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O kmuti, o nabo e o alho

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Fui a Recife a negócio e na volta resolvi visitar um amigo que morava em Brasília. Pensei em levar a ele algo que pudesse agradar e me ocorreu levar Kmuti, coreano que beliscávamos no “drive range” (bate-bolas) de golfe freqüentado pelos nikkeis. Era cerveja, kmuti e suor. Passei numa loja de produtos orientais e comprei kmuti, conserva de nabo em pimenta vermelha e alho descascado.

O presente ao amigo que virou um drama inesquecível....

Quando vi o conjunto, logo vislumbrei o risco e pensei em desistir. O cheiro era forte. Mas, o dono da loja convenceu-me de que cuidaria da embalagem para evitar qualquer transtorno. Ele já havia feito isso para outros clientes. Já dentro do carro, no trajeto para casa, percebi que nada do que ele dissera era verdade. O cheiro prenunciava o drama.

Quando estava terminando de preparar a bagagem de viajem, minha esposa trouxe aquele pacote perguntando do que se tratava. Expliquei o ocorrido dizendo que havia desistido de levar o presente, dizendo=lhe o motivo. Aí ela disse com toda tranqüilidade, “Ah! Se for isso pode deixar comigo vou dar um jeito!”. E embrulhou o pacote em papel alumínio e vedou fortemente com fita adesiva. Fiquei com uma ponta de dúvida, mas, quando dei conta da situação, o novo pacote embalado já estava no porta malas do carro com que me levaria ao aeroporto.

No aeroporto de Congonhas fiz o “check in”  e fui para a sala de embarque. Acomodei-me num assento e logo em seguida, sentou ao meu lado, um senhor de meia idade. Abriu um jornal e começo a ler. Logo olhou de um lado para outro e foi sentar em outro lugar. Senti cair uma ducha de água fria sobre mim. Da sacola aos meus pés exalava aquele cheiro incontestável. Pensei em ir ao banheiro e jogar a sacola no lixo, mas, pensei, “pêra aí, vem que alguém venha desconfiar e a coisa pode complicar,,, Nessas horas ocorrem mil idéias engenhosas, mas não totalmente convincentes.

Aí passei a dizer a mim mesmo. Calma. Talvez o drama não seja tão sério quanto estava imaginando. Dentro do avião, o ar é pressurizado e o sopro vindo do orifício superior não iria permitir a propagação do cheiro e assim, o pior estava para ser superado ali na sala de espera.

Logo foi anunciado o embarque e a fila começou a mover para dentro da aeronave. Meu assento era no lado da janela. Normalmente ficamos ansiosos para que alguma beldade venha sentar ao lado, mas naquele momento fiquei rezando para que ninguém viesse. Minhas preces foram em vão. E logo sentou no lado do corredor um senhor gordo. A sacola aos meus pés parecia rir de mim. O assento do meio ficou vago até quando o anúncio de decolagem. Logo começou a funcionar o sistema de pressurização e o ar fresco a soprar sobre a cabeça. Senti um alívio. Era a minha esperada salvação.

Mas a duração do vôo até Recife é de longas três horas! A certa altura o senhor ao lado levantou, pensei que ia falar com a aeromoça, mas foi ao banheiro para se aliviar da cerveja tomada. Aproveitei para testar o pacote. Era repugnante! De arregalar os olhos! Fiquei pensando, “Nunca mais!”.

Quando cheguei a Recife era meia noite e meia. Só com o tempo suficiente até jogá-lo dentro da geladeira, o cheiro já tinha se propagado pelo quarto. Uma agonia! Na manhã seguinte. Após o café, saí de fininho do hotel, imaginando o espanto da camareira ao abrir para conferir o consumo da geladeira. Mas já não tinha o que ser feito. Pensei comigo, deixe acontecer...

Depois de terminar o serviço, passei num supermercado e comprei uma caixa de isopor, - aqueles de levar peixe - e voltando ao hotel enfiei o pacote e lacrei com várias voltas e fita adesiva.

No vôo para Brasília o pacote não me incomodou, não traindo minhas expectativas. Senti-me liberado de todo o drama só quando entreguei o pacote ao meu amigo que veio me buscar no aeroporto.

Meu amigo não sabe o drama que passei para levar o pacote. Se, - ao menos, ao provar a delícia coreana que levei com tanto custo, - ele se recordar, com uma ponta de saudade, dos petiscos de kimuti daquele “drive range” freqüentado por tantos nikkeis e coreanos vou sentir-me recompensado.

Muitas lojas de produtos orientais do Bairro da Liberdade em São Paulo que antes eram de japoneses, hoje são de imigrantes de Taiwan, Coréia do Sul e da China.

© 2013 Hidemitsu Miyamura

Brasil comida
Sobre esta série

Ser nikkei é intrinsecamente uma identidade com base em tradições e culturas mistas. Em muitas comunidades e famílias nikkeis em todo o mundo, não é raro usar tanto pauzinhos quanto garfos; misturar palavras japonesas com espanhol; ou comemorar a contagem regressiva do Reveillon ao modo ocidental, com champanhe, e o Oshogatsu da forma tradicional japonesa, com oozoni.

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About the Author

Hidemitsu Miyamura, nascido em 01/01/1944 em Paraguaçu Paulista. Estudou japonês na infância em Apucarana no norte do Estado do Paraná. É engenheiro mecânico formado na Universidade Federal do Paraná. Trabalhou na empresa NEC do Brasil por 34 anos, retirando-se em 2001. Casado com a médica Alice, é pai de Douglas Hidehiro e Érica Hiromi. É autor do livro Kagiri Naku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い) publicado em 2005. Escreve crônicas no São Paulo Shimbun.

Atualizado em janeiro de 2013

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