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Capítulo 4 Colônia Iguazu: Lar da Cultura Japonesa e dos Artesãos

De janeiro a fevereiro de 2007, o autor viajou pelo norte do Paraná e pelo Paraguai. O objetivo principal desta série é relatar a história e a atualidade dos bairros japoneses no Brasil, mas, desta vez, excepcionalmente, o autor irá incluir as impressões que teve ao visitar Yguazú, terra onde estão muitos imigrantes nikkeis paraguaios.

A Foz do Iguaçu, famosa pelas cataratas do Iguaçu está ligada ao Paraguai por uma ponte que atravessa o rio Paraná. Ao atravessar esta “Ponte da Amizade”, se chega na segunda maior cidade do Paraguai, Ciudad Del Este. Sendo um porto livre onde há muitos imigrantes chineses (principalmente Taiwaneses), é chamada também de “Hong Kong da América do Sul“. A Ciudad Del Este é ligada à capital, Assunción, pela rodovia nº 7, uma viagem de cerca de uma hora em ônibus local. No KM 42, fica a Colônia Yguazú, chamada “Colônia Japonesa”.

Mapa: Paraguai e a Colônia de Yguazú (criado pelo autor)

A imigração de japoneses ao Paraguai começou em 1936. Por trás disso está, como tinha sido mencionado antes, a exaltação do nacionalismo e intensificação da tendência anti-nipônica. Em 1934, com a promulgação da lei de Cotas de Imigração (que determinava que a quantidade de imigrantes assentados não podia superar 2% da população), o número de imigrantes japoneses, que era de 20 mil por ano, passou de uma vez para o limite de 2.500 pessoas. Com isso, rapidamente foram iniciados os preparativos para imigração ao Paraguai em 1936, sendo que em junho vieram do Brasil imigrantes prospectores japoneses, e, em agosto chegaram ao Paraguai os primeiros imigrantes do Japão. No sul do país, foi iniciado, em La Cormena, o estabelecimento de imigrantes.

Ocorreu que o tempo de preparo para o estabelecimento de La Cormena foi curto e ocorreram muitos ataques de gafanhotos, o que acabou fazendo com que muitos cultivadores resolvessem abandonar o campo, sendo um período bastante sofrido. E também, em 1941, com a Segunda Guerra Mundial, o Paraguai, assim como o Brasil, declarou o fim das relações com o Eixo Alemanha-Japão-Itália, o que fez com que o apoio do governo japonês aos imigrantes também fosse encerrado. Os imigrantes japoneses, considerados “estrangeiros inimigos”, foram forçados a eliminar escolas de língua japonesa e agremiações de jovens, e todos os nikkeis do Paraguai foram, durante o período da Guerra, agrupados em La Cormena.

Com o fim desta tragédia, a imigração de japoneses ao Paraguai foi reiniciada em 1952. Em 1959, foi estabelecido um acordo de imigração entre Japão e Paraguai, sendo que em 1961 foram iniciadas as pesquisas de viabilidade. Na atual região do Yguazú, devido ao desenvolvimento agrícola pelo governo paraguaio da época, foi estabelecida uma zona triangular agropecuária entre Assunción, Encarnación e Presidente Franco. No ano anterior foi criada a rodovia nº 7, que liga Assunción ao Brasil, o que trouxe grandes expectativas de desenvolvimento à região. Neste cenário, em 1960 foi estabelecida uma colônia em Assunción e, em agosto do ano seguinte, foi iniciada a imigração. Assim, passou-se cerca de meio século desde a criação até o presente momento.

A primeira impressão que o autor, que mora em Brasília, no Planalto Central do Brasil, teve exatamente após descer do ônibus em Yguazú foi a de um calor estonteante. O autor foi percorrendo pela estrada de pedra, que não existia quando tinha vindo dez anos antes, sob o sol escaldante, rumo à hospedagem Fukuoka-Ryokan. Por causa do tremendo calor, ninguém andava naquela hora do dia. Ao perguntar, em espanhol com sotaque de português, a um garoto paraguaio que, por coincidência, estava passando de bicicleta, por orientações, ele respondeu ao autor “Atchi, atchi (é lá, é lá)”, em japonês.

Foto 4-1: Grande portal Torii erguido na frente da Associação de Descendentes de Japoneses (foto tirada pelo autor em 2007)

Na hospedagem, o autor se encontrou com o Sr. W, que seria seu guia. O Sr. W é funcionário de uma ONG japonesa, promovendo o florestamento na região. Acompanhado do Sr. W, visitou a associação de descendentes de japoneses, onde o Sr. H, diretor administrativo, o recebeu. Devido à sua fluência e seu gestual, pensou que fosse japonês, mas o autor veio a saber que ele era nissei, nascido no Paraguai. O que impressiona em primeiro lugar no Paraguai é o nível de difusão e proficiência da língua japonesa entre os nisseis e sanseis. É claro que há no Brasil muitos nikkeis fluentes, mas esse número está caindo gradualmente. O Sr W tinha os trejeitos de um japonês e dava de certo modo a impressão de um jovem prestativo diretor de uma prefeitura do interior do Japão. É provável que tivesse sido assim também entre os nikkeis brasileiros de algumas décadas atrás. Mesmo assim, o Sr. H disse que o número de pessoas que têm fluência no japonês tem diminuído.

Lendo o “Anuário da comunidade de descendentes de japoneses de Yguazú de 2006”, pode-se verificar que a população era de cerca de 9.200 pessoas e área total era de 87.663 hectares (dos quais cerca de 10.000 hectares eram inundados pelas águas do lago Yguazú) e que as terras eram quase todas destinadas à agropecuária. Havia cerca de 250 famílias de nikkeis, e 1.676 famílias de não-nikkeis.

Foto 4-2: Plantações de soja que chegam até o lago Yguazú (foto tirada pelo autor em 2007)

Em seguida, o Sr. O, funcionário da associação de descendentes de japoneses  mostrou a cidade de carro. É claro que todas as janelas do carro estavam completamente abertas mas, ainda assim, estava quente. O Sr. O, que trabalhava na associação de dia e freqüentava a universidade de noite falava com um japonês em nada diferente dos jovens japoneses. Na cidade, havia instalações básicas como prefeitura, associação de produtores, supermercado cooperativo, escola primária e ginasial, escola de língua japonesa, igreja, creche, centro de estudos, centro de intercâmbio cultural, ambulatório, delegacia de polícia, silo, beneficiadora, tribunal, posto telefônico, correio, campos de futebol, beisebol e críquete, parques, campos de golfe, piscina, posto de gasolina, cartório. A escola de língua japonesa vai até o nível colegial e, para uma comunidade de menos de 10.000 pessoas, tem um nível de desenvolvimento invejável. Saindo da cidade, há grandes campos de soja, se entendendo até a lagoa de Yguazú.

No entardecer, junto com o Sr. W, o autor visitou uma fábrica de taikos. Na verdade, esta é a terceira vez que o autor vem a Yguazú. O tio-avô do autor viveu como funcionário da empresa de imigração do Japaão e, após deixar o emprego, se fixou nesta terra, passando a trabalhar na lavoura. No último ano de sua vida ele voltou ao Japão e faleceu lá, mas seus filhos vivem como cidadãos paraguaios em outras cidades do país. Ao contar esta história ao guia, o Sr. W, o autor descobriu que a fábrica de tambores taiko que iria visitar tinha pertencido a este tio-avô. O Sr. W comentou, sorrindo, que achava que realmente havia uma conexão feita pelo destino.

Foto 4-3: Fabricação do cilindro de taiko na oficina de taikos de Yguazú (foto tirada pelo autor em 2007)

A fábrica de taikos foi criada devido à vinda dos irmãos S, que se apresentaram e indicaram métodos de produção. Atualmente, o marceneiro I é a figura central, reunindo construtores que fazem tudo menos os prendedores metálicos, utilizando materiais obtidos na região para fabricar peças de taikos japoneses, assim como realizar a troca de couro. O cilindro dos tambores também era feito de cana fito e peroba, madeiras do Paraguai, que não obstante dizem possuir um som com profundidade que não perde para a zelkova japonesa.

“Os taikos feitos na Brasil são bastante modificados. Aqui, tanto a construção dos taikos e sua coreografia são baseadas na tradição japonesa”, disse o Sr. S, durante o intervalo, um dos mais novos imigrantes, que veio com o irmão em 2002 para Yguazú. No fim da tarde, são realizados treinos no espaço anexo à oficina de taikos. Garotos e garotas, batiam taikos, mesmo sendo o início da noite, o calor era suficiente para o suor aflorar da pele, O Sr. S, entrou no meio dos jovens e com grande ímpeto, deu lições para eles.

Foto 4-4: Cena do treino de taiko na oficina de taikos de Yguazú, onde temos o Sr. S como orientador (foto tirada pelo autor em 2007)

Como tópico relevante recente em relação à Colônia Yguazú, temos a “imigração de Tanabata”. Desde 1997, uma vez por ano, é aberta uma feira modelo de produtos agrícolas, a “Expo Yguazú” sendo que em agosto do ano passado foi aberta a 9ª Expo Yguazú, onde estavam expostos enfeites de Tanabata na seção de alimentos japoneses, enviados pela Associação de Miyagi do Brasil. Nos jornais brasileiros em língua japonesa, foi escrito que “os enfeites de Tanabata tinham imigrado”. Na oficina de taikos, soube que receberam no ano anterior a encomenda de trocar o couro de taikos trazidos de Belém. E assim tem se mantido todos os anos o intercâmbio com a comunidade nikkei brasileira com grande intensidade.

Sete a oito anos atrás, ocorreu o projeto “Lar da cultura e dos artesãos Yguazú, na concepção de uma Japan Town ”, onde artesãos habilidosos japoneses foram convidados e transmitiram técnicas para os paraguaios. Segundo o Sr. W., esta concepção volta a chamar a atenção. Quando o sol se pôs e o som dos tambores, que estavam tocando até então parou, pareceu que o calor intenso finalmente cedeu. Nesta cidade, estranhamente cheia de sentimentos japoneses, a qual o tio-avô do autor adotou como segunda terra natal, foi possível perceber um modelo ideal de cidade japonesa no continente sul-americano.

Referências.

* http://federacion.hp.infoseek.co.jp/inmigracion/inmigracion.html

* http://federacion.hp.infoseek.co.jp/colonia/yguazu/colonia_yguazu.html

© 2007 Sachio Negawa

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Sobre esta série

O bairro japonês de São Paulo — sempre que eu me vejo imerso nele, cercado de caos por todos os lados, invariavelmente eu sinto a minha mente como que vazia por um instante e me pergunto: “por que teriam esses japoneses atravessado os mares e construído, do outro lado do mundo, um bairro só deles?”.

Nesta coluna, eu gostaria de dividir com os leitores a história e a imagem contemporânea dos bairros japoneses que eu visitei, procurando não me afastar da pergunta que abre este artigo.

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About the Author

Sachio Negawa é professor-assistente dos departamentos de Tradução e Línguas Estrangeiras da Universidade de Brasília. Mora no Brasil desde 1996. É especialista em História da Imigração e Estudos Comparativos entre Culturas. Tem-se dedicado com afinco ao estudo das instituições de ensino nas comunidades japonesa e asiática em geral.

Atualizado em março de 2007

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