A vocação às vezes surge das formas mais singulares. Hamano Ryuho lembra que tinha cerca de quatro anos quando inadvertidamente começou a escrever. Ele fazia isso como se estivesse brincando, fazendo marcas no chão com um pedaço de pau.
Ele também lembra o quanto gostou dos formatos dos ideogramas. “Quando eu era criança, nas vezes que ia ao cemitério, via os kanji gravados nas lápides, e com os dedos comecei a marcar os contornos, os formatos das letras”, conta, quase surpreso com esse inusitado hábito que talvez fosse premonitório.
Essa atração inicial pela escrita o levou a se tornar um artista de shodō (caligrafia artística) e gravador de carimbos, duas profissões que poucas pessoas exercem no Japão de hoje. Embora ambos tenham técnicas específicas (como escrever cada traço, por exemplo), cada artista confere-lhe uma personalidade própria.
A beleza da simplicidade
O seu processo criativo começa pelo contacto que tem com o suzuri , a pedra em que prepara a tinta, uma ferramenta valiosa, com mais de 200 ou 300 anos, que transmite diversas sensações. Depois, há a música. “Não sou pianista, mas tocar piano e fazer shodō é a mesma coisa, porque há um começo e um fim, momentos como o crescendo, o staccato, que intervêm na pauta. Quando escrevo também há esses momentos.”
Escrever é arte para Hamano-san, é energia, é uma forma de dar força à vida, bem como ao que escreve e sente.
“O que eu quero é que ao entrar na galeria as pessoas sintam o cheiro da tinta, que através das cartas pensem nas pessoas que vieram no Sakura Maru, sintam o que essas letras transmitem.” Você não sabe o quê, e é melhor não saber, porque a arte aí se perde. A forma de apreciá-lo é diferente para cada pessoa.
Conexão Nikkei
Hamano Ryuho já visitou vários países e cidades com seu trabalho, e em vários deles pôde conhecer as comunidades Nikkei, como no Havaí, onde começou seu interesse em conhecer as relações que elas têm com o Japão.
“No Havaí, ofereci workshops em uma escola secundária. Conheci muitas pessoas e pensei que fossem japoneses. 'Ohayoo' (bom dia), eu disse a eles, e eles não sabiam o que eu estava dizendo. Eles começaram a falar comigo em inglês e percebi que, além da aparência, a identidade deles era americana.”
“No entanto, ao ministrar as oficinas, senti o interesse deles pelas suas origens. Muitos tinham nomes e sobrenomes japoneses e queriam saber como escrevê-los. Eles queriam saber sobre seus avós. Senti que não podemos abandonar as coisas que nos enraízam, como a herança japonesa, e quero transmitir isso através do shodō .”
Em 2009 retornou ao Havaí e expôs no Centro Cultural Japonês uma exposição com a escrita de mil sobrenomes japoneses referente aos 125 anos da imigração japonesa na ilha. Ele levou esta exposição no ano passado ao Museu de Migração da JICA em Yokohama, Japão.
“Pensei em quantas pessoas queriam voltar para o Japão e não conseguiram, muitas pessoas morreram, e eu queria simbolicamente levá-las de volta ao Japão, para Yohohama, de onde partiram.”
Homenagem semelhante foi a que ele quis prestar no Peru com “Sakigake”, exposição na qual exibiu os nomes e sobrenomes dos primeiros 790 imigrantes japoneses que chegaram no navio Sakura Maru.
Ao pensar nesta exposição, o artista imaginou as dificuldades que os imigrantes passaram para progredir. E conforme ele escrevia cada nome, ele dizia “otsukaresama” para cada um, vocês podem descansar agora.
“Enquanto fazia o trabalho, pensava no que são os Nikkei hoje. No caminho houve tristeza e raiva, mas agora se transformou no sorriso do Nikkei. “É o caminho para o futuro, podemos viver melhor graças a essas pessoas.”
“Uma das coisas que penso é que as sociedades nikkeis estão chegando à quinta ou sexta geração, e me pergunto quanto elas têm do Japão, quanto elas mantêm essas raízes? Ainda não encontrei uma resposta.”
“Através do shodō e dos workshops que ministro, quero que as crianças pensem sobre suas raízes. Comecei no Havaí e já viajei para vários países. Estou nessa jornada há 20 anos e sinto que estou dando forma a esse projeto.”
* Este artigo foi publicado graças ao acordo entre a Associação Japonesa Peruana (APJ) e o Projeto Descubra Nikkei. Artigo publicado originalmente na revista Kaikan nº 98 e adaptado para o Descubra Nikkei.
© 2015 Texto: Asociación Peruano Japonesa