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Ter nome nikkei no Brasil

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Eu leciono a língua e a cultura japonesa há mais de 15 anos na universidade e vejo que, hoje em dia, quase todos os alunos brasileiros sabem que a grande maioria dos nomes japoneses possui um significado. Todo início de semestre letivo, já me acostumei a escrever o meu nome Satomi em caracteres e explicar que “sato 聡” significa “sabedoria” e “mi 美” quer dizer “beleza” e que, ao longo dos anos, venho procurando corresponder à expectativa grande demais de meu pai ao escolher esse nome.

Nomes que viraram piada

Os brasileiros gostam demais de uma piada e, não raro, pessoas muito bonitas soltam trocadilhos infames. E os nomes japoneses não escapam como exemplos e se tornaram tema preferido.

Por exemplo, nomes como Kumiko, Kunio, Kubota são um tanto desastrosos. Desculpe-me por entrar direto no assunto, mas “ku” em português tem o mesmo som de uma palavra de baixo calão que corresponde a “ânus”. Outro exemplo é o nome Kagami que em japonês é bonito, mas em português se juntar o verbo “cagar” e o pronome pessoal “me”, esse nome adquire um significado vexatório.

Saindo um pouco do assunto, dizem que antigamente o embaixador do Japão era tratado por “Meritíssimo” que em japonês é Kakka. Mas como “caca” em espanhol significa “excremento em grande quantidade”, ironicamente, esse título virou motivo de risada. Ainda sobre isso, o nome Chiyoda-ku causa alvoroço nos meios econômicos, pois aos ouvidos brasileiros a menção desse bairro de Tóquio soa como “Tio dá cu”. Sinto muito por todos que trabalham arduamente em Kasumigaseki1 carregando nas costas o futuro do país, mas acho que seria mais seguro tirar o Chiyoda-ku e ficar somente Kasumigaseki.

A estratégia dos imigrantes

Pelo mesmo motivo, também os que aqui residem tiveram de armar estratégias para nomear. A minha sogra, por exemplo, quando imigrou para o Brasil aos seis anos de idade, foi cadastrada como Massako, porque se fosse escrito com um S apenas, teria som de Z, assim aconselhou o funcionário brasileiro.

Os próprios imigrantes também criaram dispositivos semelhantes. Dentre os nisseis com mais de sessenta anos, são comuns nomes como Jorge e Mário, pois têm correspondência em japonês: Jooji e Mario. O mesmo ocorre com os nomes femininos Marie e Maria.

Nomes como Yuko ou Yoko, independente de geração ou nacionalidade, são fáceis de pronunciar e, por isso, populares, mas como terminam em CO, a exemplo de nomes masculinos latino-americanos como Marco, parece que as filhas de imigrantes tiveram um pouco de problemas.

Casos assim, em que os imigrantes tiveram de quebrar a cabeça para pôr nome nos filhos e netos ficaram no passado, pois hoje em dia a grande maioria tem nomes como Henrique Toshio ou Leonardo Kei, em que o nome japonês é antecedido pelo nome brasileiro ou tornam-se nomes compostos. Chamar pelo nome brasileiro ou pelo nome japonês – cada caso é um caso – e essa preferência é dada conforme a opção do usuário, de sua família e de parentes. Aqui se entrelaçam as relações pessoais, a identidade e os sentimentos e a escolha acaba sendo perfeita. Há brasileiros que preferem chamar pelo nome japonês e somente isto já é suficiente para escrever uma tese em Linguística.

O nome japonês na era da globalização

Tenho uma ex-aluna que não é nikkei, mas possui o nome japonês de Yokohama, pois seu pai achou o som gracioso. A outra pôs o nome japonês de Ayumi na filha por ser grande fã de Ayumi Hamazaki2. As duas estão satisfeitas com seus nomes e isso é lisonjeiro.

De fato, tanto a língua como a cultura japonesa estão se globalizando. Estamos numa era em que ser japonês não implica necessariamente em ter nome japonês. Nos últimos 19 anos, tive duas oportunidades para dar nomes. A primeira foi quando nasceu o meu filho e a segunda foi para escolher um nome para o laboratório de multimídia do departamento de Língua Japonesa.

Nosso cão de estimação Will

Em ambos os casos, procurei escolher nomes curtos com um significado bom e que não sirvam de motivo de piada de brasileiros. O meu filho ficou sendo Leonardo, pois na época havia um jogador de futebol muito popular em todo o país com este nome e o nome japonês, Kei. Quanto ao nome para o laboratório, um professor brasileiro com conhecimento da cultura japonesa sugeriu Basho3, mas por ser Rio de Janeiro, acabou sendo Minato, que em caracteres japoneses seria Mi 美 (bela) + na 南 (Sul) + to 都 (cidade). Fico muito feliz porque os dois nomes são apreciados até hoje.

Nosso cão de estimação chama-se WILL e quem pôs esse nome foi o meu filho, quatro anos atrás. Não é um nome japonês e, tanto os japoneses como os brasileiros não conseguem pronunciá-lo direito. Nós dizemos “Uiru” à moda japonesa e os brasileiros pronunciam “Vil”. Mas isto não é problema de jeito algum, pois o Golden Retriever vem correndo abanando o rabo na maior alegria.

Notas da tradução:

  1. Distrito situado no bairro de Chiyoda-ku, em Tóquio, onde se localiza o centro financeiro e político do país.
  2. Cantora considerada a “Imperatriz do J-Pop”.
  3. Matsuo Basho, mestre de haiku, o mais conhecido poeta da Era Edo.

 

* * * * *

O nosso Comitê Editorial escolheu este artigo como um dos seus relatos favoritos da série Nomes Nikkeis. Aqui estão os comentários.

Comentário de Yukikazu Nagashima:

O nome, na maioria das vezes, acompanha a pessoa pela vida inteira. Nesse sentido, pode-se dizer que o nome exerce influência na formação da personalidade. Nome esse que os pais escolhem na esperança de que seja o melhor.

Sob esse ponto de vista foi que li o artigo de Satomi Takano Kitahara. De qualquer forma, por eu residir em outro país, chamou-me a atenção porque praticamente desconheço as dificuldades por que passaram os nikkeis do Brasil. Mas, primeiramente, não posso deixar de sentir empatia pelas pessoas que tiveram seu precioso nome ser alvo de piadas. O nome Kumiko, por exemplo, creio que os pais escolheram-no desejando que a filha permaneça bela para sempre. Agora, que esse nome seja alvo de piadas relacionadas a ânus, isto é algo inadmissível. Conforme a autora, sem dúvida, é uma “crueldade”.

A estratégia usada pelos imigrantes de pôr um nome brasileiro junto com o nome japonês é também um aspecto bastante interessante. “Chamar pelo nome brasileiro ou pelo nome japonês – cada caso é um caso - e aqui se entrelaçam as relações pessoais, a identidade e os sentimentos, e a escolha acaba sendo perfeita”. Ou seja, por qual dos nomes chamar, depende do relacionamento pessoal ou dos sentimentos do momento. Certamente faz sentido quando a autora aponta que isto é matéria suficiente para se escrever uma tese em Linguística.

Também entre os nikkeis americanos há o costume de chamar ora pelo nome japonês ora pelo nome americano, dependendo das circunstâncias. Que isso depende do estado mental do momento é certeza, mas, além disso, é facilmente imaginável que existam fatores históricos e sociais. No caso dos nikkeis dos Estados Unidos há que se considerar o fato histórico do encarceramento de civis japoneses em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Alguém ser chamado pelo nome americano desde a infância, talvez estimule a formação de sua personalidade como sendo americano. Ao contrário, ser chamado pelo nome japonês, talvez obrigue-o a conscientizar-se de que deve conhecer a cultura japonesa.

Também nota-se a tendência de dar nome segundo a faixa etária. Os descendentes de terceira e quarta geração possuem apenas nome americano. Pensar o porquê disso é também interessante. Por que seus pais não lhe deram nome japonês?

Ao se pensar sobre os nomes, aparecem diversos pontos de vista interessantes. O suficiente para se escrever não apenas uma, mas várias teses.

 

 

© 2014 Satomi Kitahara

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Sobre esta série

O que um nome quer dizer? Esta série apresenta histórias que exploram os significados, origens e as histórias ainda não contadas por trás dos nomes pessoais nikkeis. Estes podem incluir primeiros nomes, sobrenomes e até mesmo apelidos!

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About the Author

Atualmente é Professora Adjunta do Departamento de Letras Clássicas e Orientais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Setor de Língua Japonesa e Coordenadora do Programa de Intercâmbio Acadêmico Cultural Contemporâneo Brasil - Japão.

Possui Graduação em Estudos Luso-Brasileiros / Letras: habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio; Mestrado pela Universidade de Tsukuba em Estudos Internacionais de Área – Curso de Estudos Latino-Americanos; foi bolsista da Fundação Memorial Ishizaka Taizo do Nippon Keidanren; obteve o título de Ph.D. pelo Programa de Sociologia da Universidade de Brasília; é Doutora em Sociologia.

É membro e fundadora do Setor de Língua Japonesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, assim como da Classe Internacional da Escola de Ensino Médio da cidade de Hamamatsu. Foi bolsista do Programa Fellowship de Estudos Japoneses da Fundação Japão. Vive no Brasil há 21 anos.

Atualizado em novembro de 2012 

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