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Memória, espaço e identidade: A experiência dos imigrantes japoneses no maranhão

Undokai realizado no ano de 1990 na cidade de São Luís (MA) por japoneses e descendentes.

A imigração japonesa alcançou quase que a totalidade do território brasileiro, muito disso devido à procura por terras para o cultivo de hortifrutigranjeiros em geral. Consequentemente espalhando a sua cultura entrelaçando com os costumes e tradições que o Brasil possui. Tudo isso à custa de muito sofrimento, devido à adaptação ao estilo brasileiro, que foi uma experiência problemática e traumática para os japoneses.

Os imigrantes japoneses vislumbraram uma nova chance de mudar de vida depois dos problemas decorrentesda Segunda Guerra Mundial. Muito disso devido à oportunidade que os nipônicos obtiveram em território brasileiro, fugindo de uma realidade onde a fome e a miséria eram presenças constantes na vida e no cotidiano deles. Esse choque cultural entre japoneses e brasileiros resultou em diversas consequências como mudanças nos hábitos alimentares, no modo de cultivo, técnicas agrícolas e outros. Todas as experiências vividas por essas pessoas são memórias muito ricas onde se encontram relatos e histórias de pessoas que vieram do outro lado do mundo em busca de algo melhor. Le Goff (1990) frisa que a memória, por manter certos dados, colabora para que o passado não fique completamente esquecido, uma vez que ela acaba por habilitar o homem a atualizar impressões ou informações passadas, fazendo com que a história se perpetuar-se na consciência humana.

O Maranhão foi mais um dos inúmeroslugares que os nipônicos marcarampresença, se estabelecendo e constituindo um legado baseado em muitas provações e dificuldades em um território estranho. Se apegando as questões culturais para suportar toda essa carga emocional que tiveram que se submeter.À importância do espaço para um determinado povo é vital, e a retirada desse convívio afeta a coletividade de uma forma que até na contemporaneidade os traumas e as consequências são questões visíveis nos descendentes de japoneses. Um povo saído de um país devastado pela guerra acabou por fincar raízes em solo maranhense, um local que em nada assemelhava as tradições nipônicas. O estado do Maranhão possui uma grande historicidade no que tange a imigração japonesa, uma história rica em detalhes, conhecimento e fatos que até hoje são pouco explorados.

A memória dos japoneses e seus descendentes é a base para a construção da história da imigração nipônica no Maranhão, permitindo analisar o pertencimento social por parte desse povo e fazendo uma correlação entre a cultura local, Castells (2000, p.22-23) afirma que identidade é “a fonte de significado e experiência de um povo. (...) Toda e qualquer identidade é construída. A principal questão diz respeito a como, a partir de quê, por quem e para quê isso acontece”. 

A Segunda Guerra Mundial gerou diversas consequências negativas para o Japão, país derrotado na ocasião. Não apenas Hiroshima e Nagasaki foram destruídas, mas também quase todo o parque industrial japonês. Sem poder alimentar e nem oferecer ofertas de emprego, o governo japonês da época resolveu incentivar a população a migrar para outros países, com o intuito de diminuir a pressão social e consequentemente facilitar o processo de reconstrução do país. Ou seja, surgiu um novo processo imigratório muito diferente do primeiro, ocorrido no fim do século XIX. Dessa vez não eram apenas camponeses sem muito estudo que se desbravaram em terras estranhas, mais sim jovens letrados, especialistas qualificados na área agrícola e também em alguns setores da indústria.

Esse processo de imigração de famílias japonesas perdurou por muitos anos. O estado do Maranhão foi um dos últimos destinos dos imigrantes japoneses no Brasil (SIQUEIRA JUNIOR, 2014, p.28). A chegada dos nipônicos em terras maranhenses é datada em 10 de julho de 1960 (AZEVEDO, 2009). Na ocasião dois grupos de imigrantes japoneses chegaram num intervalo aproximado de menos de um ano, o primeiro grupo se fixara na cidade maranhense de Rosário, enquanto o segundo grupo que chegara em 04 de janeiro de 1961 se estabelecera no povoado ludovicense de Pedrinhas (SIQUEIRA JUNIOR, 2014).

As famílias japonesas vieram ao Maranhão objetivando a prática a agricultura, tendo apoio do governo do estado da época. Mas o poder público não soube dar as devidas condições para que os estrangeiros se estabelecessem sem muitos contratempos, o que gerou diversos problemas de adaptação por parte dos nipônicos. Dessa forma, eles tiveram como alternativa o apego ao legado da cultura para suportarem o convívio em um local estranho além do choque cultural que as famílias nipônicas passaram. Adaptar o novo espaço ocupado sob o filtro das tradições milenares japonesas, mesclando com a cultura local, foi à estratégia encontrada para alcançar um resultado que proporcionasse o melhor convívio entre as partes, ou seja, entre “seres estranhos” à localidade, com os seus costumes peculiares e as pessoas que já conviviam na região.

Ao longo dos anos, desde a chegada deles até a contemporaneidade, a convivência, costumes, o cotidiano com o maranhense foi uma situação bem difícil e problemática deles suportarem, devido às inúmeras questões que divergiam entre eles, como o idioma, que dificultava a comunicação, além de outros fatores, como falta de água e moradia inacabadas, que afetou até mesmo no psicológico dos nipônicos presentes no estado (SIQUEIRA JUNIOR, 2014). O sentimento de solidão e isolamento acabava por influenciar na depressão do imigrante, pois devido as suas perdas, o atrelamento com as suas raízes acaba por se suprimir. Os imigrantes japoneses no Maranhão lidaram com um grande impacto social na sua chegada, levando em consideração a diferença do idioma, do clima, dos hábitos, da gastronomia, dos valores, das crenças, nas vestimentas. O que suscitou uma ruptura na forma de ser e de existir, tudo isso foi grandes mudanças que os nipônicos tiveram que enfrentar na época.

Os problemas decorrentes da saúde mental são comuns entre os imigrantes, pois essas pessoas são mais propícias às pressões psicológicas decorrente das dificuldades de adaptação ao novo lugar. Esse tipo de situação pode ocasionar em um choque cultural, que acontece em decorrência de uma nova circunstância na qual os arquétipos de comportamento habituais deixam de ser eficazes e a pessoa não domina os códigos de interação social (Fonseca et al. 2005, p. 74). Em meio a todo esse turbilhão de acontecimento e para preservar a cultura nativa, o meio encontrado pelos japoneses no Maranhão foi à criação de uma associação nipo-brasileira, que teve papel vital na manutenção da unidade japonesa.

Os momentos de folga dos imigrantes japoneses e seus descendentes do trabalho pesado na agricultura e avicultura eram destinados à prática de atividades culturais focando na manutenção dos costumes.

Eles tinham um pensamento que sem uma estrutura como essa, as futuras gerações com o passar do tempo perderiam os laços nativos que os seus pais e avós possuíam, vários hábitos seriam diluídos perante os costumes ocidentais que rivalizam, essa é uma preocupação que eles possuem até a atualidade. Isto é, há o medo dessa identidade se perder perante a cultura brasileira.

O pertencimento social dos japoneses em solo maranhense foi um fator a ser estabelecido desde a chegada deles, pois estavam em uma terra estranha com cultura diferente e ao longo do tempo foram depositando nesse espaço a sua parcela de contribuição no que se refere a transformar o espaço o mais próximo possível da sua terra natal, mudando o status de espaço para território, um lugar que se caracteriza pela impregnação do poder, ou seja, um ambiente que eles estariam seguros de si, que seria o mais próximo possível do território japonês que eles já estariam acostumados.

A base de toda a narrativa histórica dos japoneses que imigraram para o Maranhão é a memória. Tantas e tantas experiências e histórias de vida que os descendentes e os poucos nipônicos que ainda vivem atualmente possuem, demonstram o quão importante é o conhecimento que eles possuem. A memória que eles mantém é o resultado de todo esse processo histórico que ocorreu no Maranhão nos últimos 55 anos. É uma rica fonte de conhecimento onde no que é possível é repassada aos mais novos.

No que tange a religiosidade, os nipônicos que imigraram ao Brasil de certa forma tiveram que se converter a religião local, mudando consequentemente a sua identidade, o que Hall (2003, p.17) entende como “os quadros de referência que dão aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social”. Tudo isso com o propósito de se inserir na comunidade local e despertando um sentindo de pertencimento, o que acarretaria posteriormente em algum ganho socioeconômicos.

Os nipônicos no Maranhão passaram de negativo e de positivo ao longo dos anos, as dificuldades no trabalho do campo, a questão do idioma, a logística da viagem do Japão para o Brasil e até questões básicas como abastecimento de água. Além de alcançaram a tão sonhada ascensão econômica e social no Maranhão, uma meta estipulada pelos japoneses desde a saída deles do Japão, a representação de uma grande conquista depois de passar por tantos empecilhos.

Os imigrantes japoneses passaram por diversas dificuldades em solo maranhenses, muitas desses problemas foram derivadas de questões relacionadas à adaptação, com os costumes e ritos, próprios da cultura nipônica. Muito desses contratempos foram consequências de acordos não cumprindo por parte do governo maranhense da época, como moradias e água potável. Porém depois de algum tempo os japoneses foram se adaptando a realidade e com ajuda da manutenção de suas tradições mediante realização de festividades e costumes, aos poucos eles começaram a melhorar financeiramente falando e a conseguirem uma melhor condição de vida, conseguindo equilibrar a questão financeira com a conservação da cultura própria deles.

Undokai realizado no ano de 2012 na cidade de São Luís (MA) por remanescente dos imigrantes japoneses e seus descendentes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Patrícia Liana Mondêgo de.  Imigração japonesa comemora 50 anos no Maranhão. Canal.com, São Luís, v. 1, n. 1, p. 16, janeiro/junho. 2009.

CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

Fonseca, L. et al. (2005). (coord.), Reunificação familiar e imigração em Portugal, p.74, p. 194, Coleção “Estudos e Documentos do Observatório da Imigração” n° 15. Acesso em 10 de abril de 2015.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 8ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp, 1990.

SIQUEIRA JUNIOR, Etevaldo Alves de. O processo de reterritorialização: imigração japonesa no Maranhão. Orientador: Prof. Dr. Juarez Soares Diniz. São Luís: UFMA, 2014. Monografia (Graduação Bacharel em Geografia) – Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2014, 63 f.

 

*Esse texto é uma adaptação do artigo de mesmo título publicado originalmente na Revista Querubim (Universidade Federal Fluminense - UFF).

 

© 2016 Etevaldo Alves de Siqueira Junior

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About the Author

Nascido no estado do Maranhão, é geógrafo formado pela Universidade Federal do Maranhão. Dedica boa parte da sua pesquisa na temática da Imigração Japonesa no Maranhão. É autor do livro Imigração Japonesa no Maranhão: Uma Jornada de 55 anos.

Atualizado em outubro de 2020

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