japão e sinto falta de muitas coisas que só tem lá. Um dia eu sonho em voltar, não sei se para morar ou apenas passear. Quando chegar lá, eu imagino que não vou encontrar tanta dificuldade em me comunicar, mas se for para trabalhar, vou precisar estudar mais.

A minha família fala que eu fiquei abrasileirada, pois perdi a timidez e me tornei uma pessoa mais animada e comunicativa.

Eu também acho que fiquei com esse lado brasileiro, mas sinto que, mesmo morando aqui mais tempo do que no Japão, ainda me sinto uma japonesa e o Japão continua forte no meu coração.

 

* * * * *

O nosso Comitê Editorial escolheu este artigo como um dos seus relatos favoritos da série Nikkei-go. Segue comentário.

Comentário de Yoshiyuki Asahi:

Nesta oportunidade, foram três artigos na língua japonesa que me foram apresentados para apreciação. Cada um deles relata de maneira cuidadosa e de fácil compreensão a vida dentro da sociedade nikkei. Através dessa leitura foi possível conhecer as diversas questões que tiveram de enfrentar até agora, cada um no seu dia a dia. Todas as três crônicas possuem conteúdos maravilhosos.

A minha escolha recaiu sobre o artigo ”Brasileira por adoção – Japonesa de coração” de Marina Tsutsui. Numa linguagem clara, Marina conta a sua própria história de vida, desde seu nascimento no Japão até sua chegada ao Brasil e a maneira como estudou o português. Por exemplo: atualmente, mesmo falando português sem nenhum problema, ela usa palavras japonesas como Itadakimasu, Gomem, Daijobu, Itai, ou quando a palavra em português não lhe vem à cabeça, acaba falando japonês.

Eu penso que o fato de estar se desenvolvendo como um membro na sociedade local, ao mesmo tempo não esquecendo que é japonesa, é algo que toda pessoa que vive na sociedade nikkei tem experimentado. Neste aspecto o artigo mostra claramente que as palavras têm uma profunda influência em nossas vidas. Considero-o como sendo o meu favorito e recomendo a todos a sua leitura.

 

© 2016 Marina Tsutsui

Brasil identidade Japão línguas migração
Sobre esta série

Arigato, baka, sushi, benjo e shoyu—quantas vezes você já usou estas palavras? Numa pesquisa informal realizada em 2010, descobrimos que estas são as palavras japonesas mais utilizadas entre os nipo-americanos residentes no sul da Califórnia.

Nas comunidades nikkeis em todo o mundo, o idioma japonês simboliza a cultura dos antepassados, ou a cultura que foi deixada para trás. Palavras japonesas muitas vezes são misturadas com a língua do país adotado, originando assim uma forma fluida, híbrida de comunicação.

Nesta série, pedimos à nossa comunidade Nima-kai para votar nas suas histórias favoritas e ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas favoritas. No total, cinco histórias favoritas foram selecionadas.

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas.

  Editorial Committee’s Selections:

  • PORTUGUÊS:
    Gaijin 
    Por Heriete Setsuko Shimabukuro Takeda

  Escolha do Nima-kai:

Para maiores informações sobre este projeto literário >>


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About the Author

Nasceu em Shizuoka-ken em 1995, chegou ao Brasil em 2004. Cursou o ensino fundamental e o médio na cidade de São Paulo. Está no último ano de Design Gráfico no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Seu hobby é dançar, fazer doces e brincar com Leika e Bruce, seus golden retriever. Espera continuar servindo a Deus através da dança e trabalhar na área de Design Gráfico.

Atualizado em setembro de 2016

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