Trabalhei no Brasil como voluntário da Agência de Cooperação Internacional do Japão, a JICA (lê-se ‘djai-ka’), de 2010 a 2013. Uma das minhas atividades era prestar assistência às associações de imigrantes e descendentes de japoneses da Amazônia Ocidental. Por isso, eu viajava constantemente, para diversas cidades. Ajudei em aulas de professores locais com voluntários da JICA e organizei alguns eventos sobre a cultura japonesa. Costumava visitar Rio Branco (Acre), Boa Vista (Roraima) e Porto Velho (Rondônia), capitais de seus respectivos estados, uma vez a cada um ou dois meses. Parintins (Amazonas) não é capital mas tem a Associação Nipo-brasileira de Parintins.
No ano de 2010, o então presidente da associação Mario Taketomi decidiu iniciar aulas de língua japonesa na cidade, com a ajuda de uma voluntária do Centro de Cooperação Internacional do Japão, o JICE (lê-se ‘djai-se’). Aulas voltadas para crianças começaram a ser ministradas na Escola Aldair Kimura Seixas, no centro da cidade. Também foram abertas turmas no Centro de Educação Tadashi Inomata, no subúrbio. Parintins é uma cidade com longa relação com o Japão mas, até então, não havia lá nenhum curso de japonês. Por quê?
O Brasil tem a maior população de origem japonesa fora do Japão. São mais de 1,5 milhão de nipo-brasileiros que vivem em diversas partes do país. A partir do final da década de 1980, muitos desses descendentes de japoneses imigraram para o Japão onde trabalham, majoritariamente, na indústria. É uma vida de trabalho árduo e esses nipo-brasileiros têm contribuído muito para a economia japonesa.
A maioria dos habitantes de Parintins é de origem indígena. Sair das ilhas e visitar outros lugares não é comum entre eles. No entanto, existem parintinenses de origem japonesa e alguns deles até foram para o Japão como dekasseguis, como são chamados os descendentes de japoneses que imigram para trabalhar na Terra do Sol Nascente. Alguns retornaram para Parintins, outros ainda vivem e trabalham no Japão.
Na cidade há alguns prédios e escolas com nomes japoneses. Mas, com exceção de alguns dos ex-dekasseguis, a maioria das pessoas não fala japonês nem tem muito conhecimento sobre o Japão. Atualmente, a única imigrante japonesa ainda residente em Parintins é a senhora Hisako Toguchi, dona do supermercado Casa Sony.
Mas, afinal, como os japoneses foram parar nestas ilhas no meio do Rio Amazonas? Quem é Tsukasa Uetsuka, homenageado com um busto em uma praça ao lado do Bumbódromo de Parintins? A chave para responder a estas perguntas é ‘koutakusei’. ‘Koutakusei’ é a palavra em japonês que designa ex-alunos da Nihon Koutou Takushoku Gakkou, ou seja, Escola Superior de Colonização da Universidade Kokushikan.
Nos anos 1930, o governo japonês tinha um ambicioso plano para trazer o desenvolvimento para o coração da selva amazônica. O objetivo era colonizar a floresta. Para isso, jovens eram treinados em temas como a agricultura nos cursos de colonização oferecido pela escola da Kokushikan. Depois de formados, os ex-alunos eram enviados como colonos para Amazônia. Tsukasa Uetsuka, aquele do busto da praça de Parintins, foi diretor dessa escola. Uetsuka também seguiu carreira política e chegou a ser eleito, no Japão, para a Câmara Baixa e exerceu cargo equivalente ao de deputado federal.
O primeiro grupo de ‘koutakusei’ era formado por 47 rapazes e chegou a Parintins em julho de 1931. Eles nomearam o local como Vila Amazônia. Ali, desenvolveram pesquisas, plantaram verduras e lutaram contra o clima tropical, as diferenças culturais, animais e doenças desconhecidos. O Laboratório de Pesquisas em Desenvolvimento da Amazônia era o centro da vida destes colonos. Até o ano de 1938, um total de 401 japoneses, entre ‘koutakusei’ e seus familiares, estavam vivendo em Parintins.
Um dos objetivos do grupo era pesquisar e plantar uma espécie de juta de alta qualidade usando a terra das áreas úmidas das margens do Rio Amazonas. Depois de alguns anos de trabalho, os colonos conseguiram o que queriam. Naquela época, o café era um item muito importante na economia do Brasil. A juta era uma fibra usada para fazer as sacas usadas na comercialização do café. Assim como o arroz, a juta usada no Brasil era importada da Índia. Porém, com o sucesso dos ‘koutakusei’, ambos os produtos começaram a ser produzidos no Brasil e a juta local chegou até a ser exportada.
No entanto, com a Segunda Guerra Mundial, a situação começou a mudar. O Japão entrou em guerra com os Estados Unidos, que eram aliados do Brasil. Com isso, Brasil e Japão ficaram em lados opostos. Japoneses residentes em todo o país, inclusive os da Vila Amazônia, perderam suas terras, empresas, propriedades e até dinheiro. A língua japonesa foi proibida em todo o Brasil. Ainda assim, a indústria da juta fundada pelos pioneiros japoneses prosperou e contribuiu para a melhoria das condições de vida de muitas comunidades da Amazônia. Mesmo assim, tudo o que foi confiscado pelo governo brasileiro durante a guerra nunca voltou aos japoneses. Além disso, os ‘koutakusei’ se dispersaram. Muitos se mudaram para grandes cidades como Manaus, Belém e até mesmo São Paulo, onde recomeçaram suas vidas. Durante a guerra, o ensino de língua japonesa foi interrompido e nada aconteceu de novo neste campo na região por muitos anos.
“Olha! Essa é uma foto muito importante daquela época. Este é o senhor Uetsuka e este é um mapa da Vila Amazônia. Tenho muitos materiais e fotos dos ‘koutakusei’. Vamos assistir a um filme da época em que eles chegaram aqui”, me diz o Mario Taketomi da Associação Nipo-brasileira de Parintins.
Ele sempre se preocupou em mostrar para os voluntários da JICA como os ‘koutakusei’ se esforçaram, como foi o grande o sucesso que eles alcançaram e a gratidão que os moradores locais têm pelo trabalho que eles desenvolveram. E quando Mario começa a contar as histórias desses pioneiros, não consegue parar.