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Sushi em Los Angeles – parte 2

>> Parte 1

O alvo inicial do novo empreendimento do Sr. Nakajima no ramo do sushi eram os imigrantes japoneses, especialmente os homens de negócios. Impressionados com o produto, eles começaram a trazer seus clientes americanos para experimentar algo novo e extraordinário. Depois de sua primeira experiência com o sushi, a maioria dos iniciados ficavam viciados. O sushi bar de Kawafuku tinha apenas sete assentos e estava sempre lotado.

Kawafuku (Cortesia de Atsuko Kanai, Mutual Trading Co, Inc.)

O Chef Saito de Kawafuku se tornou o primeiro chef de sushi nos Estados Unidos. A Sra. Saito era sua garçonete. Em apenas quatro anos, o casal juntou US$30.000, uma grande fortuna naquela época. Eles então decidiram retornar ao Japão, onde, com as suas economias, abriram um belíssimo sushi bar em Ginza.

Seis meses depois, ciente do sucesso de Kawafuku, a Sra. Morishita, dona do Eigiku e de dois outros restaurantes em Little Tokyo, pediu um conselho ao Kanai-san. Ela também queria abrir um sushi bar. Ela foi aconselhada a “importar” um chef japonês de sushi de qualidade. Foi assim que o Chef Ono de 19 anos de idade chegou ao país.

Mais tarde, dois outros chefs chegaram do Japão. Um, o Chef Mashita, foi trabalhar no Tokyo Kaikan. Certas épocas do ano, era impossível fazer toro maki-sushi, um rolinho grosso com recheio de atum no meio, pois esse tipo de peixe sumia do mercado. Ao buscar um substituto à altura, o Chef Mashita misturou abacate da Califórnia com carne de caranguejo para fazer o recheio, criando assim o “California Roll”. Heresia! reclamaram os tradicionalistas do sushi, mas a nova criação foi um sucesso instantâneo. Macacos de imitação na costa leste americana criaram então o “New York Roll” – contendo salmão picado e defumado e tiras de pepino – e o “Philadelphia Roll” – contendo cream cheese. O sushi havia então se americanizado1.

Em 1968, a moda do sushi cruzou as fronteiras étnicas e espalhou-se por outras áreas de Los Angeles. Possivelmente com as pernas tremendo de incerteza e excitamento, o Sr. Kubo abriu o Osho no Pico Boulevard, escolhendo uma excelente localização pertinho dos estúdios da 20th Century Fox. O estabelecimento tinha apenas trinta assentos, e vivia lotado com a clientela mais difícil de agradar: estrelas de cinema. A necessidade de importar mais chefs de sushi se tornou aparente.

Como se tivesse sido programado para ser lançado na época certa, a rede de televisão NBC transmitiu o seriado Shogun, based no romance de James Clavell. Por cinco noites consecutivas, os Estados Unidos ficaram ligados na inusitada mini-série2.  As pessoas ficaram vidradas na maneira americana de apresentar a cultura samurai.

Mantendo o seu sincretismo habitual, os americanos misturaram a ficção samurai com a culinária japonesa. O efeito no sushi foi como uma injeção de esteróides em um atleta esfomeado. Um grande número de chefs japoneses abriram restaurantes na área do Wilshire Boulevard, e a moda se espalhou até a orla de Santa Monica. Teve um período durante o qual o Wilshire Boulevard ficou conhecido como o “Corredor do Sushi”.

Um dos momentos de maior orgulho na vida de Kanai-san ocorreu em 1985:

“O Primeiro Ministro Nakasone e o Presidente Reagan se tornaram muito bons amigos”, Kanai diz. “Reagan convidou o premier japonês para visitar os Estados Unidos e o festejou com uma recepção magnífica no Restaurante Yamato em Century City. Eu senti um tremendo orgulho ao saber que o chef do Yamato havia escolhido SUSHI como aperitivo”!

Concurso dos SushiMasters de 2009. Chef Nakamura (Cortesia de California Rice Commission)

Hoje em dia, é realizada uma competição anual patrocinada pela Comissão do Arroz da Califórnia para selecionar o melhor chef de sushi3.  O vencedor da medalha de ouro de 2008 (10 de junho) foi Tomoharu Nakamura do restaurante Sanraku Four Seasons em São Francisco4.  Ele ganhou pelo seu prato de combinação “Morikomi”, o qual consistia de seus ingredientes próprios5, apresentados com uma decoração estonteante.

Os competidores principais foram os Chefs Koji Ogawa do Sakura Chaya (antigamente chamado de Japanese Kitchen) de Fresno; Billy Ngo do Restaurante Kru de Sacramento; Akifusa Tonai do Restaurante Kyo-ya de São Francisco; Takuya Matsuda do Sushi Bar Nippon de San Diego; e Aung Soe da Geisha House em Hollywood6.  (Como é que pode? Ninguém de Little Tokyo?)

Como a base para um sushi de primeira é a qualidade do arroz utilizado, a Comissão do Arroz da Califórnia sente muito orgulho que em todas as competições o grão de arroz de tamanho médio cultivado na Califórnia contribuiu para o sucesso dos vencedores.

Concurso dos SushiMasters de 2009 (Cortesia de California Rice Commission)

Concurso dos SushiMasters de 2009 (Cortesia de California Rice Commission)

Como um excelente homem de negócios e um visionário do primeiro escalão, Kanai-san ajudou a criar e desenvolver a cultura do sushi nos Estados Unidos. Já que o sushi e o sake vão sempre em conjunto, o crescimento dos izakaya (bares japoneses) e dos melhores sommeliers de sake acabaram dando um novo ímpeto ao sucesso nos negócios.

(Cortesia de Mutual Trading Co, Inc.)

A sala de mostras da Mutual Trading Company é um verdadeiro museu do sushi. Cada aspecto de sua cultura é apresentada em várias mini-galerias.

Uma delas contém os mais modernos mostruários refrigerados para a preparação do sushi. Um grande contêiner de vidro, integrado ao balcão anterior, exibe uma coleção de pedras de afiar preciosas. Uma outra seção contém mostras fabulosas do artesanato de tarai (bandejas de madeira inacabada) e de madeira laqueada. Uma outra contém objetos de porcelana, dos tokkuri (garrafas tradicionais de sake) sem adorno até as mais elaboradas mostras de objetos de servir à mesa.

Outras seções expõem os uniformes dos chefs e dos garçons; maravilhosas noren (cortinas pequenas e com divisão, comuns em restaurantes japoneses) de linho ou de aizome (tecido pintado de indigo blue); como também maneki neko, Daruma, e outras figuras para atrair sorte. Tem até uma galeria com um jogo de armaduras de samurai – feitas de plástico, é claro – e outras peças de formatos audaciosos.

(Cortesia de Mutual Trading Co, Inc.)

Mas o mais fascinante é a coleção da MTC de faqueiros. Você encontrará ali as mais belas facas que se poderia imaginar, a preços que vão de umas poucas centenas até milhares de dólares. Uma peça em particular é tão brilhosa e elegante quanto um chokuto7,  pronta para a cintura do daimyo mais classudo, o que confirma que a arte japonesa de forjar aço continua triunfante.

Kanai-san gravou suas experiências em um livreto (em japonês) chamado: Seiko ho no chakuso (“Um Modo Original de Fazer Negócios”). Eu perguntei a ele se prentendia ter o livro traduzido. Ele brincou:

“Talvez a Reiko, a sua esposa, possa fazê-lo...”

O mundo do sushi mudou dramaticamente desde que Kanai-san tentou pela primeira vez criar uma clientela para o produto nos Estados Unidos. Nobu Matsuhisa surgiu agora como uma das maiores “autoridades” no ramo do sushi (2009). Ele opera nove restaurantes nos EUA, Melbourne, Londres, Hong Kong e Tóquio. Ele escreveu pelo menos três livros sobre o sushi: Nobu Oeste, Nobu: O Cozinheiro e Nobu Agora.

Um livro menos egocêntrico, para aqueles que querem aprender mais sobre o assunto, é The Zen of Fish (“O Zen do Peixe”) de Trevor Corson (HarperCollins, 2008), no qual o autor fala sobre os contos, tradições e história do sushi nos Estados Unidos. Maiores informações estão disponíveis no website SushiMasters (“Mestres do Sushi”), www.sushimasters.com. E tem ainda um jornal mensal, Sushi & Sake, totalmente dedicado à cultura do sushi.

Da Albânia ao Zimbabwe, as pessoas de todo o mundo ficaram vidradas no sushi por razões de saúde8.  Baseado na região sul da Califórnia, o Southern Tsunami opera mais de 2.500 restaurantes na América do Norte. O sushi entrou na “fase orbital”, de forma que as escolas de culinária não estão formando chefs em número suficiente para antender a demanda mundial.

Se você quiser aprender a arte do sushi, a Academia de Sushi da Califórnia em Venice [subúrbio de Los Angeles] de Yuji Matsumoto e o Instituto de Chefs de Sushi no velho estabelecimento de Maryknoll de Andy Matsuda oferecem cursos acelerados a custos elevados. Você também pode viajar até o Japão e pagar cerca de US$4.500 por um curso de cinco semanas e um diploma ... ou até mesmo ir online no site www.sushitrainer.com.

Katsuya Uechi (Cortesia de Mutual Trading Co, Inc.)

Com o toque mágico de um gênio de marketing, em 3 de setembro de 2008 Kanai-san inaugurou o Instituto do Sushi da América com uma descrição das mais ambiciosas: “um local para o aprendizado e treinamento de chefs profissionais e entusiastas culinários”. O instituto fica situado na East 4th Street no. 843 em Los Angeles, apenas a algumas quadras da Mutual Trading. O expert do SushiMasters, Katsuya Uechi do empório do Restaurante Katsuya, lidera esta nova instituição.

Com mais de dez mil restaurantes de sushi nos Estados Unidos, além de outros abrindo quase que diariamente, a necessidade de um maior número de chefs de sushi bem treinados é mais do que evidente. Uechi-san quer que seus alunos aprendam apenas o estilo clássico de preparar sushi. Ao contrário de outras eminências no ramo do sushi, Uechi Sensei desdenha as criações “pessoais”, incluindo novidades tais como o California Roll e outras criações “incorretas”.

(Cortesia de Mutual Trading Co, Inc.)

Considere por um momento a posição da MTC neste novo empreendimento de verticalidade comercial. Ela agora pode fornecer a donos de restaurante interessados em entrar no ramo do sushi todos os ingredientes, ferramentas, maquinarias, decorações, conhecimento, profissionais treinados, e energia necessários para manter o sushi na sua forma mais pura. As cerimônias de abertura do Instituto do Sushi atraiu uma multidão formidável de dignitários, pessoas de negócios, e toda a mídia. Quem poderia desejar mais?
 
Há uma nuvem neste horizonte cintilante? Talvez. A Suzumo Machinery Company (Empresa de Maquinaria Suzumo), a qual desenvolveu o “sushi robotizado”, aprimorou sua tecnologia ao ponto de que agora é possível criar de forma automatizada em segundos o maki-sushi com o nori tanto fora quanto dentro do rolinho, dependendo da preferência cultural9.  Outros tipos de maquinaria desenvolvidas na Suiça também automatizaram a criação e entrega do produto.
 
Mas, diz Kanai-san ao dar um tapinha em um nigiri imaginário nas suas mãos, "Nunca nada poderá ser comparado ao produto feito a mão!"

O futuro dirá.

Cortesia de Mutual Trading Co, Inc.

Nota:
1. http://www.barrypopik.com/index.php/new_york_city/entry/new_york_roll_sushi/

2. Foi apresentada na NBC todas as noites entre 15 e 19 de setembro de 1980. 

3. O concurso era conhecido como As Finais Estaduais dos SushiMasters de 2008. O Chef Nakamura recebeu medalhas de ouro pelo seu "Prato Morikomi" e "Roll Signature" (“Rolinho Pessoal”).

4. O Chef Nakamura venceu mais uma vez com as mesmas criações em 2009 nas expandidas Finais do Concurso dos SushiMasters Leste/Oeste. Os outros competidores eram Randy Noprapa, do Maneki Neko em Falls Church, Virginia; Tshio Furihata, do restaurante Moshi Moshi em Miami Beach, Flórida; e Hyun Min Suh do Sushi Ran em Sausalito, na Califórnia. Veja: http://www.sushimasters.com/competition.htm  * A Série de Competições dos SushiMasters foi concluída em 2010.

5. Apenas algas marinhas ressecadas, algumas verduras, produtos marinhos de época, ovo para o Morikomi, e três variedades de arroz da Califórnia.

6. Jornal The Sacramento Bee, 11 de junho de 2008.

7. Uma pequena espada com a lâmina reta.

8.Global Sushi Business, uma reportagem da NHK, 21 de junho de 2008. http://www.nhk.or.jp/nhkworld/index.html

9. Veja a reportagem da NHK mencionada acima.

*Este relato apareceu pela primeira vez no “Newsette” do Centro Comunitário Japonês da Área Leste do Vale de San Gabriel em janeiro de 2009.

© 2009 Edward Moreno

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About the Author

Aos 91 anos, Ed Moreno acumulou quase setenta anos de trabalho na mídia – televisão, jornais e revistas. Ed recebeu numerosas honras pelo seu trabalho como escritor, editor, e tradutor. Sua paixão pela cultura japonesa teve início em 1951 e pelo visto seu ardor nunca diminuiu. Atualmente, ele escreve uma coluna sobre tópicos culturais e históricos relacionados aos japoneses e nikkeis no “Newsette”, uma publicação mensal do Centro Comunitário Japonês da Área Leste do Vale de San Gabriel em West Covina [cidade-satélite na área da Grande Los Angeles], na Califórnia. Antes de fechar, a revista “The East” (“O Leste”), de Tóquio, publicou alguns de seus artigos originais.

Atualizado em março de 2012

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