Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2015/7/24/dont-worry-be-hapa/

Don’t Worry Be Hapa

Eu e minhas irmãs temos o mesmo senso de humor mordaz e a mesma altura “verticalmente modesta”, mas as nossas semelhanças óbvias acabam aí. Nós todas temos a mesma mãe sansei de Okinawa e o  mesmo pai “meio-sulista” da Flórida [estado geograficamente, mas nem sempre culturalmente, sulista], mas não nos parecemos iguais. Quando estávamos crescendo, na melhor das hipóteses eu descreveria como tênue a nossa conexão com a nossa “niponidade”. Nós comíamos arroz em todas as refeições e nunca deixávamos de levar presentes quando visitávamos amigos. Por outro lado, nós ouvíamos “japoglês” e inglês americano quando visitávamos membros da nossa família. Não tinha por perto nenhuma pessoa fluente em japonês. Nós adoramos os nossos primos hapa [“hafus,” ou de etnia mista, com um lado japonês] e nossos parentes okinawenses no Havaí, mas crescemos longe deles, na costa leste americana. Não havia japoneses por lá tampouco.

Uma forma de se aceitar como bi- ou multirracial é aprender a ver o multifacetado rótulo “parte-japonês e parte-branco/-europeu” como um todo coerente, e não como uma bagunça dividida em peças distintas. E apesar de que somos vistas pelos outros e interagimos com a nossa herança cultural de maneiras muito diferentes – de acordo com a nossa aparência física e personalidades individuais – eu sei que falo por nós quatro quando digo que nos sentimos orgulhosas de ser hapa. Tanto nikkeis quanto brancas.

Mas isso é o máximo que posso dizer pelas minhas irmãs! Cada uma de nós se relaciona de maneira diferente com o fato de sermos hapa; por isso, tenho que deixar elas mesmas discutirem as suas experiências. Entrevistei cada uma delas, perguntando à Mariko, Aiko, e Keiko como se sentiam em ser hapa. E suas opiniões sobre como isso causou um impacto nas suas vidas quando elas estavam crescendo. Suas respostas foram bem ponderadas e mais concisas do que eu em toda a minha vida verbosa. (Eu incluí os meus próprios e mais extensos pensamentos no final.) Elas também esclareceram suas experiências altamente individuais como pessoas birraciais numa área do país que não é nada nikkei.

Mariko

Eu acho que as pessoas podem ver direto que sou asiática. Os haole [pessoas não-havaianas, especialmente de origem europeia] nunca me perguntam de onde sou, e mais ou menos 80-90% dos brasileiros* perguntam se sou de São Paulo, onde tem um grande número de descendente de japoneses. Os brasileiros de pele clara – eles supõem que sou brasileira porque falo português com eles – são quase sempre de origem europeia. E eles dizem que os meus olhos são como os dos japoneses de lá. “Olhos puxados”. Não é ofensivo ou nada disso. É apenas a maneira de falar em português.

Acho que quando eu estava crescendo, o fato de eu ser hapa me afetou apenas de forma subconsciente. Acho que as pessoas geralmente ficam mais chegadas a outras que se parecem fisicamente com elas, e como os adultos asiáticos reconheciam as minhas origens, eles me tratavam com maior familiaridade do que os jovens haole à minha volta. Como por examplo a Sra. Kuo (nossa professora taiwanesa na Kumon).

Os meus amigos tinham todos os tipos de antepassados, mas eu passei um bom tempo com a equipe de atletismo. E quer seja ou não algo subconsciente, quando eu lembro disso agora, [posso afirmar que] com certeza eu conhecia cada uma das poucas garotas de origem asiática que tinham por lá.

* O marido de Mariko vem da região Nordeste do Brasil. Eles moram juntos numa área predominantemente latina de Boston.

Aiko

Sou eu quem tem a aparência menos asiática de nós quatro, por isso ninguém nunca me perguntou sobre a minha etnia. Eu acho que todo mundo pensa que sou haole.

Quando eu era criança, tinha duas coisas que eu sempre quis mudar em mim mesma:

1) Eu queria parecer mais asiática.
2) Eu queria ser bilíngue.

Eu acho que essas duas coisas são o resultado de termos sido criadas principalmente por nossa mãe asiática, já que era como se estivéssemos sendo ensinadas a ter valores sociais asiáticos por dentro, enquanto que por fora tínhamos a aparência diferente. Hoje em dia, é claro que eu não tenho mais esses sentimentos. Estou feliz em ser apenas hapa, não importa o seu significado. Coisas diferentes para cada um de nós, acredito.

Falando de outra coisa, eu sempre achei que podia me enturmar com amigos americanos porque eu me parecia com eles, e com amigos asiáticos porque fomos criados de forma parecida.

Keiko

Eu acho que sempre quis ter um senso de identidade mais forte. Tudo bem que tem a vovó e todo mundo no Havaí, mas eu nunca passei muito tempo lá. Eu adoro ser hapa, mas ainda quero muito aprender mais sobre a cultura nikkei. Como por exemplo, estudar japonês na faculdade e talvez aprender a tocar taiko.

No segundo grau, eu acho que noto a diferença principalmente porque os meus amigos brancos acham que sou asiática, enquanto que os meus amigos asiáticos me vêem como branca.

Por exemplo: faz um tempo, eu fiz uma piada com um dos meus amigos chineses – que eu era uma banana. Ela disse: “Você não é uma banana, você é leite”. Confusa, eu disse para ela que era misturada. Ela disse: “Menina, você é branca por dentro e por fora”. Eu fiquei sem saber o que dizer, já que tecnicamente o que ela disse é verdade. Eu não tenho vergonha de ser hapa, mas quero aprender mais sobre o lado japonês. A gente tem que fazer um certo esforço para isso, já que não conhecemos um montão de japoneses. Acho que nunca vou me acostumar com as pessoas expressando a sua própria visão da minha etnia e ancestralidade cultural, mas me conhecer melhor com certeza vai me ajudar a aceitar isso com maior facilidade.

Kimiko (autora)

Eu me sinto um tanto hiper-consciente da minha etnia desde que tinha uns sete anos, quando as pessoas começaram a perguntar se eu era uma mexicana adotada ou se falava espanhol. E eles me perguntavam em espanhol se eu falava espanhol; é claro, eu não fazia a menor ideia do que eles estavam dizendo. 

Mesmo hoje em dia, amigos e desconhecidos expõem suas teorias sobre a minha ancestralidade. Geralmente, eu escuto as pessoas dizerem que pareço latina, mexicana, ibérica, grega e até mesmo inuite [esquimó].

Sem dúvida, a minha teoria favorita foi a de uma senhora haole no supermercado, quando eu estava no segundo grau. Eu estava trabalhando meio-expediente no caixa e esta cliente passou mais de três minutos me explicando que a sua impressão de que eu era latina tinha que estar correta. “Ah, não, minha querida, você tem que ser hispânica. Provavelmente você não sabe direito. Mas olha, eu li em algum lugar que há cerca de uns 300 anos atrás, um navio cheio de espanhóis saiu do curso e naufragou na costa da Irlanda. E os descendentes deles ficaram na Irlanda. Você deve ser uma descendente deles!” Aquele foi um dos dias favoritos da minha vida. Quem sabe? Talvez ela esteja certa. Isso seria hilário.

Recebo pelo menos 1 ou 2 comentários por semana sobre a minha “cara étnica” ou espanto generalizado porque “não tenho cara de japonesa”. E acredito que nem preciso dizer que essa interação constante com todas essas pessoas que acham que eu sou latina me força a pensar muito sobre a questão de identidade. Eu tenho que explicar o lado asiático da minha formação tão frequentemente que acabei fazendo pesquisas acadêmicas (e até mesmo escrevo para o Descubra Nikkei!) para aprender sobre a cultura nikkei. Para aprender sobre a Costa Oeste americana, sobre a história da nossa família nas plantações de açúcar no Havaí, sobre Okinawa, e sobre o que exatamente é que eu estou explicando para as pessoas quando elas me perguntam sobre a minha ancestralidade.

E eu me sinto tão feliz por ter dado início a este processo de aprendizagem. Porque agora eu estou com 25 anos, e aprendi como é rica a cultura nikkei. Eu comecei a me identificar com ela, a me sentir orgulhosa dela, e a adorar compartilhá-la com outras pessoas.

Para nós quatro, o coração da nossa herança cultural nikkei pode ser encontrado a quase 5.000 km de distância e a meio mundo do nosso sangue branco: em Honolulu, no bairro nativo e bem okinawense da nossa mãe. Mas de uma forma ou de outra, somos nikkeis. Como também brancas. Somos hapa sem preocupações [referência ao título em inglês], mas com uma grande abundância dessa mistura de orgulho nikkei e haole

 

* * * * *

O nosso Comitê Editorial escolheu este artigo como um dos seus relatos favoritos da série Família Nikkei. Aqui estão os comentários.

Comentário de Norm Ibuki:

Hopeful (Esperançoso) foi a palavra que ressoou em mim ao ler esse texto inspirador. Kimiko capta a complexidade e se pergunta o que significa ser Nikkei em 2015. A realidade hoje é que definir para si mesmo o que significa ser de descendência japonesa em nossa cultura norte-americana é uma viagem complexa que não termina realmente. Por isso, estou muito contente que Kimiko e suas três irmãs estejam interessadas em explorar as facetas de sua identidade, que incluem ser Nikkei, branco e Hapa, "com muito do orgulho Nikkei e haole misturados." Com novos jovens membros tão pensativos, inteligentes e positivos de nossa comunidade, como Kimiko, o futuro de fato é brilhante.

Comentário de Akemi Kikumura Yano:

O ensaio de Kimiko Medlock, Don't Worry Be Hapa, lança luz sobre o significado multifacetado do que significa ser "hapa" através de entrevistas com suas três irmãs, Mariko, Aiko, e Keiko. Nascidas da mesma mãe Okinawa e de pai Branco Europeu, as irmãs expressam suas experiências únicas, perspectivas e seu orgulho comum em ser bi-racial.

 

© 2015 Kimiko Medlock

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Sobre esta série

Os papéis e tradições nas famílias nikkeis são únicos porque evoluíram ao longo de muitas gerações, tendo como base variadas experiências sociais, políticas e culturais nos países para onde migraram.

O Descubra Nikkei coletou histórias do mundo todo relacionadas com o tema Família Nikkei, incluindo histórias que contam como sua família influencia quem você é e que nos permitem compreender suas perspectivas sobre o que é família. Essa série apresenta essas histórias.

Para essa série, solicitamos que o nosso Nima-kai votasse e que nossa comissão editorial escolhesse suas favoritas.

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas.

  Seleções dos Comitês Editoriais:

  Escolha do Nima-kai

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About the Author

Atualmente, Kimiko Medlock está cursando o mestrado em idiomas e culturas do leste da Ásia na Universidade de Columbia, especializando-se na história dos movimentos japoneses de libertação social. Além disso, ela é estagiária numa empresa sem fins lucrativos baseada em Washington, cujo foco são as relações com o Japão; toca taiko; e é membro da Associação Okinawense-Americana de Nova York.

Atualizado em junho de 2015

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