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História nº 22 (Parte II): “Gláucia” – por onde ela anda agora?

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Parte I >>

Kazue caiu de amores por Jackson, 12 anos mais novo que ela, mas chegou um dia que não suportou mais os maus tratos e pensou em terminar o relacionamento. Era domingo à noite.

Na manhã de segunda-feira, a faxineira entrou no apartamento e encontrou Kazue desmaiada no living e chamou a ambulância.

Kazue foi levada ao hospital e teve de ficar internada devido à gravidade dos ferimentos.  Jackson fugiu no carro novo de Kazue e levando também as joias, o computador e os cartões de crédito dela.

Dois meses depois, o irmão mais velho de Kazue que morava no Japão, tão preocupado ficou que retornou ao Brasil. Tinha ido buscar a irmã. Como a polícia não havia descoberto o paradeiro de Jackson, Kazue  corria o mesmo perigo que antes.

Ela contou à família a vida deprimente que tinha levado nesse um ano e meio e, com o coração mais aliviado, de bom grado acompanhou o irmão rumo ao Japão.

Foi numa tarde de agosto, quando os termômetros acusavam altíssimas temperaturas no Japão, que eles chegaram ao destino. Sendo dia de semana, ninguém da família pôde ir aguardá-los no aeroporto, mas chegando a noite um grande número de pessoas apareceu para dar boas vindas a Kazue.

Até sua ida ao Japão, Kazue não sabia exatamente quantos parentes tinha trabalhando lá como decasségui. Por isso, ficou bastante emocionada vendo que todos a tratavam com atenção e, principalmente as crianças, que logo a abraçaram com grande alegria dizendo: “É a nossa titia do Brasil!”.

Exatamente 21 anos antes, terminando o ensino médio, o irmão de Kazue foi ao Japão como decasségui, trabalhou muito durante 10 anos, após o que se casou com uma colega da fábrica chamada Mariza. Ela era uma nikkei peruana que estava residindo no Japão havia muitos anos, junto com os pais e quatro irmãos.

Iniciando sua vida de casado, ele alugou uma grande casa, onde passaram a morar todos juntos: ele, a esposa, os pais e os irmãos dela. Depois de passar 10 anos morando sozinho, de repente, ele passou a fazer parte de uma família de oito pessoas e sua vida foi ficando cada vez mais plena. Nasceram-lhe três filhos, seu trabalho ia bem e agora participava nos eventos da comunidade local.

Foi então que seu pai comunicou-lhe a situação de Kazue no Brasil e ele pensou em ajudar a irmã de algum jeito. Todos da família da esposa disseram que o apoiariam e, dessa forma, ele foi buscar a irmã.

Kazue adaptou-se ao novo país mais depressa do que se esperava. Nos primeiros seis meses, ela ficou ajudando nas tarefas domésticas e também acompanhava a Obaatchan que levava os três netos ainda pequenos ao passeio no parque. Mas um dia, veio uma oferta de trabalho.

Um conhecido de seu irmão tinha acabado de abrir uma loja de produtos brasileiros e Kazue foi convidada a trabalhar lá. Ela, que tinha dedicado sua vida toda ao trabalho em salão de beleza, a princípio ficou indecisa, mas com o apoio da família acabou aceitando.

Assim, graças ao convívio com os clientes do “Aqui em casa”, que era o nome da loja, Kazue passou a ver as coisas por um prisma mais otimista, foi se interessando por diversas coisas, enfim, seu horizonte foi se alargando.  Aos poucos, estava se abrindo um novo caminho em sua vida.

Por outro lado, em algum lugar do Brasil, um jovem sentado na calçada repete sem cessar algo como: “Gláucia, onde está você”, enquanto pede esmola estendendo uma lata vazia. Mas nenhum passante lhe dá a mínima. 

 

© 2014 Laura Honda-Hasegawa

Brasil dekasegi ficção trabalhadores estrangeiros Nikkeis no Japão
Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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