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Chá preto em Registro: o resgate da tradição

Dona Umeko, idealizadora do Chá da Vovó, começou a cuidar de mudas de chá preto quando tinha cinco anos (foto: divulgação/Obaatian)

Registro, cidade do interior de São Paulo e que tem um importante papel na cultura e história dos imigrantes japoneses no Brasil, já foi conhecida como a capital do chá preto nos anos 1960. Agora, a cidade observa a antiga tradição ressurgindo.

Obaatian, o ressurgimento do chá

Swan Yuki Hamasaki, de 30 anos, conta que a história que ouve da avó, Elizabeth Umeko Shimada, 89 anos, é que quando ela tinha cinco anos, o pai – Kikuno Sugano – pediu para que ela cuidasse das mudas de chá preto que ele tinha levado para casa. Dona Umeko diz que regou, ajudou a transferir para vasos e também a plantar as mudinhas. Assim, forneciam as folhas de chá para as fábricas.

Mais de 40 fábricas de chá chegaram a funcionar em Registro. Porém, por conta de diversos fatores, principalmente econômicos, fecharam uma a uma. Foi aí que dona Umeko decidiu que deveria reavivar a cultura do chá, e já tinha tido a desafiadora experiência plantar há mais de 50 anos. Chegou a cultivar também abacaxi, mandioca, abacate, limão, além de produzir missô, konyaku e tofu.

Quando ela teve a ideia de montar a fábrica, no primeiro semestre de 2014, Yuki lembra que seu pai, Kazuo Hamasaki, e seu tio, Roberto Minoru, foram com visitar ela antigos produtores, fábricas e ferros velhos onde havia máquinas disponíveis para poderem comprar e reformar.

A marca Obaatian (Chá da Vovó) foi criada no final de novembro de 2014. “Inspirado pela minha avó que inaugurava a fábrica de chá dela, eu desenhei o logo e começamos a produzir as embalagens”, conta. A primeira embalagem ficou pronta no início de 2015, no fim de janeiro para início de fevereiro, já com cara de produto. Já a embalagem atual, com código de barras e uma identidade visual, saiu só em junho do ano passado.

O que ajudou a tornar a produção possível foi a família. Quando dona Umeko precisa, todos ajudam como podem. Ela tem seis filhos (Shigueru, Bernadete, Roberto, Emi, Wilson e Teresinha), 14 netos e três bisnetos. “Como toda família, temos nossas diferenças, mas minha avó bota todo mundo na linha na hora de trabalhar”, diz Yuki.

O tio, Minoru, que mora no interior de São Paulo, junto com a mãe Aiko e o pai, que vivem na capital, são “ponta firme”. Porque sempre que é necessário, eles vão a Registro para ajudá-la com o sítio, “realizar os sonhos dela”.

Quando a produção começou, a tia, Teresinha Eiko Shimada Ferreira, de 62 anos (que mora no sítio com o marido e dona Umeko), assumiu o processamento das folhas. A família está envolvida, mas na realidade não existe uma divisão formal das funções. “Todo mundo ajuda como pode, com o tempo que tem, com a disponibilidade que tem”, comenta o neto.

Yuki conta que sua avó machucou o joelho e, por isso, ela evita ir para a lavoura colher as folhas de chá. Porém, sempre que pode ela vai. “A plantação ainda é dela, e é ela quem manda!”.

O processo de produção e distribuição para venda

O processo de produção começa a partir do plantio, que é o mais importante. O chá é uma bebida delicada, e o cuidado com a planta reflete de forma clara no sabor. A colheita deve ser feita à mão para garantir a seleção dos melhores brotos. Após a colheita, inicia-se o processo de “murchamento”, que é o processo de desidratação da folha. Ela fica em descanso por mais ou menos um dia, dependendo da umidade de cada dia.

Para garantir os melhores brotos de chá, a colheita é feita à mão
(foto: divulgação/Obaatian)

A seguir vem o processo de maceramento. Em geral, é feito em uma máquina, mas fazem à mão também em casos especiais (normalmente para consumo próprio). Depois, entra no processo de oxidação, de aproximadamente cinco horas. É um momento delicado, pois se a folha ficar parada, ela fermenta. Por isso, o controle é constante, mexendo as folhas, não deixando a temperatura subir demais. Por último vêm a torra e a embalagem. Depois de embalado, o chá demora seis meses para ficar bom para consumo e tem validade de três anos.

O chá precisa descansar durante o inverno e, por conta disso, é produzido apenas no período de setembro a maio – com uma produção que deve chegar a 250 kg por safra, cerca de 3 mil pacotes. Nos meses em que não há colheita de chá, o pessoal da lavoura descansa e cuida de outras coisas.

O Chá da Vovó é vendido em casas de chá e restaurantes em São Paulo. A distribuição é feita basicamente pela família. Em São Paulo, Yuki conta que ele e seu pai entregam onde for preciso. Quando o pedido é feito pela Internet ou é internacional, ele e seus pais ficam encarregados de fazer o envio pelos correios.

Boa parte das vendas acontece em feiras e eventos dos quais participam, inclusive feiras de orgânicos e festivais japoneses, como o Festival do Japão. Nesse momento, todos os primos se dispõem a ajudar.

“O objetivo da família é deixar a minha avó feliz”, afirma o neto. Para Swan, eles atingem este objetivo a cada evento ou boa notícia que o chá traz para dona Umeko. “Vemos no trabalho o fortalecimento do vínculo e talvez novos sonhos comecem a surgir a partir deste trabalho”.

A família Shimada ajuda dona Umeko em eventos e festivais, como o Festival do Japão (foto: divulgação/Obaatian)


Conquistas e o futuro

Nesses dois anos de existência, a marca Obaatian vendeu em torno de 450 kg de chá. “Queremos produzir mais e melhor, mas os desafios parecem maiores do que realmente são quando a empresa é pequena, e principalmente quando a empresa é familiar”, revela. Apesar das dificuldades, a aceitação está sendo ótima.

Yuki diz que sua avó tem planos para a empresa e estão estruturando o negócio levando em conta a longevidade do Chá da Vovó, inclusive estão inspirados a enfrentar os desafios. São basicamente três questões que dona Umeko pensa para o futuro:

1. Desejo de que o negócio seja duradouro – ela quer que seja bem feito e que a família, os filhos e os netos deem continuidade ao trabalho dela.

2. Desejo de que os jovens se interessem pela agricultura e que os pequenos agricultores tenham mais oportunidades.

3. Desejo de ver o chá a todo vapor em Registro e que a região se desenvolva. Além disso, ela quer que a marca inspire outros produtores e inclusive quer ajudar a fazer isso acontecer.

“O Chá da Obaatian é um sucesso! Sucesso pela determinação de não deixar acabar a cultura do chá em Registro (capital do chá), sucesso pela simpatia e da minha vontade de continuar a me dedicar cada vez mais. Me surpreende o sucesso que a dona Ume alcança com toda a nossa força de querer corresponder, de querer continuar o Chá da Obaatian”, diz Teresinha.

Com toda a certeza, o chá preto é um legado importantíssimo na história da imigração japonesa no Brasil e em Registro. Yuki diz que “é um privilégio” fazer parte da história da cidade e dos descendentes de japoneses no Brasil. “Ver de perto o trabalho da minha avó [filha de imigrantes japoneses vindos da província de Fukushima], dos meus tios e dos meus pais é uma escola. Estou aprendendo muito só de estar perto de outras gerações. Me faz ter uma perspectiva melhor da nossa geração”.

Que não só a tradição do chá, mas a cultura japonesa como um todo, continue a ser transmitida às próximas gerações!

 

* Com informações extraídas do Boletim Bunkyo Empresarial - #5 - outubro/2016.

 

© 2016 Tatiana Maebuchi

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About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

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