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O Chile e a imigração japonesa - Parte 1

Introdução

A emigração japonesa teve início quando chega ao fim três séculos de sakoku, o Japão se aproxima de outras nações através de tratados de amizade e comércio (com o Chile em 1897) e propicia a saída dos dekasegi em parte para aliviar o grave drama social vivido pela maioria de sua população. Milhares de famílias respondem a esta proposta proveniente do governo, se dispersando pelo mundo em busca de trabalho que seu país não pode oferecer. As Américas acolhem a maioria destes emigrantes oficiais.

No entanto, nem todos os países abrem suas portas. Entre estes está o Chile. Apesar desta recusa, certo número de japoneses cruzam suas fronteiras como viajantes atraídos por estas regiões quase míticas localizadas no outro extremo do mundo. Dentre estes aventureiros de passagem, alguns acabam se estabelecendo por algum tempo. São aqueles surpreendidos pelas contagens dos censos. Assim sendo, o censo populacional de 1875 registra os primeiros dois japoneses estabelecidos no território nacional, e uma década mais tarde contabiliza 51 apesar do Chile ter vivido entre 1879 e 1882 uma sangrenta guerra com seus vizinhos Peru e Bolívia. Certamente, o triunfo chileno e o auge da extração de salitre serviram como incentivos para atrair aventureiros de todas as raças. Entre eles havia alguns japoneses. E quem eram estes? Até hoje eles permanacem uma incógnita porque não chegaram a criar raízes. Decidiram que suas modestas poupanças eram suficientes, e retornaram ao seio da família que os esperava no país natal.

Com o passar dos anos, alguns acabaram se estabelecendo de forma definitiva, submergindo numa realidade oficial que não se dá conta de sua presença. Como indivíduos anônimos, devem superar por si mesmos a solidão, a perda das raízes, e o desconhecimento do idioma e dos costumes. Enquanto isso, eles procuram através do país modestas fontes de trabalho pois são vítimas inocentes de uma política governamental que faz de tudo para acomodar as centenas de milhares de imigrantes europeus que haviam chegado e que continuam a chegar ao Chile em sua fuga de guerras e misérias. Ao seu favor, os japoneses possuem apenas um ar de liberdade que nunca haviam respirado e uma população mestiça em campos e cidades que os recebem com amistosa curiosidade.

Mesmo com todas as dificuldades, o censo de 1907 registra a residência de 209 japoneses, dentre os quais estão as cinco primeiras mulheres. Em 1940 seu número já havia crescido para 948, mas a guerra no Pacífico (1941-45) acaba por romper a rota migratória. Como consequência, apenas nos anos 50 retornou o fluxo de imigrantes que trouxeram outros nomes, outros dramas e até mesmo outros kami . A eles se acrescentarão os nikkeis que, honrando seus antepassados pioneiros, vão ganhando espaço na sociedade chilena.

O repúdio à imigração oficial

Devido à sua localização geográfica o Chile era uma verdadeira ilha, vivendo um espontâneo sakoku até meados do século XIX. Uma cordilheira inóspita o isolava ao leste, enquanto que ao oeste se encontrava um enorme oceano que nada tinha de pacífico – com suas terríveis tempestades e geleiras eternas – e ao norte o deserto mais seco do mundo. Foi somente com a chegada dos conquistadores espanhóis a partir de 1536 que teve início o processo de mestiçagem e da formação do povo chileno, criando-se ao mesmo tempo uma cultura mestiça fortemente influenciada pela cultura e costumes da Espanha e da Europa em geral. Surge assim o idioma oficial, a religião, os valores, os costumes, a visão do mundo, os gostos e as fobias. Entres estas últimas está o menosprezo por tudo que era autóctone e ancestral, e a desconfiança de tudo que se situa além dos parâmetros culturais impostos. A emergente classe alta mestiça, orgulhosa de sua herança sanguínea recém-adquirida, se empenha a imitar os modelos europeus, especialmente os espanhóis. Desta forma, com a chegada do século XIX e da guerra da independência (1810-1818), esta classe dominante chilena passa a governar a república nascente. Teve fim o domínio físico da Espanha, mas sua presença continua através destes descendentes que sonham em tornar o Chile um país europeu de acordo com a herança cultural de três séculos de um colonialismo isolado.

Com a assinatura do Tratado de Amizade e Comércio entre o Japão e diversos países das Américas (com o Chile em 1797), os dekasegi oficiais começam a ser vistos no continente. No entanto, numerosos pedidos para que o governo chileno traga imigrantes japoneses resultam numa negação firme e persistente por parte das autoridades, políticos e empresários que respondem mecanicamente a sua herança européia. (A raça branca é a única valorizada.)

Após o primeiro requerimento oficial pró-imigração efetuado pela “Transoceanic Emigration Company” em 1904, tem início uma ardente campanha opositora que se manterá em vigor até 1915 apesar de que em 1909 abrem as portas da Delegação Japonesa com a presença do bem-recebido Ministro Eki Hioki. Em seguida, as manifestações xenófobas ficam encubadas mas à espreita. Reaparecem com ímpeto durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) através de medidas persecutórias, semeando mentiras e ódio que felizmente não chegam a destruir a simpatia natural que a população chilena sente pelos estrangeiros. Algo parecido ocorre em 1957 quando uma licença à caça de baleias leva a violentos debates no interior da câmara de deputados e no senado, e a um grande escândalo na imprensa. Finalmente, em 1959-60 (agora sem escândalo público) fazem fracassar as propostas do embaixador Rokuzo Yaguchi, as quais visam trazer uma centena de famílias de camponeses japoneses à região de Aysén [no norte da Patagônia] e ao interior do país.

Mesmo assim, com a chegada da segunda metade do século XX outros ventos podem ser sentidos. Diversas empresas japonesas passam a ter importância na vida econômica do país (de 1954 em diante), a Delegação Japonesa é reaberta, os produtos manufaturados japoneses começam a ter preferência, e novos imigrantes buscam um local para tornar o Chile sua segunda pátria.

A realidade enfrentada pelos imigrantes

Os imigrantes chegam sem qualquer assistência oficial, sozinhos, utilizando seus próprios recursos, desorientados no meio de palavras e costumes incompreensíveis. Ele vêm de diferentes famílias e províncias (ou “prefeituras”; apenas três prefeituras japonesas não enviaram emigrantes ao Chile), sem contatos entre si, pisando no território chileno em momentos distintos e em pontos distintos da fronteira. Dentre eles estão os filhos de famílias relativamente bem situadas de comerciantes, de camponeses com terras, de militares, de samurais com seus privilégios já expirados. Também alguns marinheiros que pararam na costa do país, imigrantes oficiais de países vizinhos que ao término de seus contratos seguiram rumo ao Chile, profissionais com contratos exclusivos e, um pouco mais tarde, alguns imigrantes chamados ao país (yobiyose ).

A realidade que os recebe é tanto doce quanto amarga. O lado doce é resultado dos ecos triunfalistas da Guerra do Pacífico (contra o Peru e a Bolívia), da conveniente neutralidade chilena durante a Primeira Guerra Mundial e do tilintar de moedas que é consequência do auge da extração do salitre. O lado amargo é constituído pelas sistemáticas levas de imigrantes europeus que ocupam os melhores cargos em condições privilegiadas. Pelo salitre sintético que supera a importância do salitre natural cuja exportação desaba precipitosamente, trazendo sofrimento a trabalhadores e vilarejos no norte do país. Pela inflação que dispara devido ao futuro imprevisível e aos gastos excessivos resultantes das políticas governamentais. Pela miséria que tende a se expandir com a crise mundial de 1929, e também pelas muitas vicissitudes decorrentes da Segunda Guerra Mundial quando o Chile se vê forçado a tomar partido dos Aliados.

As excepcionais condições de vida existentes no primeiro quarto do século desaparecem repentinamente. O cobre começa a tomar o lugar da extração do salitre, mas serão necessárias seis longas décadas para que apareçam novas oportunidades de um ressurgimento econômico efetivo. A luta pela vida é associada ao suór e às lágrimas.

Devido a esta realidade, apesar de nossos imigrantes serem provenientes de famílias que não viviam na miséria no Japão, aqui – não obstante sua preocupação desmedida com o trabalho – só puderam se estabelecer na camada social inferior ou na intermediária da classe média chilena. Apenas uma pequena minoria alcançou a camada superior desta mesma classe.

Dispersão geográfica e diversidade de fontes de emprego

Os 200 japoneses da primeira década do século XX se instalaram em pelo menos nove localidades na área de 3.000 quilômetros do território nacional – se bem que é verdade que a maioria se concentrou no norte salitreiro e na zona central. Em 1920 seu número havia triplicado, mas continuam a se dispersar pois agora os encontramos espalhados em um número duas vezes maior de localidades. Certamente, esta distribuição geográfica só pode ser explicada das seguintes formas: a) não possuíam laços familiares ou objetivos em comum que os unissem b) as oportunidades de trabalho eram poucas devido à abundante mão de obra européia e à situação existente que se agravava e c) o passar dos dias e meses agravavam necessidades que exigiam decisões imediatas. Estas situações os levaram ao nomadismo, tirando proveito de sua liberdade e de sua excepcional capacidade de trazer dignidade a todos os tipos de trabalho. As distâncias perderam o significado. No final dos anos 30, pouco mais de 900 japoneses chegaram a ter permanência regular no Chile, tendo estabelecido residência em 23 das 25 províncias do país apesar de que estas residências mantêm um caráter temporário para alguns deles. No final, quase todos os imigrantes viveram em mais de uma localidade chilena e exerceram mais de uma ocupação.

Suas fontes de emprego eram incrivelmente variadas. Foram registradas mais de 40 ocupações distintas. O trabalho independente obteve o mais elevado percentual (43%), onde se destaca a profissão de barbeiro (43%). O comércio proporcionou trabalho a 24%, a condição de empregado a uns 15% e o cultivo da terra a outros 15%. Os 3% restantes exerceram profissões diferentes. Os trabalhos independentes foram variados: chapeleiro, tintureiro, tradutor, pasteleiro, massagista, jardineiro, etc. O comércio era dividido em ramos e níveis, e contribuiu marcadamente para a dispersão de nossos imigrantes por todo o país. No ramo agrário encontravam-se aqueles que trabalhavam no cultivo do arroz e de outros cereais, os que cultivavam plantas ornamentais e flores em grande escala. Além destes, havia chacareiros, avicultores e apicultores.

Devemos acrescentar que os japoneses estabelecidos na zona de mineração não se dedicavam às atividades extrativas, preferindo ao invés o comércio ou a prestação de serviços. As atividades pesqueiras também tiveram poucos adeptos; o pequeno capital investido foi destinado principalmente ao comércio e à agricultura.

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© 2008 Ariel Takeda

Chile comunidades Convenções da Associação de Nikkeis Pan-Americanos COPANI 2007 migração
Sobre esta série

Este é uma série de artigos e relatos sobre a Convenção Conjunta COPANI & KNT realizada entre 18 e 21 de julho de 2007 em São Paulo.

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About the Author

Ariel Takeda é professor formado em Letras. Um nisei, Takeda nasceu e cresceu no sul do Chile. Há seis anos, ele trabalha como diretor e escritor do boletim “Informativo Nikkei” da Sociedade Beneficente Japonesa. Em 2002, ele foi o autor principal do capítulo sobre a emigração japonesa na Enciclopédia dos Descendentes Japoneses nas Américas: Uma História Ilustrada dos Nikkeis (AltaMira Press). Em 2006, Takeda publicou o livro Anedotário Histórico: Nipo-Chilenos (primeira metade do século XX). Ele continua a pesquisar e escrever sobre a cultura japonesa. Atualmente, ele está trabalhando no projeto “Nipo-Chilenos – Segunda Metade do Século XX)” e no romance “O Nikkei – À Sombra do Samurai”.

Atualizado em novembro de 2012

 

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