Koná goroshono tyomém shensheiga kawashita – será que algum nikkei entenderia esta frase?
Trata-se de uma mistura de dialeto com palavra em português, mas com pronúncia japonesa, cuja tradução seria: O professor mandou comprar um caderno assim grosso.
Normalmente eu me apresento como uma bastense nata, nascida e criada em Bastos, a cidade mais japonesa do Brasil. Portanto, vou compartilhar aqui um pouco do Nikkei-go que aprendi desde que nasci.
Lembro-me de uma série de frases que eu usava no dia a dia e, mesmo agora que se passaram tantos anos, se eu não me policio, estou usando-as sem o menor constrangimento. Com uma mente japonesa, misturamos o japonês com o português, mas dificilmente nos damos conta de que essa associação pode resultar em frases constrangedoras.
Olhando uma bela florada de crisântemos diz: “Que ki-kú lindo!”;
Vendo o relógio que marca 9h30: “É ku-di-ham”. Então perguntam “É ku de quê?
“Vou fazer sentá-ku (lavar roupa)”, aí perguntam: “Vai sentar mesmo?”
Entrando num lugar malcheiroso fala: “Kokô kussai”.
Quando me casei eu chamava o meu marido de “Oh! bem”. Um amigo japonês ao ouvir isto, me censurou: Soredakewa yoshitekurê. Com toda razão, pois tem um sentido bastante pejorativo em japonês: “Grande bosta”.
Muitos nikkeis antigos tentam falar em português, mas o sotaque sai japonês. Um exemplo é o “gorosho” que reportei no começo. Outros exemplos:
Quando foi lançado o carro Voyage, um senhor japonês disse: “Comprei um carro de nome Oyadi”.
Meu sogro insistia em conversar com meus filhos em português e dizia: Áshiki (Acho que); Yô-bai-né (eu vou, né); Bambê né (Vamos ver, né?). E quando ficava bravo: Didigurashado! (Desgraçado!).
Uma amiga japonesa ouviu o meu sogro usando o pronome Yô e questionou se seria prepotência da parte dele usar um pronome japonês que só um tonosama (senhor feudal do Japão antigo) teria direito.
O fato é que Yô vem do pronome “eu”. Ainda nos dias de hoje, ouço nikkeis falando: Yô tati ou Yô ráti (nós); Yô ra (nós, masculino).
Na cidade de Bastos, até a segunda geração de imigrantes, todos se comunicavam, bem ou mal, em japonês. Os imigrantes vieram de várias regiões do Japão trazendo na bagagem um japonês arcaico. Mas o japonês mudou muito no pós-guerra, quando os estrangeiros entraram naquela terra. Lembro que meu tio que nunca saiu do Japão reclamava do japonês moderno.
Tenho uma filha e um filho que foram bolsistas do governo japonês (Monbukagakusho) e, como eles tiveram acesso a uma língua mais moderna, ficaram escandalizados com o meu japonês arcaico em conversa com amigas japonesas de minha idade.
Mas eu cresci ouvindo familiares e vizinhos usando essas palavras ditas arcaicas: keshikarán (inaceitável), rokudemonashi (pessoa desordeira), yamuen (sem alternativa), kaguebenkei (pessoa fraca que se faz de herói), ketó ou gaijin (estrangeiro), shakan (pedreiro), shoubun (caráter), nussutô (ladrão), gariyú (feito à sua moda), miyouna koto (coisa estranha).
Os decasséguis têm escandalizado os japoneses usando a palavra bendyo, no lugar do atual toire. Ainda mais quando usam o prefixo “o” na frente de bendyo, acreditando ser mais polido.
Por hábito, muitos pensam estar conversando em japonês puro quando dizem: “Carro de iku” (Vou de carro); “Papai wa orán” (Papai não está); “Yô ga casa shita koro” (Na época em que me casei).
Lembro com saudade da minha mocidade, quando nos divertíamos inventando palavras, misturando o verbo japonês + -ndo para formar o gerúndio: “Vamos arukando” (aruku=andar); “Vamos odorando” (odoru=dançar).
Também passamos por muitas saias-justas:
- No supermercado, a esposa japonesa pegou o cesto e avisou o marido que estava distante: “Kagô kokô” (Aqui está o cesto) e isso repetidamente. O marido nikkei ficou bastante constrangido;
- No hospital, a mãe da Liana queria ir ao banheiro e pedia desesperadamente: “Shikko, shikko!” e as enfermeiras, desesperadamente, procuravam pelo senhor Chico;
- Por muito tempo, o meu pai acreditava que peixe em português era bakayarô, porque o peixeiro atendia-o prontamente e oferecia bacalhau;
- Os imigrantes japoneses lutavam sumô nas horas vagas e os brasileiros se aglomeravam curiosos. Mas quando o juiz dizia Matta, Matta, os brasileiros fugiam apavorados, pensando que seriam mortos;
- Os primeiros jogadores brasileiros de futebol foram recepcionados com coquetel no Japão e brindaram alegremente: Timtim-timtim. O que deixou os japoneses numa verdadeira saia-justa.
Os nikkeis que cresceram falando japonês têm certa dificuldade na pronúncia devido à mistura de línguas: hashí (ponte) e háshi (pauzinhos); sumissô (molho de vinagre com missô) e sumiço (do verbo sumir).
Outros tentam traduzir ao pé da letra: “Eu vi um ‘saco’voando” em vez de “Eu vi uma coruja voando”, porque saco=fukuro e coruja=fukurou. “Ah! Ofurô oishikatta”, querendo dizer que o banho de ofurô estava gostoso, mas o adjetivo oishii refere-se a sabor delicioso de comida.
Além de falarmos um japonês arcaico, eram vários dialetos juntos. Eu não saberia definir a região de origem de cada dialeto. Certo dia, passeando por um subúrbio do Japão, eu me deparei com uma placa onde estavam listados alguns dialetos e a tradução correspondente. Foi quando reconheci várias dessas palavras e me senti confortável e feliz.
Mas meus filhos dizem que têm dificuldade de entender o Bastos-go.
Outra coisa que tenho percebido é que a maioria que fala o Bastos-go, quando está na presença de pessoas que conhecem o japonês formal, sente-se intimidada, preferindo falar em português.
Selecionei alguns dialetos que se ouviam em Bastos:
- YUUTIYORUKÊ (está falando)
- KOMÁTYORU/KOMÁTANOU (é um problema)
- KORIGORI/KATAKORI (torcicolo)
- TAMAGUÉTA (me assustei)
- SOUDAMBÊ (verbo ser: é isso, é mesmo)
- SOUDABÊ (idem)
- OOKINI (obrigado)
- SOO YANÉ (verbo ser: é né?)
- DONAISHÕ (que faço?)
- ATAMA NO TÓPETSU (topo da cabeça)
- SONNA MON DATTA (era assim)
- DOGUÉN SHITÁ? (o que aconteceu?)
- HIMÓ WO KUKÚRU (amarrar cadarço)
- TOSSAKA NI KÚRU (vem à cabeça)
- GOROTSUKI (pessoa que intimida com ameaças)
Confesso que a fala dos samurais nos filmes épicos (Didaigueki) é mais compreensível do que a fala dos teenagers num filme moderno.
Atualmente os nikkeis fazem o plural de palavras japonesas como se fosse português: kodomós (crianças), magós (netos), kurumás (carros). Outro dia mesmo, durante a transmissão das Olimpíadas Rio 2016, o locutor disse: “os wazás dos judocas”.
Meu pai, quando voltou ao Japão após 40 anos, entrou no restaurante e disse ao garçom: “‘MESHI KURÊ”, achando que o garçom entenderia que ele queria uma refeição. Mas, para surpresa de meu pai, o garçom perguntou: “O que é MESHI?”.
Muito desapontado e impaciente, meu pai respondeu: “AROISSU DÁ!”.
Se estivesse vivo agora, meu pai certamente diria:
Ná to ram nihongo dá, sore demo nihongo ká? referindo-se ao japonês moderno.