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Capítulo 9 A Formação e Desenvolvimento do Bairro Oriental 4 -Era da introdução de empresas japonesas no Brasil

Rua Tomás de Gonzada, em meados da década de 1970 – decorações elétricas chamativas, japoneses de terno saindo cambaleando de clubes noturnos, levados por atendentes [NT: no original hostess, empregadas dos estabelecimentos cuja função era fazer companhia aos fregueses], de maquiagem pesada, que se despediam com doces palavras – no bairro oriental, havia a “face noturna” de bairro de diversão noturna.

Como falado até o artigo anterior, sobre a nova concentração de nikkeis na região do bairro da Liberdade no pós-Guerra e a formação do bairro oriental, temos três momentos: 1) a inauguração do Cine Niterói, em julho de 1953; 2) A fundação do Centro da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa no Brasil, em abril de 1964; e a inauguração da Estação Liberdade em setembro de 1975. Somando-se a isso, pode-se destacar outro momento para o desenvolvimento desta região: a introdução de empresas japonesas no Brasil, entre as décadas de 1970 e 1980. Na época, o Bairro Oriental desempenhava, para os funcionários japoneses residindo no Brasil, a função de bairro de diversão noturna e também de mercado de alimentos e ingredientes japoneses, sendo assim considerável a importância para estes funcionários e suas famílias, como consumidores.

Como pano de fundo para esta introdução de empresas japonesas no Brasil, havia o crescimento econômico brasileiro e a situação econômica favorável. De 1968 até 1973 o Brasil teve grande crescimento econômico, com registros de crescimentos de até 11% no PIB anual. Com a política governamental de entrada de capital estrangeiro, e medidas para acolher empreendimentos estrangeiros no país, diversas empresas estrangeiras foram introduzidas no Brasil, havendo um grande investimento em bens de consumo duráveis e na área de bens de produção. Foi o quadro econômico favorável chamado “Milagre Brasileiro”, onde, junto com o aparelhamento das principais áreas de infraestrutura, como energia e comunicações, foram executados diversos projetos nacionais de grande porte (COMISSÃO de Elaboração da História dos 80 Anos da Imigração Japonesa no Brasil=80 Nenshi, p.262).

A introdução de empresas japonesas também cresceu rapidamente. Mesmo considerando-se apenas as empresas principais, podemos destacar indústrias de produção, como a pesqueira Taiyo [NT: atual Maruha], Indústrias Ishikawajima [NT: atual Grupo IHI], Indústrias Kawasaki, Indústrias Howa, Toyobou, Pilot, Ajinomoto, Frigoríficos Nihon-reizo, Yanmar Diesel, Siderúrgica Kubota e de indústrias gerais de comércio como a Mitsui-Bussan, Mitsubishi-Shoji, Banco de Tóquio, Banco Sumitomo. No ápice, de 1977 a 1980, estima-se que houve 500 empresas japonesas (80 Nenshi, p.263)

Muitas destas empresas japonesas tinham suas matrizes ou escritórios em São Paulo, onde moravam seus funcionários. Foi o Bairro Oriental, que na época se encontrava em desenvolvimento, que serviu a estes funcionários e suas famílias como mercado fornecedores de produtos de uso diário, alimentos e ingredientes e também propiciava a diversão noturna. 

O editor do jornal Nippaku Mainichi Shimbun (posteriormente o jornal Nikkei Shimbun), Otami Kanda, escreve o seguinte em suas reflexões sobre a Liberdade no período inicial da introdução de empresas japonesas, no final da década de 1960. É um trecho um pouco longo, mas transmite bem o clima da época, merecendo assim ser citado:

Houve um tempo em que os funcionários residentes, provenientes de grandes empresas vindas do Japão, que buscavam de divertir bebendo nos bares da Liberdade, falavam com desprezo, dizendo que “o bairro japonês do Brasil é muito triste”. O sr. H, ex-escritor  da parte de sociedade do jornal Yomiuri e escritor de não-ficção, veio ao Brasil no final do ano de 1960 e, ao ouvir isso, criticou tais afirmações, defendendo a sociedade nikkei, quase ao ponto de chegar às vias de fato. O sr. H dizia: “Os imigrantes sofreram muito para chegar até este ponto. Vocês [que criticam] não entendem de nada”.

E o que de fato significava “triste”?  1) Os clientes e as atendentes dos bares eram de aparência humilde. 2) Bares, restaurantes e lojas estavam longe de serem refinadas. 3) Os cinemas que apresentavam filmes japoneses tinham uma defasagem de mais de seis meses em relação ao Japão para exibir novas produções. Isso ainda era considerado um pequeno atraso, sendo as estréias bem recebidas, mas imagina-se que os que criticavam davam ênfase no atraso. Na época, havia bares e restaurantes nikkeis se instalando na vizinhança da Avenida Brigadeiro Luis Antônio, mas se concentravam na maioria na Liberdade. Havia ainda atendentes isseis trabalhando, dentro de uma maioria de nikkeis. Podia-se comunicar apenas usando o japonês. Sendo na presença de outros japoneses, podia-se beber sem se preocupar em conversar. Isso é importante, pois seria considerado incomum manter um diálogo forçoso com o freguês. Não havia embaraços, já que o pessoal da loja e os clientes eram japoneses. Os fregueses, ao sair inebriados, não precisavam se preocupar com trombadinhas ou batedores de carteira. Não se ouvia dizer que “o lugar era perigoso”. Os funcionários residentes de empresas japonesas recém-chegados diziam que era “triste”, mas os bares eram o lugar mais tranqüilo e agradável para eles se aliviarem do cansaço do trabalho (ACAL, 1996, pp. 35-36).

A área de lojas nikkeis da Liberdade era criticada de “triste” ou “sem refinamento” mas, os funcionários japoneses residentes, que assim criticavam, freqüentavam estes estabelecimentos, para comer, beber e aliviar suas tensões. Em um período em que não havia aparelhos de vídeo caseiros, Internet ou transmissão via satélite, a única diversão após o trabalho era bebida ou cinema. Mesmo considerando “triste” e “sem refinamento” eram o produto de consumo central dos residentes da área encontrando-se, pelo contrário em ascensão. Kanda continua:

Em setembro de 1968, o edifício do Cine Niterói da Rua Galvão Bueno foi demolido, mudando-se para a Barão de Iguapé. Após isso, mesmo com as escavações na Galvão Bueno para a construção de uma auto-estrada, ainda havia lá um ambiente para se acalmar. Na segunda metade da década de 1970, os bares e restaurantes sofreram mudanças. As atendentes issei começaram a deixar o trabalho. Isso era inevitável por causa da idade. A saída das atendentes que falavam apenas japonês e o surgimento do karaokê não foram exatamente eventos simultâneos, mas foi no mesmo período. Como se estivessem competindo, os bares começaram a introduzir o karaokê, e o atendimento aos clientes passou a ser feito por pessoas que não falavam bem o japonês. Mesmo desconsiderando aqueles que gostavam de karaokê, muitos devem ter parado de freqüentar os bares (ACAL, 1996, pp.35-36).

Como dito antes, na segunda metade da década de 1970, houve o ápice do número de empresas japonesas no Brasil. Não só funcionários residentes, mas o número de familiares, funcionários temporários e visitantes também aumentou. Em comparação a isso, o número de lojas no bairro oriental também aumentou e se diversificou. O número de lojas, classificadas por tipo em 1974, ano da criação da Associação Cultural e Assistencial da Liberdade é como se vê na tabela abaixo:

Foto 1: Revista Gekkan Século, apreciada por funcionários japoneses residentes

Ao mesmo tempo em que se pode verificar a função de mercado de alimentos e ingredientes japoneses, pode-se verificar a prosperidade de bares e restaurantes, além de estabelecimentos de entretenimento adulto, como boates e night clubs. A Gekkan Século (foto 1) era uma revista mensal em japonês única, feita nos moldes das revistas semanais japonesas, publicada da segunda metade da década de 1970 ao início da década de 1980, lançou em 1978 uma edição especial intitulada “Edição Especial Grande Guia dos Bares e Restaurantes Nikkeis Brasileiros” (31 de janeiro de 1978). Esta revista indicou que em três áreas, Liberdade, Avenida Brigadeiro e Avenida Paulista se concentravam os bares e restaurantes nikkeis, estimando que estes chegavam a cerca de 300 (p. 14).

Segundo a revista, a vida noturna dos funcionários japoneses residentes da época tinha como programação fazer uma refeição em um restaurante da Liberdade (bairro oriental) e ir depois a uma boate ou night club da mesma área ou, se a situação financeira permitisse, um night club de luxo na vizinhança da Avenida Brigadeiro. O que chamamos de “boate” é um tipo de clube noturno, mas as mulheres que aí se encontravam não eram funcionárias do estabelecimento, mas sim freguesas. Ou seja, estas mulheres não recebiam do estabelecimento nenhum centavo, estando lá apenas buscando nos fregueses masculinos o ‘amor livre’. Assim, é mais comum utilizar-se o termo ‘boate’ que clube noturno. No bairro oriental da segunda metade da década de 1970 até a década de 1980, havia aqui e acolá boates e night clubs dirigidos por “mama-sans” nisseis [NT: mulher encarregada de dirigir casa noturna e coordenar seus funcionários], que falavam japonês. Assim, o Bairro Oriental da época passou a fortalecer sua característica suas lojas de alimentação e diversão tendo em vista os funcionários residentes de empresas japonesas no Brasil.

Bibliografia
COMISSÃO de Elaboração da História dos 80 Anos da Imigração Japonesa no Brasil (ed.) (1991), Burajiru Nihon imin hachijūnen-shi [Uma epopéia moderna — 80 anos da imigração japonesa no Brasil]. São Paulo, Comissão de Elaboração da História dos 80 Anos da Imigração Japonesa no Brasil.

Jornal Paulista Shimbun N°6429, 1974.

ACAL (Associação Cultural e Assistencial da Liberdade) (1996), Liberdade. São Paulo, ACAL.

Gekkan Século: Edição Especial Grande Guia dos Bares e Restaurantes Nikkeis Brasileiros. Século Shuppansha, 31 de janeiro de 1978.

© 2007 Sachio Negawa

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Sobre esta série

O bairro japonês de São Paulo — sempre que eu me vejo imerso nele, cercado de caos por todos os lados, invariavelmente eu sinto a minha mente como que vazia por um instante e me pergunto: “por que teriam esses japoneses atravessado os mares e construído, do outro lado do mundo, um bairro só deles?”.

Nesta coluna, eu gostaria de dividir com os leitores a história e a imagem contemporânea dos bairros japoneses que eu visitei, procurando não me afastar da pergunta que abre este artigo.

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About the Author

Sachio Negawa é professor-assistente dos departamentos de Tradução e Línguas Estrangeiras da Universidade de Brasília. Mora no Brasil desde 1996. É especialista em História da Imigração e Estudos Comparativos entre Culturas. Tem-se dedicado com afinco ao estudo das instituições de ensino nas comunidades japonesa e asiática em geral.

Atualizado em março de 2007

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