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História nº 25 (Parte II): O primeiro Carnaval da vida de Toshiaki

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Terminado o serviço na cidade vizinha, Toshiaki retornou e disse de supetão: “Resolvi ir para o Japão!”.

A informação surpreendeu a todos. Imediatamente, Satoshi, seu irmão que tinha sido decasségui, disse com certa intolerância: “Se tinha essa intenção, então por que não foi junto comigo? Naquela época, a situação econômica era bem melhor”.

“Bom saber! O Toshi ainda está na casa dos 40 e é um trabalhador e tanto! Vai se dar muito bem lá!” –  disse logo a cunhada em tom de incentivo.

A mãe, que estava assistindo à televisão na sala junto com os netos, pareceu feliz como se já estivesse esperando por isso. “Até que enfim o Toshi pensou em si mesmo. E se ele voltar casado de lá, eu já posso morrer sossegada” – pensou a mãe, emocionada.

Toshiaki trabalhou incansavelmente durante 26 anos nos negócios da família. Aquela pequena quitanda ele havia transformado na mercearia mais conceituada da região e fazia um ano que o irmão Satoshi era sócio e, como as coisas caminhavam muito bem, pensou que poderia ir para o Japão, despreocupado. Mas não falou para ninguém o motivo de ter tomado essa decisão. Ou melhor, nem ele sabia direito.

Ele desembarcou no Japão no dia 26 de fevereiro de 2015. O trabalho na fábrica e como eram os seus companheiros, nada era novidade, pois ele havia lido anteriormente as “Histórias de decasséguis”. E o mais surpreendente era que ele não tinha a sensação de estar numa terra distante e desconhecida.  Ao trabalho já havia se acostumado, a convivência no alojamento era normal – a única diferença era que a as pessoas que encontrava na rua eram todas japonesas.

Havia uma coisa pela qual Toshiaki aguardava com ansiedade, que era conversar com Satti pelo telefone.

Quando criança, Satti estudava na mesma escola e os dois eram amigos de infância. Mas com o falecimento da mãe, ela, as três irmãs e o pai se mudaram para São Paulo e, passados alguns anos, a família toda foi para o Japão. Recentemente, seu pai e duas das irmãs tinham voltado ao Brasil e abriram um restaurante numa pequena cidade. E Satti havia vindo do Japão para assistir à inauguração do novo negócio. Foi então que ela e Toshiaki se reencontraram.

Satti logo retornou ao Japão e, dois meses depois desse reencontro, foi a vez de Toshiaki ir para lá.

Esse pode ter sido o real motivo de sua ida ao Japão, mas o próprio Toshiaki não sabia direito.

Quando fora à cidade vizinha entregar as verduras, foi por acaso que reencontrou Satti bem na frente do comércio!

“Toshi!? Tudo bem? Olha, eu comprei o CD do Hikawa Kiyoshi e vou te emprestar, tá?”

“Próximo sábado, vou estar de folga, então vou até aí”.

Os dois estavam na mesma província de Aichi, mas moravam distante um do outro.

Chegando o final do ano, Toshiaki foi visitar Satti. Como os nikkeis brasileiros na região eram numerosos, o Natal foi comemorado em grande estilo. E rodeado de muitos novos amigos, Toshiaki cantou e dançou na festa, o que foi uma coisa surpreendente!

“Se for junto com a Satti, a vida pode se tornar mais agradável ainda”, Toshiaki começou a pensar. “Ao lado do Toshi, poderei ter uma vida calma e, quando ficarmos velhinhos, vamos confeccionar muitas coisas com bambu”, pensou Satti por sua vez. Ela se lembrava de quando era criança e ajudava o avô de Toshiaki que fazia artesanato com bambu.

Ambos tinham trilhado caminhos parecidos. Toshiaki perdera o pai cedo e aos 18 anos era o chefe da casa. Satti também perdera a mãe cedo e teve de cuidar das três irmãs menores. Tanto um como outro, esqueceram-se de si mesmos e cuidaram até do casamento dos irmãos mais novos.

No dia 30 de janeiro de 2016, Satti ligou para Toshiaki avisando que estava indo ao Brasil: “É que a minha sobrinha Alícia vai participar no desfile de Carnaval! Diz que vai aparecer na televisão também! Deve ser novidade por ser japonesa, né?”.

Toshiaki levou um susto e ficou preocupado, pressentindo que algo de ruim poderia acontecer novamente. Pois 20 anos atrás, durante o Carnaval, sua noiva tinha sido atropelada por um carro vindo a falecer. Dessa vez, ele queria estar junto de Satti e, assim, foi pedir uma semana de licença no trabalho.

Seu pedido foi atendido e ele chegou ao Brasil no dia 8 de fevereiro, a tempo de assistir ao desfile das escolas de samba. A sobrinha de Satti apareceu vestida com um vistoso quimono curto, calçando sandálias de 15cm de salto, ostentando uma pesada peruca loira e dançou que foi uma beleza!

Era o primeiro desfile de Carnaval a que Toshiaki assistia de perto e ele achou sensacional, mas o que o surpreendeu mesmo foi ver a Satti! Até então, ela que parecia ser grande fã de Enka1, também era muito boa para cantar e dançar samba. E, sem querer, Toshiaki acabou acompanhando o ritmo!

Era o primeiro Carnaval da vida de Toshiaki! E foi também quando ele sentiu que queria estar sempre junto de Satti.

No dia 11 de fevereiro, eles embarcaram de volta ao Japão. Decidiram trabalhar mais um ano e, se possível, viajar um pouco pelo país para, depois, voltar definitivamente ao Brasil.

E como dia 28 de março do próximo ano é o aniversário de 46 anos de Satti, no dia 25, sábado, eles vão se casar na igreja aqui no Brasil. Onde vão morar ainda não está definido, mas o novo negócio deles tem até nome: “Zakkaya do Toshi& Satti”. Vamos ficar na expectativa!

Nota

1. Gênero musical bastante popular, uma mistura de sons tradicionais japoneses com melodias ocidentais. 

 

© 2016 Laura Honda-Hasegawa

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Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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