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O idioma japonês no linguajar dos peruanos

Palavras japonesas como karate, tsunami, sensei, ohashi, maki, sushi e karaoke, entre outras, são frequentemente usadas no Peru. Ilustração: Karen Kina / Associação Peruano Japonesa. 

Os idiomas cruzaram as fronteiras antes da globalização e agora, em qualquer parte do mundo, é possível ouvir outras línguas faladas com sotaques nativos ou estrangeiros. Mas o que faz com que um idioma incorpore palavras de outro, se apropriando delas no uso cotidiano?

No Peru, a cultura japonesa tem uma das presenças mais marcantes e seu idioma tem sido assimilado por jovens e adultos através de diversos produtos de consumo, personalidades da mídia e, mais recentemente, seu uso coloquial. Por isso, não surpreende que existam palavras japonesas não identificadas como tal apesar de serem empregadas diariamente.

Como no caso do inglês, existem palavras que se tornaram universais e que podem ser compreendidas em qualquer lugar. Karate, karaoke e tsunami são os equivalentes japoneses de closet, lunch, e bestseller de origem anglo-saxônica, e estão todas incluídas no Dicionário da Real Academia Espanhola como estrangeirismos. No entanto, o japonês tem muito mais o que dizer, especialmente no Peru.

Aos mais de 80.000 peruanos de descendência japonesa – os quais empregam expressões japonesas no ambiente familiar ou com os amigos – podem ser adicionados aqueles em contato com a comunidade (clubes esportivos, eventos culturais, locais de trabalho) ou os que admiram e apreciam a comunidade de maneiras diferentes (artes, ciências, esportes). O nihongo tem uma presença no Peru cada vez mais notável e audível.


Glossário peruano japonês

Em 2010, o escritor [e poeta] nikkei José Watanabe publicou uma lista de palavras japonesas em uso no Peru. O glossário, criado pelo poeta e uma equipe de pesquisadores em 1999, foi dividido em quatro partes. Uma delas se trata de palavras amplamente utilizadas, com o seu significado original e o novo significado: samurai, kamikaze e nikkei, entre outras, adquiriram mais de um sentido. (Geisha é a dança tradicional, mas também era usada para descrever uma pessoa submissa ao poder.)

Entre estas se encontra o verbo “catanear”, derivado da espada katana: o ato de dar uma surra ou, na gíria do futebol, de levar goleada.

Em seus versos, Watanabe misturou expressões japonesas com outras da linguagem coloquial peruana. Outro grupo de palavras são aquelas conhecidas por aqueles que têm contato com imigrantes e descendentes de japoneses. Entre estas estão dekasegi, ocha e okane. O terceiro grupo é composto por aquelas utilizadas exclusivamente pela comunidade nikkei (algumas já obsoletas), como chomen, benjō e gakkō. E finalmente, há aquelas que podem ser compreendidas em quase todos os idiomas (haiku, ninja, tempura).


Vamos conversar sobre o japoñolés

Nos últimos anos, quais foram as modificações no glossário de Watanabe? Lily Niland nasceu nos Estados Unidos, estudou Comunicação Intercultural no Linfield College de Seattle e se especializou em espanhol e japonês. Em 2010, ela visitou o Peru para fazer um estudo etnográfico e linguístico intitulado “Japoñolés: O Uso do Japonês, Espanhol e Inglês na comunidade peruana-japonesa.”

Seu interesse é o mesmo de muitas pessoas no Peru que, por interesse cultural, passaram a usar termos japoneses. Para ela, dizer kaikan, koseki ou sansei fazia parte da sua vida social e, principalmente, profissional. Através desta última, ela pôde identificar certos fatos, como por exemplo, que muitos nikkeis não sabiam quais as palavras caseiras de origem japonesa e quais vinham do uchinaguchi (okinawense), e que, devido à Segunda Guerra Mundial, muitos prefiriram não falar japonês fora do ambiente familiar para não serem discriminados.

No Peru de hoje, a comunidade peruana-japonesa não apenas conseguiu ganhar reconhecimento, como também a sua cultura original é vista com admiração por aqueles que são fãs de mangá, da sua música ou de celebridades (atualmente, o escritor Haruki Murakami) que os levaram a estudar japonês. A tecnologia e a globalização também fizeram sua parte para internacionalizar o idioma, mas talvez a maior contribuição tenha vindo da culinária nikkei.


Falar e comer

A popularidade da culinária peruana nos últimos anos também influenciou a linguagem popular, e os nikkeis têm desempenhado um papel de liderança. Numa breve pesquisa para este artigo, a maioria mencionou palavras como sushi, maki, wasabi e ramen ao responder quais as palavras japonesas que usam ou escutam com frequência mesmo sem ter uma relação direta com os membros da comunidade.

A língua japonesa é conhecida no Peru? É conhecida sim, através de algumas referências (anteriormente tecnológicas; atualmente, culinárias), mas não é tão falada, diz uma pessoa, e especificamente [é mais falada] em Lima, complementa outra. Muitos a confundem com o chinês (kion, por exemplo, que vem do nome da cidade chinesa de Guangdong) e outros passaram a conhecê-la melhor em restaurantes.

Usar os ohashi, pedir mais shoyu (molho de soja, sillao em chinês) ou dizer obrigado (arigatō ou, ainda melhor, dōmo arigatō gozaimasu, muitíssimo obrigado) são algumas das novas expressões japonesas usadas por alguns residentes em Lima, os quais, ao contrário dos habitantes das cidades com maior tradição turística, não possuem um pequeno dicionário multilingue para falar com estrangeiros: responder sim e não, dizer alô, se despedir, ou pedir desculpas em japonês.


Conversar e compartilhar

Claudia Kazuko Almeida Goshi estudou Linguística na Universidade Nacional de San Marcos e há oito anos apresentou o estudo “Léxico da Colônia Peruana-Japonesa no Peru”. Esse estudo lhe permitiu descobrir as palavras japonesas mais usadas entre os peruanos. Ela verificou então que as expressões de cortesia, respeito e afeto são as mais comuns entre os nikkeis. Ela mesma admite que a palavra japonesa que mais usa é obaachan (vovó).

“É interessante porque esse costume foi mantido nas novas gerações que não estudam japonês e que não dão ouvidos aos pais, exceto nestes casos”, diz Almeida, acrescentando que por serem termos substituindo palavras equivalentes em espanhol (por exemplo, obaachan no lugar de avó), eles são transferidospara o ambiente social, o que ajuda a aumentar a sua divulgação. O mesmo ocorre com as palavras japonesas usadas em certos ambientes, as quais acabam tendo o seu significado alterado.

Matsuri, por exemplo, significa festival,” ela explica, “mas no Peru a palavra é usada para se referir aos eventos realizados na AELU [Asociación Estadio La Unión].” O campo semântico de uma palavra depende do seu contexto. “As palavras ajudam a construir um senso de comunidade, compartilhando e unindo as pessoas”. É o que acontece, continua Almeida, com os otaku, os fãs de anime ou dos grupos musicais.


Nikkei e peruano

Se você procurar a palavra nikkei na rede, ela vai aparecer ligada à cada vez mais popular culinária peruana-japonesa ou aos descendentes de japoneses nascidos no Peru – mas não aqueles de outros países. No entanto, as colônias estabelecidas no Brasil, México, Argentina e Chile, para citar alguns casos, tiveram fenômenos lexicais semelhantes, com pequenas variações.

No Chile, por exemplo, um estudo das palavras de origem japonesa no léxico da imprensa identificou as expressões nipón e yen como as que mais aparecem nos jornais. Apesar da lista ser longa e de abranger diversas áreas culturais (arquitetura, artes marciais e plásticas, tradições e assuntos militares e da política), a culinária ocupa o primeiro lugar entre as categorias.

No Peru, pelo momento, bares de sushi, espaços culturais e as famílias nikkeis são os maiores aliados de um idioma falado por cerca de 130 milhões de pessoas no Japão e muitas outras no resto do mundo, onde é reconhecido no âmbito dos negócios.

 

* Este artigo foi publicado graças a um acordo entre a Associação Peruano Japonesa (APJ) e o Projeto Descubra Nikkei. O artigo foi publicado originalmente na revista Kaikan nº 101 e adaptado para o Descubra Nikkei.

 

© 2015 Texto e ilustración: Asociación Peruano Japonesa

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About the Authors

Javier García Wong-Kit é jornalista, professor e diretor da revista Otros Tiempos. Autor de Tentaciones narrativas (Redactum, 2014) e De mis cuarenta (ebook, 2021), ele escreve para a Kaikan, a revista da Associação Peruana Japonesa.

Atualizado em abril de 2022


A Associação Peruano Japonesa (APJ) é uma organização sem fins lucrativos que reúne e representa os cidadãos japoneses residentes no Peru e seus descendentes, como também as suas instituições.

Atualizado em maio de 2009

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