Ronaldo Yuzo Ogasawara, de 39 anos, é empresário da área imobiliária, sansei e parte de suas raízes estão na província de Hokkaido, no extremo norte do Japão.
Mora desde os quatro anos no bairro do Jardim da Saúde, em São Paulo, onde atua junto aos moradores e descendentes de japoneses no cargo de presidente do Conselho de Segurança Saúde-Vila Clementino e do Rotary Saúde.
Participa também de outras entidades nipo-brasileiras, como o Bunkyo – Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social.
Esta vida comunitária começou – e já se tornou agitada – há apenas alguns anos.
Convivência na escola e na faculdade
Ronaldo estudou até o segundo ano do Ensino Médio em um colégio onde a quantidade de descendentes era baixa. “Existia discriminação em função das diferenças culturais” e físicas. Algumas vezes, ele levava a típica marmita japonesa “e para eles [os colegas de turma] era muito estranho você levar um bento e querer comer de hashi. Não era um lanche, era uma refeição”.
No último ano do Ensino Médio ele mudou de colégio e, na turma, 50% eram descendentes. “Não tinha o preconceito, até porque eram muitos descendentes, então, os não descendentes que frequentavam a escola não viam essa diferença física e cultural. Pelo contrário, às vezes até absorviam alguns hábitos nossos”, conta.
Já na faculdade, durante tanto o curso de Ciências Contábeis quanto de Direito, foi algo natural interagir com outros nikkeis.
A imagem que os imigrantes deixaram às gerações seguintes
Ogasawara diz que existe um “preconceito a favor” dos nipo-descendentes no Brasil, porque o Japão emergiu como potência econômica e porque os imigrantes fizeram a diferença – lutaram, prosperaram e proporcionaram uma vida mais digna às gerações seguintes. E, apesar de terem sido discriminados, os nikkeis brasileiros têm “esse lado que caracteriza comprometimento, honestidade, trabalho árduo”.
A história da família é que a avó não teve saída, não tinha como voltar, “então a única hipótese era investir no estudo e trabalhar arduamente”. Porque os pioneiros perceberam que a única saída era investir nos filhos, na formação que eles não tiveram. Muitos deles, o primeiro e até o segundo filho, não tiveram acesso e o restante dos filhos teve essa oportunidade. “Esses são os valores que ela passou para os filhos dela, né?”
Envolvimento com a comunidade nikkei
No primeiro colégio onde Ronaldo estudou, na sala, havia três ou quatro nikkeis. Um deles costumava ir a baladas – no Clube Ipê – em que a grande maioria era descendente e o convidou. “Eu fui para conhecer, não sabia que existia esse universo.” Nessa época, ele tinha 14 anos e foi a partir daí que começou a “andar junto com a colônia”.
Depois, há cerca de cinco anos, o primeiro local que começou a frequentar foi o kaikan, onde estudou japonês – hoje em dia sabe ler e escrever. Além disso, ia apenas aos festivais gastronômicos.
Já o interesse e a curiosidade surgiram cedo. “Desde pequeno eu sempre gostei de conversar com os mais velhos, então, foi uma coisa bem natural querer saber das informações. Até hoje eu ainda converso com a minha avó [de 96 anos], até na frente dos meus filhos para que eles escutem essas informações”, revela.
“Ela me conta fatos do que aconteceu para eu poder entender um pouco mais o pensamento desses imigrantes. Então eu consigo extrair umas informações in loco do que eles passaram”.
Participação efetiva
Nove anos atrás, quase dez, Ogasawara começou a participar do Conselho de Segurança Saúde-Vila Clementino como morador, para expor os problemas de segurança no bairro. “Até tive um problema de minha família ser assaltada duas vezes no mesmo dia. Então isso me causou um sentimento de impotência e revolta. Depois eu acabei participando mais ativamente nesse Conselho e aí procurei verificar quais são as formas em que eu poderia ajudar a melhorar ou buscar soluções”.
Até que há cerca de três anos e meio, quatro anos, o presidente já apresentava certa debilidade física e cogitaram de torná-lo presidente, porque já mora no bairro desde a infância e conhece muitos moradores. “Fiquei um pouco preocupado, porque até então eu focava só na atividade profissional e na família. Mas eu resolvi aceitar esse desafio”, confessa.
“E acho que isso daí foi o start para poder almejar novos desafios em relação à comunidade. Então eu procurei interagir, verificar quais soluções, como nós poderíamos melhorar nossa conduta, para que possa ter resultado, não só ir para reclamar. E aí aos poucos eu fui sendo convidado para outras instituições, assumindo essas responsabilidades coletivas, né?”.
Em seguida, passou a ser conselheiro no Centro Educacional Pioneiro, porque em todos os eventos ajudava de forma voluntária.
Além disso, a ACE Saúde – Associação Cultural Esportiva Saúde, instituição sem fins lucrativos, pediu ajuda a Ronaldo para compor a diretoria. “Minha participação no kaikan é para que toda essa bagagem cultural não se perca e seja transmitida para novas gerações de forma dinâmica e que não seja algo imposto, que seja algo natural”. Lá, são oferecidas desde aulas de judô, kendô, tênis de mesa, japonês, inglês, ikebana e até mesmo informática para a Terceira Idade.
Já no Bunkyo foi convidado para compor “uma ala jovem que está ajudando os voluntários nos trabalhos”, mas passou a ser Conselheiro Fiscal por questão de tempo e logística física.
Em um ano e meio de participação no Rotary Saúde, demorou apenas um ano para chegar ao cargo de presidente. “Como presidente do Rotary, eu imaginei que – como presido o Conselho de Segurança e o Rotary tem uma premissa que é ‘dar de si antes de pensar em si’ – eu poderia construir e integrar projetos – novos ou já realizados – em conjunto com o Conselho de Segurança. Porque em minha opinião a segurança não é simplesmente nós nos protegermos, acho que nós temos que atingir a raiz do problema”, afirma. Para Ronaldo, é a “instituição família”, porque muitas vezes “as famílias estão desestruturadas”.
Ainda sobre o Rotary e o Bunkyo, comenta o que acha que é fundamental para essas instituições. “Para a sobrevivência de qualquer coisa, seja de uma família, seja de um negócio, seja de uma instituição social, todos têm de ter a cabeça muito aberta para mudar”.
“Minha gestão eu pautei por mudanças. Precisa participar de redes sociais, ter publicidade do negócio. Temos que vender o que nós estamos fazendo, se você quer que a instituição continue robusta. Mas, por outro lado, nós temos de respeitar o tradicionalismo e ver qual será a forma mais saudável para você poder introduzir esse ideal”, opina.
Valores japoneses
“Dentre meus primos, o único que quis saber das histórias fui eu”. E, com isso, Ogasawara diz que surgiu um sentimento de gratidão e passou a olhar os pioneiros como vitoriosos. Por isso, procura passar os princípios aos filhos para que não esqueçam. “Apesar da situação muito adversa, nós temos de lutar da melhor forma possível. Isso não quer dizer que a gente vai ficar rico. É você conseguir seu espaço na sociedade de forma íntegra e fazendo o melhor”.
Os três filhos – de 13, 16 e 17 anos – estudaram japonês, mas têm liberdade para pensar e interagir. “Até porque os tempos são outros, eu acho que a gente tem que respeitar cada geração, tem que ter muito cuidado, porque o que é bom para mim às vezes não é bom para eles. Então os princípios, os valores, eu vou transmitir, porque é uma responsabilidade minha como pai, que quer o melhor para os filhos”, diz.
“O Japão é um país onde a coletividade está à frente de tudo. E sempre quando pautamos pelo coletivo, seja em uma empresa, seja no âmbito social, até no familiar, vai funcionar de forma plena e satisfatória”, compara. Para finalizar, deixa uma reflexão a se fazer: se o Brasil usar o princípio de coletividade como base, “tem muito a avançar”.