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Promoção 89. De dekasegi a residentes: 30 anos - Parte 1

Trinta anos é meia vida. É o que acontece na história dos peruanos que um dia decidiram ir para o Japão, sem muito mais do que a vontade de trabalhar e a esperança de um futuro próximo melhor. Alguns desses senpai (pessoas mais experientes) da comunidade lembram-se daqueles primeiros dias.

Ninguém imaginaria que uma estadia temporária para ganhar dinheiro acabaria por durar e criar raízes. Alguns saíram do Peru solteiros e hoje são avós; Muitos começaram a juventude quando embarcaram no avião e hoje têm cabelos grisalhos. Trinta anos depois, existem até quatro gerações de peruanos no Japão.

“Ficamos surpresos que eles chegaram repentinamente e em grande número. 'O que está acontecendo?', nos perguntamos no trabalho. “Isso significava que as coisas lá (no Peru) estavam piores do que o normal”, lembra Don Luis Oshiro, um jovial peruano que já ultrapassou a idade da reforma, mas cujo vigor e entusiasmo lhe permitem continuar a ser um dos funcionários com mais experiência. a fábrica de vidro onde trabalha desde 1983.

Um extenso relatório publicado numa edição especial da Nikkei Press em 1988 deu conta do êxodo em massa que estava por vir. Em 2008, viviam no Japão cerca de 60 mil peruanos.

É anterior ao chamado “Fenômeno Dekasegi (termo que se refere ao trabalho temporário fora do local de origem). Chegou em Okinawa em 1980 e de lá se matriculou em empregos em Fukui e Shizuoka, indo parar em Kanagawa, na cidade de Kawasaki, onde mora. Mas não o fez em grupo, como aconteceria uma década depois. Ele veio sozinho, para tentar a sorte, e ficou.

Oshiro e outros “veteranos” peruanos instruíram os primeiros dekasegi – como então foram batizados – nas tarefas a serem desempenhadas naquela subsidiária da Asahi Garasu e na rotina de vida no Japão.

Fevereiro de 1989 é indicado como a data em que teria começado o êxodo em massa de latino-americanos para o Japão. Isto significa, em grandes grupos, organizados e previamente aceitos pelas empresas contratantes japonesas.

Eles viajaram por meio de agências de turismo, muitas das quais vendiam passagens com financiamento. Dias em que o Peru bateu o recorde mundial de inflação e o terrorismo parecia vencer a batalha em muitos lugares do país. O suficiente para procurar um futuro fora das suas fronteiras, tornando-se “exilados económicos”.

Em meados dos anos 80, os peruanos em todo o Japão não chegavam a mil. O ano de 1989 terminaria com um número superior a 4 mil, quase todos chegando nos últimos meses para trabalhar. Com vistos de visita familiar, aqueles que tiveram contato com seus parentes japoneses. Aqueles que não o fazem, com vistos de “formação técnica” que o governo inventou para cobrir as milhares de vagas na maquinaria produtiva japonesa. Ainda havia trabalho, mas o fim do boom da era da “economia de bolha” estava ao virar da esquina.

TOCHIGI E KANAGAWA: O COMEÇO

Mooka, em Tochigi, e Kawasaki, em Kanagawa, foram provavelmente as cidades onde muitos destes “pioneiros” passaram a primeira noite no Japão. Foram as próximas paradas após o pouso no aeroporto de Narita.

A primeira foi a sede da agência Naruse ou Narukawa, que se tornou, no final dos anos 80 e grande parte dos anos 90, a maior empreiteira que contratava latino-americanos. Lá, apenas na fábrica de Kinugawa Gomu (que fornece autopeças para a Nissan), localizou cerca de 300 de seus trabalhadores, fora de outras fábricas que compõem os complexos industriais desta pequena cidade.

Eles chegavam ao alojamento do empreiteiro várias vezes por semana e de lá eram encaminhados para diversas prefeituras. Antes da chegada dos latino-americanos, em 1988, apenas 134 estrangeiros viviam em Mooka.

Em Kawasaki, Kanagawa, fábricas relacionadas com Asahi Garasu, Isuzu, Furukawa ou Press Kogyo, entre outras, atenderam às expectativas salariais de milhares de outras. Em troca disso, muitas horas manuseando máquinas pela primeira vez em condições e temperaturas extremas, em muitos casos. Foi nesta cidade que muitos se reuniram, visto que ali estavam localizadas as empresas que enviavam remessas, restaurantes peruanos e vários empreiteiros. Seria também o berço da formação de algumas associações peruanas.

ALIENÍGENAS AQUI E LÁ

Marcos Kanashiro chegou aos 20 anos, em março de 1989. Foi um dos cinco primos que um tio chamou para trabalhar na fábrica de caminhões Hino, na cidade de Hamura (Tóquio). Foi primeiro para Okinawa, de onde, através da Hello Work – agência nacional de procura de emprego – prorrogaram um contrato por seis meses, ao fim dos quais teve de regressar.

Ofícios como soldagem foram alguns dos trabalhos iniciais para os quais foram contratados os peruanos que chegaram ao Japão. (Foto @Eduardo Azato)

“No início foram muitos os choques: a mudança de horário do dia para a noite, a alimentação, o pouco conhecimento do idioma. Meu trabalho era soldar por várias horas, o que acabou prejudicando minha visão. Para dormir tive que colocar uma toalha fria na testa. Trabalhei um ano e mudei para Kanagawa, ingressando na Kogyo Press, em Fujisawa, também para soldar peças de caminhões que chegavam ao meu setor a cada três minutos, na linha de produção”, lembra.

A maioria dos trabalhadores era de ascendência japonesa e esta particularidade os favoreceu após uma mudança nas leis de imigração na primavera de 1990, permitindo atividades laborais irrestritas para estrangeiros de origem japonesa até a terceira geração (sansei) por períodos prolongados. O visto não precisava ser renovado a cada seis meses.

Mas ser Nikkei no Japão nem sempre representa o mesmo que ser Nikkei no Peru. Na experiência de muitos, isso não aumentou nenhum bônus, não deu “bônus extra”. Para os japoneses comuns, eles podiam ter ancestrais, sobrenomes e até aparência semelhantes, o que poderia despertar algum tipo de simpatia, mas ainda eram estrangeiros. Isto teve consequências para alguns, que passaram a questionar qual era a sua verdadeira identidade.

“Na verdade não foi um choque, mas às vezes pensava-se: 'Nossa, no Peru me chamam de japonês, e aqui sou estrangeiro.' Acho que todo mundo já sentiu isso. Mas isso não me incomodou porque os japoneses valorizam você pelo seu desempenho no trabalho. Depois que você aprendeu, o tratamento era diferente, mudou completamente. Claro, nunca faltam pessoas que não gostam de estrangeiros. Mas comparado a 30 anos atrás, posso dizer que os japoneses já estão se acostumando”, diz Kanashiro.

Mary Arakaki, que também passou três décadas no Japão, achava que, por ser nikkei, o tratamento dispensado aos japoneses poderia ser diferente. “Foi decepcionante no início. Lá eles nos fizeram sentir estrangeiros e aqui também. Sempre tento explicar isso aos japoneses. No começo foi difícil, notou-se que por ser estrangeiro o tratamento era duro. Agora são tempos diferentes, eles já estão se adaptando às mudanças.”

A LÍNGUA, TAREFA PENDENTE

“Lembro que quando cheguei não entendia nada, apesar de ter estudado um pouco de nihongo (língua japonesa) em Lima. Então, para me explicar o trabalho que eu tinha que fazer ou para onde ir, a japonesa responsável me puxava pelas roupas. Foi uma coisa que me incomodou muito e várias vezes saí chorando, com vontade de desistir. Mas à medida que você aprende o idioma, as coisas ficam mais fáceis. Eu já entendi o que estavam me falando e o tratamento foi diferente, com respeito. Não que quisessem me fazer ijime (assédio ou bullying ), mas que, sem entender, impotentes, sentiram a necessidade de puxar meu avental para me dizer o que eu deveria fazer. Acho que antes a gente tinha mais interesse em estudar o idioma. Eu tive que fazer isso desde que meus filhos começaram a escola porque eu não entendia o que eles me falavam na creche ou no hospital. Tivemos que aprender à força com um professor particular”, diz Gloria Zukeran, que chegou em dezembro de 1989, chamada pelo marido, que a precedeu alguns meses.

Trabalhar ao lado de um chefe que só usa insultos para apontar erros é uma experiência que todo mundo tem. Isto, somado à solidão e ao choque cultural, pode ser um coquetel perigoso.

“Entre aguentar os gritos e não conseguir dar explicações por não conhecer a língua, você fica estressado. Nem todo mundo tem paciência para encarar isso levianamente, esquecer e seguir em frente. Afetou muitos seriamente. Mas na maioria dos casos são mal-entendidos ou impotência, motivados pela falta de conhecimento da língua. Naquela época, os japoneses também não estavam acostumados a interagir com estrangeiros”, lembra Marcos Kanashiro.

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* Este artigo foi publicado graças ao acordo entre a Associação Japonesa Peruana (APJ) e o Projeto Descubra Nikkei. Artigo publicado originalmente na Revista Kyodai , adaptado para a revista Kaikan nº 119 e para o Descubra Nikkei.

© 2019 Texto y fotos: Eduardo Azato

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About the Author

Iniciou sua carreira no jornalismo aos 18 anos, na mídia da comunidade Nikkei peruana, ao mesmo tempo em que estudava Ciências da Comunicação na universidade. Teve a oportunidade de cobrir jornalisticamente vários eventos Nikkei internacionais nas Américas. Desde 1990 mora no Japão, onde como jornalista e fotógrafo freelancer publica nas revistas Mercado Latino e Kyodai Magazine . Também é correspondente do jornal Prensa Nikkei em Lima.

Última atualização em agosto de 2019

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