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História nº 27 (Parte I): Um presente do Céu

Meu nome é Hirari. Acha um bom e interessante nome? É o que todo mundo fala. Mas, por que “Hirari”?

Foi a mamãe que escolheu. Ela é uma nikkei brasileira que foi trabalhar no Japão logo depois de terminar o ensino médio. Como queria muito entrar na faculdade, sua intenção era trabalhar uns dois anos, depois voltar ao Brasil, passar no vestibular e poder pagar seus estudos na faculdade.

Mamãe nasceu e cresceu no Brasil numa cidade do interior, então, ir viver no Japão e numa cidade grande foi uma experiência que deu alegrias e esperanças, apesar de alguns momentos de incerteza e dúvidas. E mesmo hoje ela diz que foi a melhor época de sua vida.

Bem, logo que chegou ao Japão a mamãe se amarrou em novela japonesa! O trabalho na fábrica era duro, mas ela ficava esperando o sábado chegar. E a primeira novela que viu foi o que eles chamam de “romance televisivo em capítulos” – a novela “Hirari” da NHK, que tinha apenas 15 minutos de duração, mas mamãe se sentia entrando no mundo dos sonhos.

Um dia, ela disse assim: “Já sei! Quando me casar e tiver uma filha, o nome dela será Hirari!”.

Ela chegou em 1993 e passados dois anos e meio, viu que a sua vida estava caminhando bem e então resolveu aperfeiçoar o japonês entrando numa escola de línguas.

As aulas de japonês eram divertidas, pois havia alunos de vários países e a professora ensinava de maneira especial e mamãe se esforçou cada vez mais. Um dia, ela foi apresentada a um professor que lecionava inglês na mesma escola. Ele soube que mamãe era do Brasil e quis conhecê-la pessoalmente. Perguntou várias coisas sobre o Brasil, sobre a língua portuguesa e se tornaram grandes amigos.

Seu nome era Leo Tokunaga, trabalhava nos negócios da família e também dava aulas de inglês, pois havia estudado nos Estados Unidos como bolsista. O seu interesse pelo Brasil vinha desde os tempos do ensino fundamental, quando começou a jogar futebol.

E quando mamãe estava fazendo planos para retornar ao Brasil, Leo lhe propôs casamento. Ela ficou sem palavras de tanta emoção, mas primeiro queria cumprir a promessa que havia feito para a família e voltou ao Brasil.

Depois de alguns meses, Leo veio do Japão para visitar a mamãe! Ela ficou surpresa e o meu avô e a minha avó vibraram de alegria!

Todos pensaram que o Leo tinha vindo fazer turismo no Brasil, mas, duas semanas depois, pela segunda vez e com firmeza, ele pediu mamãe em casamento. Mamãe aceitou na hora e meu avô e minha avó ficaram muito emocionados! A minha bisavó disse com espanto: “Mas como a vida é cheia de surpresas, não?”.

O casamento foi realizado no Brasil e, pouco tempo depois, mamãe e papai partiram para o Japão, debaixo das bênçãos de todos.

Papai construiu uma casa na cidade de Hamamatsu, onde tinha conhecido mamãe e ia trabalhar na cidade vizinha, onde moravam seus pais e onde ficava o negócio da família. Mamãe estava muito feliz na sua nova vida e, cinco anos depois, eu nasci. Era 27 de novembro de 2001.

Aqui em casa temos uma quantidade enorme de fotos e vídeos da época em que eu era pequenininha. E toda vez que vê, mamãe começa a chorar relembrando com emoção esses momentos de alegria. “Aos seis meses de idade, com vestidinho cor-de-rosa que mamãe fez”, “Aniversário de 1 ano, o bolo foi mamãe que fez”, Primeira vez que foi ao zoológico”, “Hirari no Dia das Meninas”, Quem é o Papai Noel? Papai?”, “Vendo o livro favorito Karasu no pan ya san e comendo pão”.

Mas, como diz mamãe: “Foi um sonho que durou pouco”. Pois em outubro de 2010, papai sofreu um acidente de trânsito e veio a falecer pouco depois. Eu tinha três anos na época e conservo na memória apenas uma coisa: era um dia frio e mamãe falou com ternura que nós íamos tomar o avião, que eu ia junto com ela para um país chamado Brasil e que o vovô e a vovó estavam nos esperando.

Fomos morar na casa de meus avós e minha mãe foi trabalhar no supermercado de um conhecido. Ela começou a se preparar para o vestibular até que conseguiu entrar na faculdade, se formou e hoje trabalha como farmacêutica.

Eu estudo no 1º ano do ensino médio e meu sonho é um dia voltar para o Japão. Para isso, estudo na escola japonesa desde os seis anos. E desde seis anos eu escrevo carta para meu avô e minha avó do Japão, pelo menos duas vezes ao ano. Portanto, já são 22 cartas que mandei, mas nunca veio resposta.

“Por que não respondem?” – perguntei um dia para mamãe.

 “Pense que você é uma mensageira do Céu. Por isso, tem que escrever coisas bonitas com palavras bonitas, pois esse é um serviço que só você pode fazer. Escreva como se o vovô e a vovó do Japão estivessem recebendo um presente vindo do Céu” – assim respondeu mamãe.

Bom, para este final de ano, o que eu vou escrever? Só de pensar meu coração fica batendo forte de emoção.

Parte II >>

 

© 2016 Laura Honda-Hasegawa

Brasil dekasegi ficção trabalhadores estrangeiros Nikkeis no Japão
Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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