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https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2016/10/11/nikkei-com-y/

Nikkei com Y

108 anos após a vinda do navio Kasato Maru trazendo oficialmente os primeiros imigrantes do Japão, o Brasil se orgulha de ser o país com o maior número de nikkeis do mundo. Somente com esta informação, talvez uma pessoa desinformada possa acreditar que pela grande quantidade de nikkeis, o Brasil esteja acostumado com a língua japonesa, assim como atualmente está acostumado a comer sushi e assistir a animes. Ledo engano...

Mesmo em São Paulo, onde se concentra a maioria dos nikkeis, as pessoas não têm afinidade com a língua japonesa. Não existe palavra como o ciao do italiano, que virou “tchau” no português, que todos os brasileiros entendem e utilizam. Mesmo palavras japonesas incorporadas aos dicionários da língua portuguesa não são comuns e têm sua pronúncia errada na grande mídia. Tsunami é pronunciado “tissunami” e dekasegi virou “decasségui”, por exemplo. Alguns nikkeis também pronunciam estas palavras de forma errônea. Afinal, já temos descendentes na quinta geração e, caso não tenham estudado a língua, devem conhecer no máximo algumas palavras do nikkei-go. Além do desconhecimento, existe a conivência de alguns influentes conhecedores da língua japonesa: deixe assim – é mais fácil para “eles”.

Diz minha mãe que até eu ingressar na pré-escola, eu falava mais japonês do que português. Também diz ela que eu aprendi primeiro a escrever em japonês, já que com 5 anos comecei a frequentar o nihongo-gakko de São Bernardo do Campo. Mas foi com minha obaachan, que como todo bom nikkei ou imigrante misturava o português com a língua japonesa, que eu aprendi o “meu japonês”. Dou risadas quando lembro de nossas frases (minha e de minhas irmãs) quando pequenos conversando com a nossa obaachan. Ela nos fazia orar no hotokesan (altar budista) todas as manhãs e perguntava: “mou ogamimashitaka?”(já orou?) – e nós respondíamos: “já ogandei”, conjugando o verbo japonês como na gramática portuguesa.

Alunos do nihongo-gakko de São Bernardo do Campo e do Gakushukan (Santo André) no Centro Esportivo Kokushikan no início dos anos 80.

E este japonês misturado ao português é o que eu utilizava até minha ida como bolsista ao Japão em 1994. Depois de um ano lá tudo mudou. Não consigo mais misturar o japonês e o português. Já meu pai, por exemplo, continua misturando e muito! Na conversa dele com nossos parentes japoneses ele mistura palavras em português naturalmente, como se do outro lado do telefone estivessem entendendo. E é este o “japonês” que predomina entre os descendentes, o nikkei-go, também apelidado de “batianês”: aquele japonês todo misturado ao português e com palavras antigas, até com alguns hogen (dialetos) da obaachan, ou “batiam”, como muitos escrevem e pronunciam.

Durante meu kenshu (bolsa estágio) na província de Chiba, Japão, 1994

No português brasileiro também é comum palavras terminadas em “O” e “U” se confundirem foneticamente, o que faz com que palavras japonesas também sejam grafadas e pronunciadas de forma equivocada, como por exemplo “shoyo” ao invés de shoyu ou “misoshiro” ao invés de misoshiru. Outra influência da língua portuguesa na pronúncia foi sua reforma de 1943, que emilinou as letras K, Y e W do alfabeto (voltaram na reforma de 1990) e então Tokyo virou Tóquio e Kyoto virou Quioto, citando alguns exemplos. O pior ficou para Osaka, que virou Osaca e se pronuncía “ozaka”, Nagasaki, que virou Nagasáqui e se pronuncía “nagazaki” e Hiroshima, que virou Hiroxima e se pronuncía “iroshima”. Também antes de 1943, palavras que não tinham escrita em nosso alfabeto utilizavam bastante o “Y”, como as palavras indígenas e árabes. Mas alguém deve ter acreditado que isso servia também ao japonês e grafou nikkei com “Y” (virou “nikkey”) e muitos nikkeis acreditam até hoje que esta é a forma correta. Nikkei com “Y” para mim é a típica representação da influência do português brasileiro na escrita romanizada do japonês.

Se dependêssemos somente da comunidade nikkei para a sobrevivência da língua japonesa no Brasil, provavelmente em mais alguns anos não teríamos mais ninguém que falasse o idioma. Meu filho de 7 anos por exemplo, só sabe algumas palavras bastante básicas. Todavia, nesse mundo atual globalizado e conectado, sabemos que sempre teremos a língua japonesa presente no Brasil. Mas provavelmente não mais o nikkei-go.

 

© 2016 Claudio Sampei

Brasil Japonês línguas Língua portuguesa pronúncia
Sobre esta série

Arigato, baka, sushi, benjo e shoyu—quantas vezes você já usou estas palavras? Numa pesquisa informal realizada em 2010, descobrimos que estas são as palavras japonesas mais utilizadas entre os nipo-americanos residentes no sul da Califórnia.

Nas comunidades nikkeis em todo o mundo, o idioma japonês simboliza a cultura dos antepassados, ou a cultura que foi deixada para trás. Palavras japonesas muitas vezes são misturadas com a língua do país adotado, originando assim uma forma fluida, híbrida de comunicação.

Nesta série, pedimos à nossa comunidade Nima-kai para votar nas suas histórias favoritas e ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas favoritas. No total, cinco histórias favoritas foram selecionadas.

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas.

  Editorial Committee’s Selections:

  • PORTUGUÊS:
    Gaijin 
    Por Heriete Setsuko Shimabukuro Takeda

  Escolha do Nima-kai:

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About the Author

Nascido em São Bernardo do Campo, São Paulo, é Engenheiro Químico especializado em Administração de Empresas, em Gestão Empresarial e em Educação Ambiental e foi bolsista da província de Chiba em 1994 na área de tratamento de água, mas atualmente é empresário no setor do turismo. Atua em diversas organizações do terceiro setor como a JCI (Junior Chamber International), onde foi Presidente do capítulo de São Paulo e Vice-Presidente Executivo Nacional, é Presidente do Conselho Deliberativo da ASEBEX – Associação Brasileira de Ex-Bolsistas no Japão, Vice-Presidente do IPK – Instituto Paulo Kobayashi, Conselheiro Fiscal da Associação Pan-Americana Nikkei do Brasil (APNB), Segundo Secretário da Associação Chiba Kenjin do Brasil e membro da Comissão de Comunicação e Marketing do Bunkyo – Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social.

Atualizado em novembro de 2014


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