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A guerra entre Estados Unidos e Japão e a perseguição de imigrantes japoneses na América

O ataque japonês a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941 não apenas iniciou a guerra entre Estados Unidos e Japão. A partir desse dia, as comunidades de migrantes japoneses que haviam chegado em diferentes países da América tornaram-se parte do conflito e das próprias hostilidades.

Os imigrantes japoneses foram considerados por vários governos do continente como um exército invasor do império japonês, por isso foram concentrados e perseguidos nos países onde os imigrantes se estabeleceram por décadas. Os filhos dos japoneses, sem possuírem a nacionalidade do país de seus pais, foram acusados ​​de serem "inimigos estrangeiros" no próprio país em que nasceram. A guerra do Pacífico desencadeou, em grandes proporções, o ódio racial contra os imigrantes, sentimento que já estava presente desde os tempos em que foram chegando em ondas, no final do século XIX.

Do Japão, mais de 800 mil pessoas saíram em direção à América em busca de trabalho e um futuro melhor. Eram agricultores, mineiros, pescadores, comerciantes e profissionais que construíram comunidades sólidas com raízes profundas nas vilas e cidades onde se instalaram. Alguns japoneses naturalizaram-se em diferentes países como o México; dezenas de milhares deles queriam fazê-lo nos Estados Unidos, mas as leis norte-americanas não o permitiam ao considerá-los uma raça inferior e um perigo para sua segurança.

Nos Estados Unidos, em fevereiro de 1942, o presidente Franklin Roosevelt autorizou que os 120.000 japoneses e seus descendentes que moravam no país fossem internados em 10 campos de concentração. Do total dessas pessoas, dois terços eram jovens e crianças que tinham cidadania norte-americana.

Campo de concentração em Manzanar, Califórnia, onde se concentraram mais de 10 mil pessoas.

México, Peru e Brasil, pressionados pelo governo norte-americano, promulgaram decretos que obrigavam as famílias dos imigrantes a se deslocarem para outros lugares para serem vigiados e concentrados. O caso mais grave foi levado pelas autoridades peruanas que permitiram também que os imigrantes fossem praticamente sequestrados e levados para os Estados Unidos. No total, mais de 2 mil japoneses e seus descendentes na América Latina, a grande maioria procedente do Peru, foram transferidos de maneira obrigatória aos campos de concentração norte-americanos.

Uma bomba atômica avançada.

A concentração, a vigilância e a transferência forçada significaram para os japoneses e seus descendentes na América um enorme sofrimento, que destruiu o ambiente em que haviam vivido. Eles tiveram que abandonar os empregos e o modo de vida que haviam construído, deixando suas casas e bens que haviam colhido como resultado de seu trabalho em décadas. As crianças e jovens se viram forçados a deixar as escolas e os lugares onde cresceram. A guerra e as medidas que ela trouxe, representaram para todos eles uma bomba atômica que destruiu tudo em um instante.

O governo mexicano, no mesmo mês de dezembro de 1941, ordenou que todas as famílias dos japoneses que se estabeleceram na fronteira com os Estados Unidos se mudassem para as cidades de Guadalajara e México. Com seus próprios recursos e com o que puderam levar com eles, os pescadores de Ensenada e os produtores de algodão de Mexicali, na Baixa Califórnia, foram os primeiros a sair para os locais de concentração. Os mineiros de Coahuila, os pequenos comerciantes alocados em Sonora e Ciudad Juárez, Chihuahua, receberam os fatídicos telegramas de mobilização. Mais tarde, em todos os lugares da República onde os imigrantes que estavam perto da costa se estabeleceram, as mesmas ordens do governo foram entregues a eles. O Ano Novo de 1942 foi recebido com presságios muito ruins para todas as comunidades japonesas que estavam totalmente estabelecidas em vilas e cidades do México.

Transferência obrigatória de imigrantes e suas famílias para as cidades de Guadalajara e México.

A organização e solidariedade dos imigrantes no Comitê de Ajuda Mútua, Kyoei kai.

Para hospedar e receber os japoneses e suas famílias nas cidades do México e Guadalajara, os moradores que viviam nessas cidades criaram um Comitê de Ajuda Mútua, Kyoei kai. A organização desse comitê, autorizada pelo próprio governo mexicano, possibilitou receber e alojar temporariamente os milhares de imigrantes que não tinham onde morar e orientá-los a encontrar um trabalho. Os fundos do Kyoei kai surgiram dos recursos que a embaixada do Japão havia deixado no México ao romper as relações entre os dois governos e as doações em dinheiro e espécies que a própria comunidade contribuiu para apoiar seus compatriotas.

Os comitês da Cidade do México e de Guadalajara ajudaram no que puderam para melhor apoiar todas as famílias que chegaram abruptamente a essas cidades. Muitos dos concentrados não tinham recursos ou nem possibilidade de conseguir um emprego para sustentar suas famílias. Diante dessa situação, o Comitê procurou locais apropriados para que as famílias não apenas fossem alojadas, mas pudessem ter um meio de subsistência. Foi assim que a Fazenda de Temixco, perto de Cuernavaca, foi comprada para que os imigrantes e suas famílias pudessem plantar arroz e verduras e serem remunerados com um salário. Perto de Guadalajara, no município de Tala, outro lugar foi estabelecido na fazenda Castro-Urdiales de propriedade de Jesús González Gallo, que era secretário particular do presidente do México, Manuel Ávila Camacho.

A medida de concentração causou desconforto não apenas entre os próprios imigrantes. Nos lugares onde moravam, os colonos enviaram cartas às autoridades para que a mobilização não ocorresse; até mesmo as próprias autoridades locais foram as que exigiram que permanecessem naqueles lugares. Os habitantes conheciam os imigrantes diretamente e os consideravam como pessoas honestas e trabalhadoras, sabiam por experiência própria que eles não representavam nenhum perigo como a propaganda oficial apontava.

A concentração e o fim da guerra. Uma nova forma de integração ao México

A concentração e a realocação forçada representaram um novo desafio para as comunidades japonesas. Uma nova imigração de fato, tão incerta e complicada quanto a dos primeiros anos em que chegaram ao México. A concentração, no entanto, reforçou a solidariedade e os laços de integração e ajuda que se encontravam dispersos em muitos lugares. A preocupação central das comunidades nessa nova etapa era que seus filhos não só tivessem alimento para sobreviver, mas também fossem preparados e educados para enfrentar os desafios que a vida lhes apresentaria. Pelas manhãs, as crianças frequentavam escolas públicas, enquanto à tarde, cinco escolas foram criadas nos diferentes bairros da Cidade do México, onde tinham aulas de japonês e outras matérias de estudo. Em Guadalajara, outra escola foi organizada.

Escola na Cidade do México (coleção da família Hara)

No final da guerra, a grande maioria dos concentrados decidiu não voltar aos seus locais de origem, porque já estavam instalados de uma maneira ou de outra, pois nessas grandes cidades havia escolas de ensino médio e superior, onde seus filhos se preparariam de melhor forma. Esta geração de descendentes de japoneses se constituiria nos profissionais que deram e dão presença e prestígio à comunidade nikkei hoje. As condições de infelicidade e opressão foram, no final, propícias para criar uma nova comunidade nikkei integrada ao México, mas com raízes do país do qual seus pais vieram.

Akemi Matsumoto, filha de um imigrante que ficou concentrado nos Estados Unidos, escreveu um poema que está inscrito nas pedras do memorial na cidade de Washington, a poucos metros de Capitolio.

Japoneses de sangue,
Coração e mente americanos.
Com honra imbatível
suportaram a picada da injustiça
para as gerações futuras

  (Inglês original)
   Japanese by blood,
   Hearts and minds American.
   With honor unbowed
   Bore the sting of injustice
   For future generations.

O monumento foi construído como resultado da luta de décadas, pela qual os sobreviventes dos campos norte-americanos passaram a fim de exigir um pedido oficial de desculpas do governo. O presidente Ronald Reagan assinou tal pedido de desculpas no ano de 1988 e compensou os sobreviventes.

Monumento em memória dos nipo-americanos (Coleção de Sergio Hernández)

O poema, por sua vez, pode ser representativo do sentimento dos filhos de imigrantes em toda a América que cresceram como cidadãos desses países. Infelizmente, os governos da América Latina não ofereceram um pedido de desculpas oficial que merecem, não só os descendentes de imigrantes, mas todos os cidadãos em geral, perante a violação massiva dos direitos humanos e constitucionais perpetrados como parte da guerra entre o Japão e os Estados Unidos.

 

© 2018 Sergio Hernández Galindo

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About the Author

Sergio Hernández Galindo é formado na Faculdade do México, se especializando em estudos japoneses. Ele publicou numerosos artigos e livros sobre a emigração japonesa para o México e América Latina.

Seu livro mais recente, Os que vieram de Nagano. Uma migração japonesa para o México (2015) aborda as histórias dos emigrantes provenientes desta Prefeitura tanto antes quanto depois da guerra. Em seu elogiado livro A guerra contra os japoneses no México. Kiso Tsuru e Masao Imuro, migrantes vigiados ele explica as consequências das disputas entre os EUA e o Japão, as quais já haviam repercutido na comunidade japonesa décadas antes do ataque a Pearl Harbor em 1941.

Ele ministrou cursos e palestras sobre este assunto em universidades na Itália, Chile, Peru e Argentina, como também no Japão, onde fazia parte do grupo de especialistas estrangeiros em Kanagawa e era bolsista da Fundação Japão, afiliada com a Universidade Nacional de Yokohama. Atualmente, ele trabalha como professor e pesquisador do Departamento de Estudos Históricos do Instituto Nacional de Antropologia e História do México.

Atualizado em abril de 2016

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