Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2016/10/07/

Tecidos made in Japan! Eu também quero!

Fiquei emocionada ao ler o artigo de Mia Nakaji Monnier publicado no Discover Nikkei dia 21 de setembro último. Mia conta que descobriu uma loja de tecidos japoneses e que lá frequentou aulas de costura na companhia de sua mãe, tendo confeccionado muitas coisas junto. Na mesma hora, lembrei com saudades que eu e minha mãe também vivenciamos momentos prazerosos assim.

Esq. minha mãe vestindo modelo de confecção própria. Dir. minha tia

Minha mãe nasceu e cresceu numa família de agricultores no Estado de São Paulo e, apesar da vida pobre, o seu dia a dia era feliz devido às tantas ideias que tinha e que punha em prática. Por exemplo, desmanchava roupas velhas para fazer aventais, chapéus e bolsinhas para miudezas; com a palha do milho trançava sandálias tipo zouri para os irmãos menores, enfim, desde criança foi muito habilidosa. Por ser assim, ela nunca teve intenção de me ensinar a costurar, pois não sou habilidosa quanto ela.

Mas em 1964, quando eu estava no ensino médio, comecei a frequentar um curso de corte e costura na casa de uma professora brasileira. Ia lá depois das aulas, mas não estava nem um pouco interessada. Daí a minha mãe disse: “Estou vendo que o método brasileiro de ensinar é diferente e, se você não está gostando, não precisa continuar”. Foi assim que eu logodesisti.

O tempo passou e mais de 10 anos depois, na década de 1980, aconteceu algo que me fez tomar gosto pela costura. Uma pessoa vinda do Japão e que estava morando em São Paulo me apresentou uma loja de tecidos japoneses. Essa loja ficava nos Jardins, uma região onde na época havia muitas empresas japonesas e, por isso, a clientela era em sua grande maioria constituída de esposas de executivos do Japão. Não era muito conhecida nem pelas brasileiras nem pelas nikkeis.

Chegando lá, fiquei entusiasmada! Tecidos de estampas e cores do meu agrado, mais pareciam tesouros que tinha acabado de descobrir! Segundo a vendedora, uma empresa do Japão construiu uma fábrica aqui no Brasil para produzir tecidos 100% algodão para exportar para o mundo inteiro. Os tecidos da loja eram “sobras” dos produtos de exportação, mas não eram retalhos, pois tinham uma boa metragem.

Minha mãe, ao ver a minha alegria por ter encontrado tecidos made in Japan, disse: “Não tem mais jeito, vamos começar fazendo uma saia” e teve a paciência de me ensinar passo a passo tudo sobre costura. Foram as melhores aulas que tive em toda a minha vida. Daí em diante, graças a minha mãe, a costura se tornou uma fonte de inspiração e diversão.

Nessa época, eu trabalhava como professora de Português e Literatura Brasileira e meus dias eram atarefados, mas quando tinha folga eu acordava mais cedo e ficava o dia inteiro costurando. Quando percebi, o meu guarda-roupa estava lotado de roupas de produção própria: vestidos, blusas, saias, calças, camisas – tudo feito com tecido 100% algodão, bem apropriado ao clima do Brasil.

“Essa roupa, onde comprou?”, “Isso veio do Japão?” – perguntavam as colegas de trabalho e as amigas. “Sério? Foi você que fez?!”, “Que bom que você pode costurar o que quiser”, “Se você não for usar mais, passa pra mim, tá?”, etc. etc. e assim a  conversa fluía. 

Depois que fiquei sabendo da existência dessa loja, frequentei-a durante uns 10 anos, toda vez comprando uma variedade de tecidos e confeccionando inúmeras peças de roupas. Eu não sou tão habilidosa, mas eu costurava com gosto porque queria fazer bom uso dos tecidos do Japão, não importa o tempo que gastasse, eu queria ver o produto final.

E não foram somente peças para mim, inúmeras vezes eu costurei para presentear as amigas.

Não tirei foto de nenhuma de minhas produções, infelizmente, mas me lembro muito bem de cada peça de roupa, de como era estampa e como ficara depois de pronta. Também me lembro de como a família reagiu: “Dá sensação de frescura!” – disse meu pai ao ver um conjunto de um tom bem claro de azul, mas a jaqueta de um pink vistoso causou-lhe preocupação: “Mas, isso aí está na moda?” 

Minha mãe pareceu satisfeita e por vezes me elogiava.

Comprei o tecido na Yuzawaya em 2005

A minha mãe, que me ensinou a alegria de costurar, faz 26 anos que partiu para a eternidade. E aquela única loja que vendia tecidos japoneses em São Paulo encerrou as atividades faz mais de 10 anos. E não apareceu nenhuma outra que vendesse tecidos do Japão.

Mas eu continuo gostando de costurar minhas próprias roupas, o difícil é achar um tecido do meu agrado, pois o número de lojas especializadas em tecidos está diminuindo cada vez mais.

No outono do próximo ano pretendo ir passear no Japão. E quero ir à Yuzawaya, uma loja de Tokyo onde se encontra uma grande variedade de tecidos, e comprar tudo que vir pela frente. Mal posso esperar!

 

© 2016 Laura Honda-Hasegawa

Sobre esta série

Quando criança, eu falava misturando o japonês e o português. Entrando na escola fundamental, fui aprendendo naturalmente a distinguir o que era uma língua e outra e, escrever em português se tornou uma atividade prazerosa. Hoje, 60 anos passados, escrever tanto em português como em japonês é a maior das minhas alegrias. Através desta série, espero poder contar histórias sobre os mais variados temas. Que isto possa chegar até vocês, como se fosse o meu cumprimento de uma refrescante manhã. 

OHAYO Bom dia (Série 1) >> 

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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