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Isamu Carlos Shibayama e a perseguição dos japoneses latino-americanos: um arquivo aberto

Isamu Carlos Shibayama, filho de imigrantes japoneses, nasceu no Peru em 1931. Quando ainda criança, seus pais, irmãos e avós foram detidos em Limaa pedido do governo americano em 1944. A família Shibayama foi enviada para os Estados Unidos, onde foi aprisionada por dois anos em um campo de concentração em Crystal City, no Texas. Durante a guerra, os seus avós foram trocados por cidadãos [prisioneiros] dos países aliados; Isamu nunca mais voltaria a vê-los.

Shibayama está agora com 86 anos de idade. Ele tem cidadania americana comotambém força para exigir justiça pelas violações dos direitos humanos sofridas pela sua família por parte do governo americano. Em 21 de março de 2017, Isamu compareceu a uma audiência concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização (CIDH) dos Estados Americanos (OEA) em Washington para que pudesse expor pessoalmente as razões para a sua queixa. Há 13 anos, Isamu e seus dois irmãos mais jovens entraram com uma ação nesta organização internacional a fim de obter indenizações e um merecido pedido de desculpas do governo americano.

Isamu Carlos Shibayama (à extrema direita) com seus irmãos mais jovens e os pais no Peru.

Apesar da Comissão Interamericana não ter a autoridade de forçar os governos a respeitarem as suas resoluções, o avanço da ação da família Shibayama levaria ao conhecimento público as flagrantes violações da lei que os governos tanto dos Estados Unidos quanto do Peru cometeram contra um grupo de cidadãos que não haviam cometido qualquer crime. A acusação sob a qual o governo americano deteve os japoneses latino-americanos foi a de serem“estrangeiros ilegais”, quando na verdade foram as próprias autoridades deste país que os aprisionaram e confiscaram seus documentos de identificação.

Campo de concentração em Crystal City, no Texas (Coleção DENSHO).

Nos Estados Unidos, antes da guerra estourar, os cidadãos americanos de origem japonesa foram vítimas desta política persecutória do seu governo. Através de uma ordem executiva do presidente Roosevelt,foi ordenada a detenção de mais de 120 mil pessoas em 10 campos de concentração em fevereiro de 1942. Alguns nipo-americanos, assim que receberam a ordem de que seriam enviados aos campos, entraram com ações na justiça para prevenir essa arbitrariedade – procedimento infelizmente rejeitado pelos juízes. No entanto, décadas mais tarde, a perseverança dos nipo-americanos levou a uma grande vitória quando foi assinado o Ato das Liberdades Civis pelo presidente Ronald Reaganem 1988.

A expedição deste ato permitiu a concessão de uma indenização de 20 mil dólares e de um pedido de desculpas que o governo americano ofereceu aos seus cidadãos que haviam sido encarcerados injustamente. Além disso, a nova lei assinalou que o preconceito racial e a histeria da guerra haviam causado estas violações dos direitos dos cidadãos. Esta vitória da comunidade nipo-americanatambém fez com que o governo americano concordasse em conceder uma indenização de apenas 5 mil dólares e de fazer um tímido pedido pessoal de desculpas para os japoneses latino-americanos que foram aprisionados do mesmo modo. A oferta foi rejeitada pela família Shibayama, pois a proposta era claramente discriminatória e injusta.

Assinatura do Ato das Liberdades Civis em 1988.

A enorme dor que a perseguição política americana causou à família Shibayama e aos mais de 1.800 japoneses e seus descendentes que foram transferidos do Peru nunca poderá ser compensada por qualquer quantia de dinheiro. Por isso, a família Shibayama deseja, acima de tudo, que o seu caso passe a ser conhecido e que sirva como um precedente para que nenhuma outra pessoa em qualquer parte do mundo sofra o que sofreram, assim como declarou Isamu durante o seu depoimento perante a Comissão Interamericana.

A perseguição sofrida pelos japoneses não ficourestrita apenas aos Estados Unidos e ao Peru. Os imigrantes japoneses e seus descendentes foram perseguidos pelo governo americano por todo o continente. Além do grupo de 1.800 peruanos japoneses, cerca de 400 imigrantes foram levados do Panamá, Colômbia, Cuba e outros nove países latino-americanos aos campos de concentração nos Estados Unidos. Devemos reconhecer que, no caso do México, o governo mexicano se opôs ao pedido americano para enviar imigrantes a este país. No entanto, depois da guerra começar, um grupo de pescadores que moravam no porto de Ensenada, na Baja Califórnia, chegou no porto de San Diego por conta própria; eles acabaram sendo presos e internados naqueles mesmos campos, acusados de serem “estrangeiros inimigos” apesar de que alguns deles já eram cidadãos mexicanosnaturalizados (veja “La guerra de odio y persecución contra los emigrantes japoneses en América. ¡NUNCA OLVIDAR¡” [Espanhol]).

É necessárioesclarecer que a perseguição e o assédio às comunidades de imigrantes em todo o continente não começou após o ataque japonês a Pearl Harbor em dezembro de 1941. Décadas antes, antes mesmo da ascensão do Japão como grande potência imperialista na Ásia no início do século XX, o Departamento de Guerra americano pediu a suas embaixadas em todo o continente que reportassem o número e as atividades dos imigrantes daquela nacionalidade a partir de 1910.

Paralelamente à política de vigilância do governo americano, os ataques xenófobos contra os trabalhadores imigrantes passaram a ocorrer nos Estados Unidos e no Peru quando eles começaram a chegar nestes países no início do século. Nos E.U.A. foram decretadas leis restritivas para segregar os filhos de imigrantes nas escolas públicas na cidade de São Francisco em 1906. Anos mais tarde, foi promulgada uma lei proibindo os imigrantes de se tornarem proprietários das terras agrícolas que haviam comprado, sendo forçados a transferi-las para os seus filhos que já eram cidadãos americanos. Finalmente, em 1924 o presidente dos Estados Unidos assinou uma lei que tornaria impossível a entrada de mais imigrantes japoneses e que além disso impedia anaturalização daqueles que já estavam vivendo nos Estados Unidos há décadas por motivos de “contaminação racial”.

Durante a década de 30, a defesa dos seus interesses imperialistas na Ásia fez com que aumentassem as diferenças entre o Japão e os Estados Unidos. Esta situação intensificou a vigilância e o assédio do governo americano aos interesses japoneses no continente. Com a proximidade da guerra, o FBI e os serviços de inteligência americanosse encarregaram de monitorar não apenasos movimentos dos diplomatas japoneses no continente, mas também passaram a considerar os imigrantes estabelecidos em vários países latino-americanos como membros da “quinta coluna”; ou seja, participantes de um exército invasor instalado no continente americano a serviço do governo imperial japonês.

Foi no Peru que ocorreu o incidente mais grave que os imigrantes tiveram que enfrentar antes da guerra. Rumores levaram multidões enfurecidas a saquear e atacar negócios japoneses, pois acreditavam que nesses estabelecimentos estavam escondidas armas que seriam usadas ​​para derrubar o governo. Nessa atmosfera anti-japonesa em todo o continente e rancorosa entre os Estados Unidos eo Japão, as comunidades de imigrantes começaram a vivenciara guerra antes dela ter começadona realidade. O FBI já tinha na época um conhecimento bem precisosobre osimigrantes, suas organizações, escolas e atividades às quais se dedicavam em todos os países do continente.

Concentração de japonesespor Departamento, de acordo com o FBI (NARA, BIBLIOTECA FDR).

O ataque japonês à base naval americana em Pearl Harbor resultou no aumento da desconfiança, como também do ódio, dos imigrantes em todo o continente. Os governos da região puderam assim implementar uma política de detenção que permitiu a criação de campos de internamento para os imigrantes em diversos países e o confisco dos seus bens e propriedades, contando com o apoio da maioria dos seus cidadãos. O medo de uma suposta “invasão japonesa” apoiada pelos imigrantes justificou o confinamento dos japoneses e seus descendentes no continente, pois eram vistos como um perigo para a segurança da regiãopor causa da guerra com o Japão.

A batalha que os irmãos Shibayama vêm travando na organização continental de defesa dos direitos humanos ainda vai ser longa. A justiça vai demorar a chegar, e apesar da deterioração da saúde dos irmãos Shibayama devido à sua idade avançada, esperamos que eles consigam alcançá-la. Além disso, a luta dos irmãos Shibayama é mais do que pertinente neste momento por duas razões: 1) Nenhum governo latino-americano reconheceu asérie de violações que o Estado cometeu contra os imigrantes e muito menos se desculpou por elas. 2) Os demônios racistas, discriminatórios e persecutórios – que nunca desapareceram da sociedade americana –foram mais um vez soltos com toda forçapela cúpula do próprio governo daquele país.

 

© 2017 Sergio Hernández Galindo

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About the Author

Sergio Hernández Galindo é formado na Faculdade do México, se especializando em estudos japoneses. Ele publicou numerosos artigos e livros sobre a emigração japonesa para o México e América Latina.

Seu livro mais recente, Os que vieram de Nagano. Uma migração japonesa para o México (2015) aborda as histórias dos emigrantes provenientes desta Prefeitura tanto antes quanto depois da guerra. Em seu elogiado livro A guerra contra os japoneses no México. Kiso Tsuru e Masao Imuro, migrantes vigiados ele explica as consequências das disputas entre os EUA e o Japão, as quais já haviam repercutido na comunidade japonesa décadas antes do ataque a Pearl Harbor em 1941.

Ele ministrou cursos e palestras sobre este assunto em universidades na Itália, Chile, Peru e Argentina, como também no Japão, onde fazia parte do grupo de especialistas estrangeiros em Kanagawa e era bolsista da Fundação Japão, afiliada com a Universidade Nacional de Yokohama. Atualmente, ele trabalha como professor e pesquisador do Departamento de Estudos Históricos do Instituto Nacional de Antropologia e História do México.

Atualizado em abril de 2016

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