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História nº 36: Um novo começo para Massatochi

Massatochi e Rosana eram amigos de infância. Tanto nas tarefas escolares como nas brincadeiras estavam sempre juntos. Mas ao terminar a oitava série do ensino fundamental, Rosana foi embora para São Paulo para trabalhar no salão de beleza da tia. A partir daí eles não se viram mais.

Sete anos se passaram, Massatochi entrou na faculdade, mas como podia pagar as mensalidades, estava trabalhando no Japão. Certo dia, foi a um restaurante de comida brasileira e estava saboreando aquela feijoada com bastante farofa, quando uma mulher se aproximou:

- Massa!!! Há quanto tempo!!!

Os cabelos loiros tampavam seu rosto não dando para reconhecê-la, mas para chamar o Massatochi por “Massa” com o “ssa” bem acentuado, havia no mundo somente uma pessoa!

- Zana! É você, Zana?

Assim também, para chamar a Rosana por “Zana”, só poderia ser o Massatochi!

Ele fez menção de se levantar, quando, de duas mesas atrás o homem de boné preto falou alto: “Ei, ‘mbora’!”.

Rosana pegou uma caneta e anotou o telefone de Massatochi na palma da mão e deixou o restaurante às pressas.

“Coisa maluca que acontece, não?” – estava surpreso. Pouco antes de embarcar para o Japão, ele estava de passagem por São Paulo e decidiu ir ao endereço da tia de Rosana, mas chegando lá, não a encontrou, havia uma outra família morando. O atendente de uma loja próxima informou-o que tinham se mudado já havia um tempo.

“Nem em sonhos eu ia pensar que ela estaria vivendo no Japão! E se encontrar com ela num restaurante?! Bem que eu queria ter conversado mais” – e começou a relembrar o tempo passado na companhia da amiga.

Rosana tinha sido criada pela avó e quando criança falava japonês e cantava músicas japonesas. Ao passar para a quinta série do fundamental, ela virou fã de novela brasileira e não conversou mais em japonês. Um dia, teimou que queria ir ao show de uma banda de sucesso e sua avó, preocupada, pediu para Massatochi acompanhá-la. Claro, ele aceitou a incumbência e se divertiu muito assistindo ao show cercado por uma multidão de garotas fanáticas.

Passado um mês depois do reencontro, ele ainda aguardava um telefonema, mas Rosana não ligou. “É sinal que ela está bem. A Zana é esforçada, sabe se virar” – e ficou despreocupado.

Depois de trabalhar dois anos, Massatochi retornou ao Brasil.

Um ano antes, os seus pais tinham se aposentado, fechando a papelaria que tinham desde longos anos. Então, Massatochi presenteou-os com uma viagem a uma estação de águas termais. Foram também a sua irmã mais velha com o marido e dois filhos e a família desfrutou dias agradáveis juntos e todos ficaram satisfeitos. Massatochi conseguiu retornar à faculdade, encontrou um bom emprego e a sua nova vida estava indo muito bem. Tudo isto ele devia ao Japão, que lhe deu um emprego e uma vida segura. Ele se sentia muito grato por ter tido essa oportunidade.

Era de manhã e ele estava se preparando para sair, quando tocou o telefone. Era voz de mulher! “Zana! Onde você está?”

A ligação estava ruim, então achou melhor ele ligar para Rosana.

Mas ela estava tensa, não conseguia falar coisa com coisa. Daí uma voz masculina interveio:

- Alô, sr. Massatochi? Aqui é o pastor Makoto falando. Eu também sou do Brasil. Sabe, a Rosana, grávida de 7 meses teve de sair da casa onde morava e procurou a nossa igreja. Nós lhe demos acolhida, a criança nasceu com saúde e está agora com 3 meses. Como a Rosana não tem parentes nem conhecidos aqui no Japão, ela diz que quer voltar para o Brasil. Nós começamos a pesquisar vários meios até chegarmos à sua localização e, finalmente, estou contatando o senhor, graças a Deus! Por favor, peço que dê a maior força a ela. Muito obrigado mais uma vez.

Rosana chegou a conversar com Massatochi algumas vezes e, por fim, acabou decidindo continuar sua vida no Japão.

Acontecera o seguinte: quatro anos depois que foi para São Paulo, Rosana saiu da casa da tia de livre e espontânea vontade e foi morar com o namorado e o plano era ir para o Japão com ele. E ela acabou partindo para lá sem ao menos saber que a avó tinha sido internada vindo a falecer pouco depois. Também não ficou sabendo da mudança da tia depois de fechar o salão de beleza.

- Eu fiz coisas muito erradas, foi castigo de Deus! Eu abandonei a avozinha que me criou com sacrifício! Eu abandonei a tia que me deu casa e emprego! Por isso que meu marido foi embora e eu fui jogada fora como um lixo! O Massa tem um coração limpo! Quando eu também tiver um coração limpo, vamos nos encontrar de novo!

Depois disso, Rosana não telefonou mais, mas Massatochi não ficou preocupado. “A Zana vai dar a volta por cima, com certeza”.

Pela janela ele viu que o ipê estava em plena floração. De repente, lembrou uma música aprendida no Japão e achou que ela combinava perfeitamente com os dois. Começou a entoá-la, repetindo o seu verso preferido:

Saraba tomoyo   Tabidachi no toki  Kawaranai sono omoi o  Ima1

Amanhã, um novo dia nos aguarda!

 

Nota:

1. “Adeus, amiga É hora de partir agora E esse sentimento não mudará” – “Sakura”, composição de Naotaro Moriyama

 

© 2021 Laura Honda-Hasegawa

Brasil dekasegi ficção trabalhadores estrangeiros Nikkeis no Japão
Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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