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Os acrobatas que excursionaram pela América do Sul no início da Era Meiji: quem foi o primeiro japonês a residir no Brasil? – Parte 2

A apresentação em São Paulo foi em maio de 1873?

Em janeiro e fevereiro de 1873 (ano 6 da Era Meiji), os acrobatas japoneses se apresentaram no Uruguai e no mês seguinte na Argentina, no Teatro Colón em Buenos Aires. Infelizmente, não consegui localizar nenhum dado na Biblioteca Nacional Digital do Brasil, apesar de ter acessado por diversas vezes usando a palavra “Satsuma”.

Porém, mudando para “japonesa”, consegui chegar a uma edição do jornal Correio Paulistano de 10.05.1873. Abrindo na página 4 localizei a figura de uma propaganda sobre a apresentação de acrobatas japoneses.

Correio Paulistano, 10 de maio de 1873

“Pela primeira vez os dificultosos exercícios sobre a grande escada intitulada A Escada Japonesa executados pelo aplaudido artista Jeronymo e o menino Joannito”.

Esta tinha sido uma das atrações do Grande Circo dos Irmãos Pereira, instalado no Largo São Bento, capital de São Paulo, no sábado dia 10 de maio de 1873 a partir das 20 horas.

Pensando bem, isto é incrível, pois 35 anos antes de o navio Kasato Maru atracar no Brasil trazendo os primeiros imigrantes japoneses, esse acrobata do Japão se apresentava num espetáculo no Largo São Bento no centro da capital de São Paulo. É um fato que pode levar à reescrita da história das relações entre Japão e Brasil.

No início de 1873, acrobatas japoneses se apresentaram no Uruguai, Argentina e no mesmo ano também na capital de São Paulo. Isto significa que possivelmente, por algum motivo, uma parte do elenco da Companhia Satsuma debandou, vindo parar no Brasil.

“Depois disso, como será que ficou a Companhia Satsuma? O diretor do Diário Japonês da Argentina e escritor Takeshi Ehara é autor de ‘O mistério da vila japonesa’, onde relata que existe a teoria de que a companhia se dispersou em Buenos Aires e um artista chamado Ohinata, que mais tarde ingressou na companhia de Pepe Podestá, era um dos remanescentes da Companhia Satsuma.

De acordo com essa teoria, a Companhia Satsuma foi dissolvida em Buenos Aires e os remanescentes do grupo foram parar na cidade de São Paulo, com a possibilidade de que tenham se apresentado no dia 10 de maio. Se assim não fosse, não seria possível atuarem nessa data em São Paulo.

Se a Companhia Satsuma se dispersou em Buenos Aires, é convincente que nenhum jornal brasileiro tivesse publicado sobre a “Satsuma”. Eles devem ter agido separadamente e uma parte foi para São Paulo. Pensando assim, a história faz sentido.

 

Manji Takezawa – uma figura lendária na história da imigração no Brasil

Sem dúvida, o primeiro acrobata japonês a aparecer na história do Brasilé Manji Takezawa. “Por volta de 1870, Manji formou a sua própria companhia circense e percorreu do Rio de Janeiro até Amazonas, chegou ao Rio Grande do Sul e indo mais para o sul entrou no Uruguai e Argentina’, diz o relato.

No Centro de Memória do Circo (CMC) na cidade de São Paulo, foto com Manji Takezawa e filhos e o título “Família Mange” escrito em letras garrafais (Foto tirada em janeiro de 2016).  

Isto significa que antes do início oficial da imigração japonesa para o Brasil, houve japoneses que imigraram por conta própria e construíram suas vidas e Manji foi um deles.

Dois anos antes da chegada do Kasato-Maru, Saburosuke Fujisaki abriu a primeira loja japonesa na rua São Bento em São Paulo, em 1906. Pouco depois, Manji Takezawa foi visitar esse saudoso conterrâneo pela primeira vez depois que chegara ao Brasil.

Manji, porém, perdera o costume de falar japonês nesses mais de 20 anos no Brasil e perguntou num japonês arrevesado: “O Imperador do Japão ainda está vivo?” e nada mais falou. Ao ouvir isto, Nanju Suzuki comentou: “Manji é um samurai mesmo, um japonês de verdade”, e citou o fato pitoresco repetidas vezes às gerações jovens.

É possível que Manji Takezawa e o jovem de sua companhia sejam “o artista Jeronymo e o menino Joannito” daquela propaganda. Quer dizer, Manji Takezawa e seu colega foram membros da Companhia Satsuma que se desfez em Buenos Aires e eles se dirigiram ao Brasil para a cidade de São Paulo.

Gostaria de acrescentar que no final da Era Edo havia no Japão um famoso praticante de acrobacia com pião, homônimo de Takezawa Manji, diferindo apenas o ideograma “ji” (万e não万). Se são a mesma pessoa, digo que é um grande mistério.

Em fevereiro de 2016, publiquei matéria sobre Manji Takezawa no jornal Nikkey Shimbun numa série de 27 artigos《軽業師竹沢万次の謎を追う=サーカスに見る日伯交流史》(Atrás do mistério do acrobata Manji Takezawa – a história das relações nipo-brasileiras vista através do mundo do circo). Havendo oportunidade, gostaria que lesse.

Uma das chaves do mistério sobre qual acrobata estivera em São Paulo está na arte da “Escada Japonesa” que aparece no pôster de divulgação. Como seria essa arte?

Uma das possibilidades é de uma criança se colocar em pé sobre os pés de um acrobata adulto e ir empilhando sob seus pés caixas quadradas uma após outra e ir subindo cada vez mais.

Essa técnica era uma especialidade de Manji Takezawa. Portanto, “Jeronymo” deve ter sido o seu nome artístico em sua primeira atuação no Brasil. Porém, não se trata de uma prova evidente.

No entanto, ao que tudo indica pelo menos um acrobata japonês se apresentou no Largo São Bento, bem próximo do hoje conhecido Bairro Oriental (Liberdade), em 1873 (ano 6 da Era Meiji).

Interessante notar que nesse mesmo ano, Fukuzawa Yukichi publicava no Japão 「世界国名照覧」, uma lista dos países do mundo, onde pela primeira vez constava o nome do Brasil.

Certamente, Fukuzawa sequer imaginaria que, nessa mesma época, japoneses já tinham chegado na América do Sul apresentando-se como acrobatas.

 

© 2022 Masayuki Fukasawa

About the Author

Nasceu na cidade de Numazu, província de Shizuoka, no dia 22 de novembro de 1965. Veio pela primeira vez ao Brasil em 1992 e estagiou no Jornal Paulista. Em 1995, voltou uma vez ao Japão e trabalhou junto com brasileiros numa fábrica em Oizumi, província de Gunma. Essa experiência resultou no livro “Parallel World”, detentor do Prêmio de melhor livro não ficção no Concurso Literário da Editora Ushio, em 1999. No mesmo ano, regressou ao Brasil. A partir de 2001, ele trabalhou na Nikkey Shimbun e tornou-se editor-chefe em 2004. É editor-chefe do Diário Brasil Nippou desde 2022.

Atualizado em janeiro de 2022

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