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História nº 28 (Parte II) 27 anos depois, a volta à terra natal

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Massahiro Shibata, 46 anos, 25 morando no Japão. Voltou a Presidente Prudente, sua terra natal, após 27 anos.

A cidade não havia mudado tanto como imaginava. “Será que alguém vai me reconhecer?” – se perguntava andando pelas ruas e logo vinham pessoas para conversar com ele:

- Se lembra de mim? Sou a baachan do Kiyoshi.

- Nossa! Você não mudou nada, hein?

- E a família, veio junto?

- Então, Prudente mudou desde aquele tempo, não?

- Soube que se casou com moça do Japão. Parabéns!

- Sabe o meu filho Sabu-chan? Foi embora pra São Paulo.

- Bom, não? Como eu também queria viver no Japão!

- Não vai me dizer que está pensando em voltar de vez para o Brasil!?

- O Brasil não está bom, viu?

- Venha em casa. Vamos comemorar com aquele churrasco!

Massahiro estava surpreso, pois não havia pensado que tanta gente pudesse se lembrar dele.

E teve de admitir que voltar ao Brasil não estava nos seus planos.

Aos 19 anos saiu de Prudente para morar em São Paulo e dois anos depois foi trabalhar no Japão.

Adaptou-se perfeitamente à nova terra e sua vida foi ficando cada vez melhor.

Como gostava muito de futebol, ele formou um time com seus colegas de trabalho e, mais tarde, reuniu os filhos dos decasséguis e começou a dar aulas de futebol. Certo dia, um dos meninos teve entorse de tornozelo e foi levado ao hospital.

Durante o atendimento, vendo que Massahiro acompanhava de perto muito apreensivo, a enfermeira disse: “Pai, não precisa se preocupar. É sinal que seu filho tem muita saúde”.

Nesse exato momento, o rosto alegre da enfermeira pareceu o sol brilhando diante de Massahiro. Era de uma beleza radiante!

Uma semana depois, ele foi ao hospital comunicar à enfermeira como estava o menino e, em agradecimento, ofereceu-lhe um ramalhete de flores. Ela ficou surpresa, mas aceitou diante de gesto tão singelo. Nessa ocasião, os dois se apresentaram formalmente: Massahiro Shibata, nikkei brasileiro de terceira geração e Ami Ogawa, natural de Osaka.

Veio o verão e a cidade ganhou vida com os festivais e eventos ao ar livre acontecendo cá e lá. Massahiro estava a caminho de um show de rock quando, inesperadamente, deparou-se com Ami numa esquina. Foi ela que viu primeiro e falou: “Shibata-san, há quanto tempo!”. Ao seu lado, uma garotinha muito sorridente.

- É sua filhinha?

- Não. Ela é minha sobrinha. Mas eu é que pergunto: o seu filho, não veio junto?

Foi então que Massahiro lembrou que no hospital ela se dirigiu a ele como “Pai”. Nessa ocasião, ele não percebera que a enfermeira tinha pensado que o garoto fosse filho dele. Mais do que depressa respondeu: “Não, aquele garoto não é meu filho! Eu ensino futebol para ele”.

E como não sabia como dizer “solteiro” em japonês, ele completou a sua resposta assim: “É que... Eu sou sozinho, não tenho nem namorada, não tenho filhos”.

Ami estava com 26 anos e Massahiro com 30. Ambos prontos para começarem uma vida a dois.

Meio ano depois, eles se casaram. Os colegas de trabalho e os amigos de Massahiro e os pais, parentes, amigos e colegas de Ami lotaram o salão da igreja. Os dois irmãos de Massahiro que estavam morando no Japão havia dois anos também compareceram.

“Valeu a pena ter vindo ao Japão!” era o que Massahiro repetia todos os dias. A vida que já era boa se completou com o nascimento do filho e ele foi-se envolvendo cada vez mais nas atividades da comunidade, tanto que o Brasil já estava ficando no esquecimento.

Por diversas vezes sua esposa Ami o incentivara a fazer uma viagem para visitar a cidade natal, mas ele dizia com convicção: “Acho que isso não é necessário, pois a minha preciosa família está aqui e todas as coisas que eu quero estão aqui”.

Mas, finalmente, em março deste ano ele, a esposa e o filho foram para o Brasil.

O que o motivou a tomar essa decisão foram as palavras de seu filho: “ O papai joga futebol muito bem e eu também quero aprender a jogar na terra do futebol! Os jogadores brasileiros são demais!”.Massahiro quis corresponder ao forte desejo do único e amado filho que estava de férias e em abril começaria a cursar o Koukou, escola de ensino médio.

Faltando apenas três dias para o retorno de Massahiro e sua família ao Japão, todos estão atarefados.

Seu pai, que está com dificuldade para andar devido à dor no joelho, não se cansa de levar Massahiro para cá e para lá, conversa com todo mundo que encontra e parece muito feliz!

Ami passa o dia com a madrasta de Massahiro, preparando comida japonesa e comida brasileira, provando e achando tudo muito bom. Por conta disto está com dois quilos a mais, o que a deixa preocupada, mas a verdade é que está mais bonita que nunca!

E o filho Kento não larga da bola um minuto sequer, suas mãos e pernas estão marcadas com hematomas e machucados, mas o seu rosto é de felicidade pura!

Massahiro-san, como é bom poder contar com você! Diz Ami toda orgulhosa.

 

© 2017 Laura Hasegawa

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Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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