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Capítulo 8 A Formação e Desenvolvimento do Bairro Oriental 3 – A Criação de uma “Nova Tradição”

No final de semana, o Bairro Oriental de São Paulo fica repleto com carros e pessoas que visitam o local. (Foto 8-1). São vários tipos: os turistas que vão ver a Feira Oriental, os clientes de lojas que vendem alimentos e mercadorias orientais, os que apreciam a comida dos restaurantes japoneses, chineses e coreanos, e mesmo os jovens fãs de J-POP que se amontoam na frente da estação. Além disso, esta área é centro de eventos étnicos, como a Hana-matsuri (Festa das Flores) em abril, a Tanabata-matsuri (Festa das Estrelas) em julho, a Tōyō-matsuri (Festa Oriental), em dezembro e a Mochitsuki-taikai (Festa de Socadura do Arroz), na virada do ano. Quando estes eventos ocorrem, a Praça da Liberdade se transforma em praça de festivais.

Como falei no artigo anterior, desde a segunda metade da década de 1950, passou a aumentar a presença ativa da “cultura japonesa”, voltada para a sociedade brasileira (Soto) por parte da comunidade nikkei. Este movimento de autoexpressão da cultura nikkei, do Uchi para o Soto, acompanhou o crescimento e diversificação da própria comunidade Nikkei após a década de 1960, onde os rumos e a forma deste movimento também se diversificam. Destaca-se neste contexto a criação de uma nova “tradição” que acompanha a formação do Bairro Oriental de São Paulo.

Foto 8-1: Agitação do Bairro Oriental no fim-de-semana (tirada pelo autor em 2006)

Mesmo fazendo uma listagem superficial dos eventos que acontecem nesta área, podemos citar diversas representações da “cultura japonesa” o Undōkai (competição atlética), a Feira Oriental, Radio Taisō (ginástica com o rádio), Bom’odori Taikai (Danças para celebrar o Dia de Finados Japonês), o Concurso Miss Nikkei, o torneio brasileiro de Sumô, etc. Neste artigo, vou falar de quatro eventos em especial, que ocorrem no Bairro Oriental, a Hana-matsuri, a Tanabata-matsuri, a Tōyō-matsuri e a Mochitsuki-taikai, considerando-os “novos eventos tradicionais1”, exemplos mais evidentes da autoexpressão da comunidade nikkei no pós-guerra.

Os motivos para escolher estes eventos são os pontos comuns vistos abaixo.

  • São eventos públicos oficialmente reconhecidos na cidade de São Paulo, que podem ser vistos como exemplos evidentes da expressão cultural étnica em São Paulo.
  • Foram criados entre meados da década de 1960 e a década de 1970, período da formação do Bairro Oriental de São Paulo. Isso vai de encontro ao multiculturalismo da cidade de São Paulo, que será citado posteriormente.
  • Para a cidade onde ocorrem os eventos, estes são reconhecidos como símbolos que caracterizam o Bairro Oriental e aceitos como “eventos tradicionais” que expressam a “cultura japonesa”.

Em seguida, temos uma visão geral do conteúdo dos quatro eventos. As características e conteúdos principais são resumidas no quadro abaixo.

Tabela 1 Novos eventos tradicionais do Bairro Oriental (Clique para aumentar)

A Hana-matsuri (Festa das Flores), também chamada de Buttan’e, é o evento onde se comemora o aniversário de Sidarta Gautama, o Buda. No Brasil, inicialmente era comemorado separadamente pelos templos de cada seita budista mas com a comemoração dos 50 anos da Imigração Japonesa ao Brasil, foi formada a Federação das Seitas Budistas do Brasil e passou a ser organizado pela Federação. No início, era realizado na área do templo Higashi Honganji de São Paulo, mas através do convite da Associação Cultural e Assistencial da Liberdade (ACAL), a partir de 1976 passou a ter como o centro a Praça Liberdade. De segunda-feira a sábado da semana mais próxima de 8 de abril, considerado o dia do aniversário de Buda, é realizado o ritual Amachakuyō. No último dia, sábado, além dos serviços cerimoniais realizados por cada seita e o coral das senhoras budistas, há o desfile Onerikuyō, com crianças vestidas de monges e aprendizes puxando o carro alegórico que mostra um elefante branco, considerado uma das encarnações do Buda, que é realizado na Avenida Liberdade, da Rua Galvão Bueno até a Rua Américo de Campos. No Amachakuyō, há a participação de muitos não-nikkeis, além de se ver muitos turistas observando o Onerikuyō (Foto 8-2).

Foto 8-2: Carro alegórico do elefante branco na Festa das Flores (Foto tirada pelo autor em 2006)

Foto 8-3: Pessoas andando pela Rua Galvão Bueno, na Festa das Estrelas (Foto tirada pelo autor em 2006)

A Tanabata-matsuri (Festa das Estrelas) é o festival de origens asiáticas de maior reconhecimento em São Paulo. Este evento, sendo uma importação do modelo de festival urbano criado pela província de Miyagi, é atualmente chamado Brasil Miyagi Tanabata Matsuri (Festa das Flores de Miyagi no Brasil, N.T.). Tendo organização da Miyagi Kenjinkai do Brasil e apoio da ACAL, é um evento publicamente reconhecido não só pela Cidade de São Paulo, mas também pelo Estado. É realizado todos os anos no fim-de-semana mais próximo de 7 de julho, e nele a Praça da Liberdade, a Rua Galvão Bueno, a Rua dos Estudantes e a Rua Glória ficam intensamente enfeitadas com decorações de Tanabata do estilo Sendai. Além do ritual xintoísta de Tanabata, realizado pelo Nanbei Daijingū (Santuário Xintoísta da América do Sul), há o concurso de Miss Tanabata, e o show de arte e música folclórica japonesa. Há também o hábito de colocar, como enfeite de Tanabata, desejos anotados em poemas escritos em seis cores, nos galhos de bambus, que se espalhou amplamente também entre os não-nikkeis. Em 2006, foram registrados 150.000 visitantes, o que o tornou o evento tradicional étnico que mais atraiu visitantes na cidade de São Paulo (Fotos 8-3 e 8-4).

Foto 8-4: Tanabata-matsuri, candidatas a Miss Tanabata (Foto tirada pelo autor em 2006)

A Tōyō-matsuri (Festa Oriental) é, dentre os quatro eventos, o mais antigo, sendo iniciado em 1969, na época da Associação de Lojistas Nikkeis da Liberdade, com a finalidade de dinamizar o bairro. Na época, como reflexo do aumento do número de imigrantes chineses e coreanos, foi dado o nome de Tōyō-matsuri, seguindo o nome do Bairro Oriental. Atualmente, a ACAL é a organizadora, tendo apoio da cidade de São Paulo, sendo que o evento é realizado quase sempre no primeiro fim-de-semana de dezembro de cada ano. Tendo como centro a Praça da Liberdade e a Rua Galvão Bueno, inclui apresentações de tambores taiko japoneses, danças awa odori, hanagasa-odori, sansa odori, eisâ e yosakoi-sōran, entre outras demonstrações folclóricas japonesas. Há também no palco especial na Praça da Liberdade apresentações de caratê e outras artes marciais, além de músicas populares dos gêneros enka, rock e de street dance. Há também demonstrações de expressões artísticas e artes marciais chinesa e coreana, mas a característica de festival de cultura folclórica japonesa é mais forte (Foto 8-5).

Foto 8-5: Apresentação de tambores taiko na Tōyō-matsuri (Foto tirada pelo autor em 2006)

A Mochitsuki-taikai (Festa de Socadura de Arroz) começou em 1976, com a apresentação ao vivo do programa da rede de televisão NHK Ikutoshi Kurutoshi (Ano que acaba, ano que começa, N.T), realizado no Bairro Oriental. Foi realizada com a organização da ACAL e apoio da Cidade de São Paulo, na manhã de 31 de dezembro, na Praça da Liberdade. Pode-se ver em torno do martelo e o pilão colocados na praça, membros e sócios da ACAL, assim como membros da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, parlamentares nikkeis e não-nikkeis e convidados, batendo o mochi com o martelo, vestindo os casacos estilo happi. EM 2006, foram servidas 600 porções de mochi para visitantes e turistas (foto 8-6). No mesmo dia, na Praça da Liberdade, foi realizado pelo santuário Nanbei Daijingū o ritual xintoísta Chinowa-kuguri.

Em oposição à Hana-matsuri, de forte caráter religioso, a Tanabata-matsuri e a Tōyō-matsuri têm por caráter envolver shows de artes tradicionais e música popular, sendo mais voltadas para o entretenimento. Todos atraem muitos visitantes, havendo a impressão de serem muito bem aceitos também pelos não-nikkeis. Além disso, há a presença de parlamentares municipais e estaduais nikkeis e não-nikkeis, do cônsul-geral japonês, do presidente e de membros da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, e eventualmente do prefeito de São Paulo e parlamentares federais, como convidados, o que mostra também uma característica performance política.

Foto 8-6: Mochitsuki-taikai, senhoras nikkeis e parlamentar brasileiro batendo o mochi. (Foto tirada pelo autor em 2006)

Nota:

1. Nova revisão/criação de evento por parte do grupo étnico ‘convidado’, com base total ou parcial na “tradição” de seu grupo natal, que é reconhecido pelo ‘lado da sociedade anfitriã’, que aqui chamamos de “novo evento tradicional” (Negawa, 2006, p.129).

Bibliografia

NEGAWA, Sachio (2006)  “Multi-ethnic Toshi São Paulo ni okeru ‘Nihon bunka’ no Hyōshō — tōyōgai ni okeru shin-dentō gyōji wo chūshin ni” [Um símbolo da ‘cultura japonesa’ numa São Paulo multi-étnica — em torno das ‘novas comemorações tradicionais’ do bairro oriental]. In. Heisei 16-17 nendo Kagaku Kenkyūhi Hojokin (Kiban Kenkyū C) Kenkyū Seika Hōkoku-sho — Gendai Burajiru ni okeru Toshi-mondai to Seiji no Yakuwari [Relatório referente às pesquisas realizadas nos anos de 2004 e 2005 com os subsídios oferecidos pelo Fundo de Pesquisas em Ciência (pesquisa de base C) — o problema das cidades no Brasil contemporâneo e o papel do governo], pp.129-140.

© 2007 Sachio Negawa

Brasil cultura festivais Japantowns Liberdade matsuri São Paulo (São Paulo)
Sobre esta série

O bairro japonês de São Paulo — sempre que eu me vejo imerso nele, cercado de caos por todos os lados, invariavelmente eu sinto a minha mente como que vazia por um instante e me pergunto: “por que teriam esses japoneses atravessado os mares e construído, do outro lado do mundo, um bairro só deles?”.

Nesta coluna, eu gostaria de dividir com os leitores a história e a imagem contemporânea dos bairros japoneses que eu visitei, procurando não me afastar da pergunta que abre este artigo.

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About the Author

Sachio Negawa é professor-assistente dos departamentos de Tradução e Línguas Estrangeiras da Universidade de Brasília. Mora no Brasil desde 1996. É especialista em História da Imigração e Estudos Comparativos entre Culturas. Tem-se dedicado com afinco ao estudo das instituições de ensino nas comunidades japonesa e asiática em geral.

Atualizado em março de 2007

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