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Lembrando de 03/2011 em 2016: Tohoku no Shingetsu - Parte 1

Ainda há muitos edifícios danificados. (Foto cortesia de Shogo Horiuchi)

O dia 11 de março deste ano marca o quinto aniversário do terremoto e tsunami que devastaram a região costeira de Tohoku no Japão, arrasando cidades e aldeias, e mudando para sempre a vida local.

Como a cineasta de Vancouver Linda Ohama está se aproximando da conclusão do seu documentário sobre 03/2011, Tohoku no Shingetsu (“Uma Nova Lua Sobre Tohoku”), este é um momento importante para se fazer uma pausa e recordar as milhares de vidas perdidas e as dezenas de milhares que ainda estão em processo de recuperação.

Meu amigo Tsutomu Nambu, residente em Sendai, trabalha para a Prefeitura de Miyagi e oferece inquietantes dados sobre o número de pessoas ainda em “kasetsu” ou “alojamento temporário” em Miyagi:

  • Alojamentos temporários pré-fabricados (concluídas até 26 de dezembro de 2011): Número de unidades: 406 locais, 22.095 unidades; unidades ocupadas: 11.535 unidades; ocupantes: 24.746 (até 31 de dezembro de 2015)
  • Alojamentos temporários alugados no setor privado: 9.281 unidades ocupadas, com 21.630 ocupantes (até 31 de dezembro de 2015)
  • Outros tipos de alojamento temporário: 337 unidades ocupadas com 748 ocupantes (até 31 de dezembro de 2015)
  • Número de evacuados residindo fora da Prefeitura: 6.026 (até 11 de dezembro de 2015).1

Ele explica as duas razões principais da longa demora para construir moradias permanentes para estas pessoas: “Em primeiro lugar, os terrenos onde havia muitas casas ainda estão sendo preparados para construção. Só depois que isso tiver sido feito é que eles poderão começar a construir as suas próprias casas.” De acordo com as previsões divulgadas pela Prefeitura de Miyagi, as obras estão previstas para continuar até 2020 em muitas cidades.

Nambu-san continua: “A outra razão é que há muitas pessoas que não têm condições de comprar ou construir suas próprias casas. Eles perderam quase tudo no desastre. Além disso, os idosos não têm condições de ganhar dinheiro, nem tampouco de obter empréstimo de um banco. Em princípio, eles têm que sair dos alojamentos temporários depois de cinco anos. Mas alguns municípios estão permitindo que eles continuem morando nos alojamentos temporários (sem pagar aluguel) por mais um ano, levando em conta a atual situação”.

Também digno de nota, problemas de saúde mental – como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) sofridos pelos sobreviventes e pelos trabalhadores de resgate e de assistência – são questões (incluindo depressão, alcoolismo) que irão exigir atenção contínua na área da saúde por muitos anos mais.

Recentemente, o meu amigo Shogo Horiuchi – a fazenda de arroz de sua família em Minami Soma, na Prefeitura de Fukushima, foi inundada pelo tsunami – me deu a seguinte atualização:

A reconstrução em Tohoku está avançando gradualmente. Tem uma diferença no andamento do processo de reconstrução dependendo da Prefeitura. É mais lento em Fukushima. O problema é a radioatividade. Em lugares como Minami Soma-odakaku, Namie, Okuma, Iitate ... Até hoje as pessoas não podem viver lá. (Possivelmente, alguns moradores em Minami Soma-odakaku poderão retornar em abril.)”

Solo poluído com radioatividade é temporariamente guardado numa área isolada. (Foto cortesia de Shogo Horiuchi)

Shogo-san continua, “A minha família está toda indo bem. O meu irmão mais novo e sua esposa estão bem. O meu sobrinho é aluno do ensino médio e minhas sobrinhas estarão completando o ensino fundamental em abril. O mais jovem já está quase em idade escolar. A minha irmã mais nova e seu marido estão bem. O meu sobrinho começa a escola em abril.”

Quanto à fazenda da família Horiuchi, “O trabalho de recuperação está atrasado; por isso, a área da plantação de arroz ainda não pode ser utilizada. Uma parte dela está sendo usada para plantios experimentais. No geral, o cultivo do arroz de Fukushima também está sofrendo devido a ‘rumores prejudiciais’”.

* * * * *

Eu sei que nos últimos anos você tem se mantido completamente imersa neste projeto. Em qual fase da produção está o documentário?

Depois de mais de quatro anos e meio trabalhando em Tohoku no Shingetsu’ (“Uma Nova Lua Sobre Tohoku”) falta apenas alguns dias para que o filme fique pronto para o lançamento. A mixagem do som já está pronta. As legendas já estão prontas ... A gente deveria ter acabado na semana passada, mas à medida que as coisa vão indo, tem atrasos inesperados que acontecem de vez em quando.

As coisas têm ido mais devagar uma grande parte do tempo porque temos trabalhado praticamente sem dinheiro; por isso a gente tem que descobrir como dar conta de várias tarefas ao mesmo tempo, com apenas duas mãos e uma cabeça. É claro, nós tivemos um montão de voluntários ao longo dos anos que nos ajudaram tremendamente. Sem a ajuda deles, eu não estaria dizendo que faltam poucos dias para completarmos o projeto.

Levando em conta que os últimos detalhes da pós-produção, como a mixagem sonora e a  montagem, custam muito dinheiro e têm que ser feitos por profissionais com instalações e equipamentos adequados ... Eu guardei a maior parte do dinheiro que tinha para esta fase final. Ou seja, estamos limitados, mas não totalmente desamparados.

E as empresas de pós-produção aqui em Vancouver estão nos oferecendo ótimas barganhas. Estas empresas são grandes e trabalham com um monte de filmes ... principalmente de cinema, dramas, programas semanais de TV, etc. Por isso, é de se esperar que o seu sistema tenha problemas de vez em quando. Aconteceu com o nosso projeto quando faltavam apenas algumas horas de trabalho para terminarmos tudo!!!

Eu aprendi ao longo dos anos que ficar chateada, preocupada ou estressada por coisas fora do seu controle, nem ajuda nem acelera o processo. Na maioria das vezes, acaba piorando as coisas, ou as pessoas se sentem mal. Estes males são evitáveis e tudo eventualmente acaba sendo feito.

Isso tem sido parte do nosso sucesso na conclusão deste grande projeto. Muita paciência, muitos dias e noites longas, muitas pessoas nos apoiando, e muitos anos.... Quem poderia ter imaginado que ia demorar todo esse tempo quando eu dei início ao projeto em 2011?

Essa semana eu recebi um e-mail de uma vítima do desastre de Tohoku, que vou compartilhar aqui. Eu acho que o povo de Tohoku consegue exprimir esse processo melhor do que eu.

Ele escreveu o seguinte:

[*Nota do Tradutor: A carta foi escrita em inglês precário. A tradução procura manter a “voz” do texto original, com clarificações quando possível.]

Prezada Linda,

... Você estava fazendo coisas importantes depois do terremoto. Você fez uma doação [ao] concerto de caridade, e você estava distribuindo uma grande quantia de dinheiro através de apenas dois jornais [o significado desta frase não está claro no original], tornando a vida mais fácil para os sofredores. Nós japoneses estamos tão agradecidos a você. Mas você era uma diretora de cinema. Eu queria que você fizesse um filme para que as pessoas de todo o mundo soubessem o que aconteceu em Tohoku.

Naquela época, eu não tinha idéia de como difícil fazer um filme é [sic].

Mas quando você começou o projeto, muitas pessoas impressionadas com o seu bom caráter apoiam [sic] a sua atividade, e “東北の新月” [título do filme] gradualmente começou a tomar forma.

Agora, muitos, muitos apoiadores estão ao seu redor e “東北の新月” está se tornando um espírito de Tohoku, ou do Japão. Por favor, espalhe a mensagem que te contei para o mundo; se passarmos o espírito japonês de 和 [para] a geração mais jovem, tudo vai ficar bem.

Mas tome bom cuidado com você.

Você não está sozinha. Estamos sempre com você.

* * * * *

Esta não é a única pessoa de Tohoku que eu conheci em 2011 e que me pediu para fazer um filme para ajudar a contar as suas histórias. Teve várias pessoas assim em diferentes locais e situações. Teve uma pessoa, um médico, que começou a chorar e a me implorar de joelhos. Onde quer que eu fosse, as pessoas precisavam de alguém que parasse para escutá-los.

Como você sabe, por um bom tempo quando eu estava fazendo vários outros tipos de trabalho voluntário em Tohoku, com os pescadores das aldeias de pesca e no [projeto de arte] Letras de Pano de Crianças, eu achava que mesmo se eles me pedissem, eu tinha que recusar porque me sentia sem o direito de fazer um filme para contar a história deles. Eu achava que era algo que um cineasta japonês deveria fazer.

Compartilhando um modo de vida. Levando aos pescadores um pouco de segurança, apoio e amor. Atendendo as necessidades dos pescadores das devastadas aldeias costeiras e fazendo o possível para suprir as suas necessidades com as doações oriundas dos seus colegas pescadores do outro lado do Pacífico, na Colúmbia Britânica e no Alasca.
(Foto cortesia de Linda Ohama)

Mas talvez ajudou o fato de eu ser uma “estrangeira” que não falava muito japonês – uma mulher, uma mãe e avó. A maior parte da filmagem eu fiz por conta própria; por essa razão, eu não tinha uma equipe com a qual eles teriam que interagir.

Durante três semanas, eu tive comigo o meu cameraman de Vancouver me ajudando. Se eu ou o meu cameraman fôssemos japoneses – eu acho que existem tantos tabus culturais e costumes que se tornam empecilhos quando as pessoas tentam se expressar .... que as vozes e ações dessas pessoas de Tohoku teriam sido mais contidas, e nós não teríamos conseguido fazer o Tohoku no Shingetsu.


Você poderia elaborar como o fato de você ser canadense ajudou as pessoas a se abrirem?

Eu diria que não. Eu acho que não importa onde no mundo que os canadenses vão trabalhar, passar férias ou fazer trabalho voluntário, nós somos bem acolhidos e respeitados. Mas não tem a ver só com o fato de ser canadense, mas sim ter e expressar amor e apreço pela vida, não importa o lugar, momento, idioma, circunstância, religião ou raça. Talvez como canadenses, nós construímos uma sociedade multicultural saudável, que respeita as diferenças e as necessidades e sentimentos individuais.

É difícil dizer por que tantas pessoas se abriram comigo. Eu passei dois anos e meio viajando por Tohoku e ajudando de várias maneiras. Quem sabe, se eu tivesse chegado e ido embora em uma semana, um mês, ou até mesmo alguns meses, só fazendo visitas rápidas às pessoas uma ou duas vezes ... essa confiança talvez não tivesse tido tempo para se desenvolver. Depois de tantas visitas durante todos esses anos, as amizades, compreensão, respeito, amor e confiança me parecem algo totalmente natural.

Ou seja, não é só ser canadense. É ser humana.

Trabalhando junto à comunidade. (Foto cortesia de Linda Ohama)

Parte 2 >>

Nota:

1. http://www.pref.miyagi.jp/site/ej-earthquake/nyukyo-jokyo.html 

 

© 2016 Norm Ibuki

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Sobre esta série

Em Japonês, kizuna significa fortes laços emocionais.

Esta série de artigos tem como propósito compartilhar as reações e perspectivas de indivíduos ou comunidades nikkeis sobre o terremoto em Tohoku Kanto em 11 de março de 2011, o qual gerou um tsunami e trouxe sérias consequências. As reações/perspectivas podem ser relacionadas aos trabalhos de assistência às vítimas, ou podem discutir como aquele acontecimento os afetou pessoalmente, incluindo seus sentimentos de conexão com o Japão.

Se você gostaria de compartilhar suas reações, leia a página "Submita um Artigo" para obter informações sobre como fazê-lo. Aceitamos artigos em inglês, japonês, espanhol e/ou português, e estamos buscando histórias diversas de todas as partes do mundo.

É nosso desejo que estas narrativas tragam algum conforto àqueles afetados no Japão e no resto do mundo, e que esta série de artigos sirva como uma “cápsula do tempo” contendo reações e perspectivas da nossa comunidade Nima-kai para o futuro.

* * *

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About the Author

O escritor Norm Masaji Ibuki mora em Oakville, na província de Ontário no Canadá. Ele vem escrevendo com assiduidade sobre a comunidade nikkei canadense desde o início dos anos 90. Ele escreveu uma série de artigos (1995-2004) para o jornal Nikkei Voice de Toronto, nos quais discutiu suas experiências de vida no Sendai, Japão. Atualmente, Norm trabalha como professor de ensino elementar e continua a escrever para diversas publicações.

Atualizado em dezembro de 2009

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