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História nº 28 (Parte I): 27 anos depois, a volta à terra natal

“Diz que o Massa está voltando!”

“Quem? Um dos filhos do Shibata-san?”

“Isso. Massahiro, o terceiro dos filhos, está chegando!”

“Já faz quantos anos, hein?”

“Mais de 20 e tantos anos, né?”

Foi em maio de 1990 que Massahiro deixou para trás a cidade de Presidente Prudente, onde tinha nascido e se criado. Tinha 19 anos.

Quando criança vivia com seus pais e dois irmãos mais velhos. Na volta da escola, ficava jogando bola no campinho com os colegas, soltando pipa, convidando a turma para passar em sua casa e saborearem todos juntos o famoso botamochi da avó. À noite, ficava vendo televisão com sua mãe. Levava uma vida muito feliz.

Mas essa vida teve uma reviravolta quando ele estava com 8 anos de idade: a sua mãe falecera depois de ficar muito tempo doente e tudo então mudou.

Na época, o seu pai tinha uma lavanderia onde trabalhava muito desde cedo até a noite. A sua mãe, que desde criança sofria do coração, contava com a ajuda de sua mãe – avó de Massahiro – para cuidar da casa. Por isso, todos os dias, a sua avó chegava cedo na casa e ia embora à tardezinha.

Mesmo sabendo que seu estado inspirava cuidados, quando a mãe acabou falecendo um mês após a crise que a acometeu, a família ficou em choque, não conseguiam sequer ver uma luz de esperança.

Foi aí que a avó tomou a frente dizendo: “A Akemi foi valente lutando contra a doença até o último momento e hoje ela está no céu olhando por todos nós. Se mostrarmos essa tristeza toda, ela vai ficar muito triste!”.

E, aos poucos, a vida foi retornando ao que era antes. O pai dedicando-se ao trabalho, os irmãos ajudando na lavanderia após o período de aulas e a avó cuidando dos afazeres da casa.

Meio ano se passou, quando um conhecido de seu pai veio fazer uma visita com a intenção de apresentar uma pretendente. Era uma cabeleireira de São Paulo, mãe solteira de um filho de 15 anos. Ela queria mudar-se para o interior, pois o custo de vida em São Paulo era caro.

Seu pai não mostrou o menor interesse, mas esse conhecido dele não era pessoa de desistir facilmente. Retornou várias vezes e, por fim, seu pai aceitou casar-se após ouvir o seguinte: “Ela é trabalhadeira e canta muito bem”.

O casamento realizou-se no Kaikan e a família Shibata aumentou de número.

Mas Massahiro não se deu bem nem com a madrasta nem com o filho dela. Como era bem mais novo que os três irmãos, ele vivia apanhando e a madrasta nada fazia para acudi-lo.

Já havia virado rotina Massahiro sair correndo direto para a casa da avó, aos prantos. Como não precisava mais cuidar da casa deles, a avó passava os dias confortavelmente em sua casa.

Massahiro foi se fechando cada vez mais e deixou de ir à escola. Ficava perambulando pela cidade no horário de aula.

Quando seu pai soube que o filho cabulava aula, deu-lhe uma surra daquelas. Para piorar, a madrasta gritou e xingou e os irmãos ficaram alheios a tudo.

A solução foi Massahiro ir morar com sua avó. Ele voltou a frequentar as aulas, se esforçou, fez novas amizades e voltou a ser o menino alegre de sempre.

Ele havia concluído o ensino médio e estava se preparando para os exames vestibulares, quando sua avó foi diagnosticada que estava com câncer no estômago e começou as sessões de quimioterapia. Massahiro cuidou dela com dedicação.

Infelizmente, depois de cinco meses, sua avó veio a falecer.

Outra reviravolta na vida de Massahiro.

“Vá para São Paulo fazer a vida. Batchan te dá o maior apoio.” Foram estas as últimas palavras da avó e ele decidiu tornar isto realidade.

Foi para São Paulo e passados dois anos, certo dia, ouviu de três colegas de trabalho que eles iam para o Japão trabalhar como decasséguis. Massahiro se interessou muito e como já não dava tempo para ir junto, procurou se informar muito bem e se preparou para partir rumo ao Japão.

E hoje, 27 anos depois, ele está de volta à terra natal.

Continuação...>>

 

© 2017 Laura Honda-Hasegawa

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Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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