Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2017/07/17/

Gohan com arroz

Por ter nascido e crescido no Brasil e por ter pais que sempre cultivaram a cultura de seus antepassados, só fui perceber que a culinária brasileira e a culinária japonesa eram distintas quando eu tinha mais ou menos sete anos de idade.

Nessa época um amigo meu, que não é nikkei, disse o seguinte sobre o nosso colega que, como eu, era um dos únicos nikkeis da cidade de Matão, interior de São Paulo:

“Cara, você não vai acreditar: ontem eu almocei na casa do Takeda e a mãe dele serviu arroz sem sal! Você acredita nisso?”.

Após perceber minha hesitação, ele ainda me disse: “Você não acha isso normal, acha?”.

Foi assim que, de queixo caído, descobri que a culinária brasileira e a culinária japonesa não faziam parte de uma mesma cultura, e que, principalmente, elas eram bem diferentes entre si.

E também foi assim que, bem mais tarde, pensando sobre esse assunto, percebi algo ainda mais curioso: que o modo tradicional de preparo do arroz – a base alimentar desses dois países – era a grande diferença entre essas duas culturas. Pois, enquanto uma prega o arroz soltinho e bem temperado, a outra diz que tem que ser grudadinho e sem tempero.

Diferenças essas, vale ressaltar, que apesar de sutis são gritantes a um paladar desavisado – que o diga esse meu amigo.

O sabor do gohan – que é o arroz japonês – é mais acentuado do que o do arroz brasileiro. Os seus grãos também são mais atarracados. Sua característica mais marcante é o fato de que, após preparado, eles ficam bem grudadinhos uns aos outros.

E o seu preparo é extremamente fácil. Basta ter uma panela elétrica ou de pressão, um pouco d’água, um punhado de arroz, vinte minutos de espera e está pronto.

Já o arroz brasileiro, para deixá-lo do jeito certo – soltinho e rachadinho no meio – é algo extremamente difícil.

Inclusive eu já acompanhei testes em que duas pessoas fizeram arroz brasileiro seguindo a mesma receita – quantidade de arroz, de sal, de água e de cebola –, o mesmo método – a altura do fogo, o tipo de panela e a sequência em que se colocam os ingredientes na panela – e a mesma cronometragem – momento de colocar a receita na panela, momento de colocar e de tirar a tampa da panela e momento de apagar o fogo –, e verifiquei que o resultado ficou totalmente diferente um do outro.

Enquanto um ficou soltinho e partidinho, o outro ficou estufado e empapado. Conclusão: fazer arroz brasileiro não é para qualquer um.

Enfim, não tem como comparar a exuberância do arroz brasileiro com a elegância do arroz japonês. Ainda mais se incluirmos as outras formas de preparo.

Por exemplo: no preparo do arroz brasileiro há quem inclua ovo, cenoura, salsinha ou cebolinha – sem contar os ingredientes do Arroz Carreteiro, do Arroz Farofado, do Baião de Dois etc. E no preparo do arroz japonês há quem inclua missô, gergelim e furikake – sem contar os vários ingredientes dos vários tipos de sushis.

Em relação a esses dois tipos de preparo mais tradicionais, eu nunca tive preferência. Pois para mim, eles são tão diferentes um do outro que os considero como pratos distintos. E sou até capaz de servi-los na mesma refeição: gohan com arroz.

Voltando ao começo da crônica:

Tempos depois, aquele meu amigo – o que não é nikkei – jantou em minha casa. E eu, por já conhecer o seu gosto, pedi para que minha mãe preparasse arroz brasileiro. Ela o fez. O meu amigo comeu e ainda o elogiou muito.

Mas não teve jeito. Mais tarde, soube por terceiros, que ele achou estranhíssimo o tempero que nós de casa usamos para a salada: o shoyu.

 

© 2017 Hudson Okada

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Sobre esta série

Como a comida que você come expressa a sua identidade? Como a culinária ajuda a criar laços na sua comunidade e a unir pessoas? Que tipos de receitas foram passadas de geração à geração na sua família? Itadakimasu 2! Um Novo Gostinho da Cultura Nikkei revisitou o papel da culinária na cultura nikkei.

Nesta série, pedimos à nossa comunidade Nima-kai para votar nas suas histórias favoritas e ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas favoritas. No total, cinco histórias favoritas foram selecionadas.

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas.

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About the Author

Udê, ou Hudson Okada, nasceu na cidade de Matão-SP, no dia 02 de agosto de 1979. Mora em São Paulo desde 2005. É neto de japoneses e adora escrever sobre a cultura nikkei.

Faz parte do time de colaboradores do site Descubra Nikkei e do site Tempos Crônicos.



Atualizado em abril de 2017

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