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Comemorações de fim e início de ano de nikkeis no Brasil

Bonenkai de associação de província (foto por Henrique Minatogawa)

A partir de meados de novembro e até antes do Natal, começam a acontecer as reuniões de confraternização de fim de ano no Brasil. Em geral, as festas de empresas acontecem antes, depois as de clubes e associações, enquanto as de amigos e familiares ficam para datas mais próximas do Natal e Ano-Novo, quando a maioria das pessoas já está de férias.

Na comunidade nikkei, essas confraternizações têm um nome específico: bonenkai. O significado, com o mínimo de adaptações, é “reunião para esquecer o ano”. Naturalmente, a expressão tem o sentido de aprendizado com as coisas ruins e agradecimento pelo aprendizado e trabalho conjunto realizado durante o ano que passou.

Um nikkei pode participar de muitos bonenkais a cada fim de ano. Da empresa, família, do kenjinkai (associação de província), do curso de japonês, do grupo de taiko, karate, dança, karaoke...

No caso de empresas, os bonenkais acontecem geralmente em restaurantes e bares. Em alguns casos, uma parte do tempo é reservada para falar de assuntos profissionais, tais como metas alcançadas e andamento de projetos. Porém, a intenção maior é uma comemoração mais informal.

As confraternizações de kenjinkai acontecem na própria entidade na maioria das vezes. De maneira similar, aproveita-se a ocasião para falar das atividades realizadas durante o ano e planejar o que será feito no próximo ano.

Os bonenkais de família acontecem geralmente na casa dos avós ou do parente mais velho; os de amigos e grupos são organizados na casa de algum membro ou em um sítio alugado. Por ser algo totalmente informal, algumas famílias fazem essa confraternização no Natal.


Natal e Ano-Novo

O Brasil é um país de tradição católica. Portanto, o Natal é muito valorizado pela tradição da celebração do nascimento de Jesus. Existem diversos rituais, como a preparação da ceia, os cantos de Natal, os presépios e a missa na igreja, entre outras.

Na sociedade brasileira em geral, a ceia de Natal é um acontecimento muito importante, considerada a principal reunião familiar do ano. Nesse dia, muitas famílias fazem questão de que seus membros estejam reunidos. Já a comemoração do Ano-Novo costuma estar mais relacionada a viagens, não necessariamente em família.

Na sociedade nikkei, a situação se invertia. Sem tanta tradição católica, as famílias costumavam celebrar o Natal mais discretamente, priorizando reuniões na época do Ano-Novo. Essa rotina, entretanto, tende a acompanhar os costumes locais.

O cardápio dessas reuniões nikkeis mostra a boa mistura de culturas que acontece no Brasil. Natal é tempo de peru, bacalhau, pernil… e onigiri, harusame e tempurá. Para sobremesa, além de panetone e sorvete (é verão no Brasil nessa época), sempre tem quem prefira comer um manju.

Nas confraternizações familiares, é muito comum o sistema de motiyori, em que cada pessoa fica responsável por levar um prato. Até hoje, o mais comum são as avós, tias e mães prepararem tudo. Os mais novos levam bebidas, preparam alguns doces, no máximo.

Porém, nas gerações mais novas, começa a surgir algo que ainda não é uma preocupação: quem vai continuar a organizar e preparar essas comemorações no futuro? A maioria dos jovens nikkeis a partir dos sansei não desenvolveu habilidades culinárias comparáveis às dos niseis. A tendência é que os pratos passem a ser comprados ou que as confraternizações aconteçam em restaurantes. Assim, em longo prazo, é possível que a expressão “comida da bachan” também desapareça.

Ainda há o fato de que as famílias estão cada vez menores. Na geração dos nisei, é comum que uma pessoa tenha cinco, seis, sete irmãos. Consequentemente, o número de primos sansei é muito grande. Na geração dos sansei, o número de irmãos cai muito: um, dois e raramente passa dos três. O número de primos yonsei tende a ser baixo e assim por diante.

Hoje, temos uma grande vantagem em relação aos meios de comunicação. Já vi confraternizações acontecendo em tempo real com parentes no Brasil e no Japão via internet. Com apenas alguns ajustes de fuso horário, os parentes puderam conversar e trocar votos de boas-festas com imagem e som.


Amigo Secreto

Seja em família ou entre amigos, as pessoas organizam o “amigo secreto”. Não sei se em todos os países existe esse costume, então vou explicar rapidamente. Entre um grupo de pessoas, realiza-se um sorteio em que cada uma pega o nome de outra a quem dará um presente. Marca-se uma reunião para a troca dos presentes. Antes da entrega, a pessoa descreve como é o seu “amigo secreto” para que as outras tentem adivinhar.

É uma situação de conflito de costumes. Segundo o padrão japonês, não se abre um presente na hora em que se recebe. Já em um Amigo Secreto típico, a pessoa deve abrir o presente e mostrar a todos o que ganhou.


Japoneses em São Paulo

Em São Paulo, vive uma expressiva quantidade de japoneses. São, em sua maioria, trabalhadores transferidos para atuarem nas filiais brasileiras de empresas japonesas.

Alguns deles vêm sozinhos, outros, com a família. Para eles, nem sempre é viável retornar ao Japão para passar o fim do ano. Assim, alguns hotéis e restaurantes da comunidade nikkei organizam almoços e jantares especialmente para esse tipo de situação. Naturalmente, com atendimento em japonês e pratos típicos dessa época.

O Natal pode representar um transtorno para pessoas pouco acostumadas com sua tradição. No Brasil, praticamente todo o comércio fecha a partir da tarde do dia 24 e no dia 25 de dezembro.

Alguns anos atrás, eu mesmo me esqueci disso. Havia recebido visita de parentes, então resolvemos comer fora. Saímos para procurar um restaurante; nenhum estava aberto. Nem na Liberdade, bairro que concentra restaurantes japoneses em São Paulo. Só fui encontrar um em funcionamento (filial de uma rede japonesa de gyudon, aliás). Pouco depois, duas famílias de japoneses chegaram – possivelmente também despreparados para aquela rotina de Natal brasileiro, já que, no Japão, não é feriado.


Ozoni

Na comemoração do Ano-Novo (Shougatsu), as famílias nikkeis no Brasil preparam o ozoni, que é uma sopa de bolinho de arroz. As associações de província também costumam realizar eventos nesse sentido.

Essa tradição é uma das mais fortes dessa época. Tanto que pode ser difícil encontrar mochi à venda em lojas de produtos japoneses nos dias que antecedem o Ano-Novo. Ainda, há famílias e associações que se reúnem para deixar o mochi preparado durante o bonenkai.

Nem todo mundo gosta de ozoni, é verdade, mas todos comem movidos pela tradição. Os não descendentes são um pouco mais resistentes. Inicialmente, por não saberem o que é. Depois de explicado e cientes da tradição, eles experimentam.

Os restaurantes mais tradicionais de culinária japonesa servem o osechi ryori, que consiste em um conjunto de pratos que simbolizam prosperidade para o ano que se inicia.

Por outro lado, há duas tradições japonesas com relativamente pouco reflexo na comunidade nikkei brasileira: as 108 badaladas dos sinos de templos budistas e o envio de cartões (nengajo).

O fato de o Brasil ser predominantemente católico e com poucos templos budistas impede que a tradição dos sinos seja popular aqui também.

No caso dos cartões, a mensagem “kotoshi mo yoroshiku onegaishimasu” é incorporada em e-mails e em cartões de Natal (reais ou virtuais), ou simplesmente falada na primeira vez que as pessoas se encontram no ano.


Shinnenkai

Após as comemorações do Ano-Novo, começam as confraternizações de início de ano, os shinnenkais.

Na comunidade nikkei de São Paulo, pelo menos, a maior parte dos shinnenkais é de associações. Em termos de quantidade, acontecem menos dessas celebrações em relação aos bonenkais.

A reunião tem o propósito de planejar atividades e renovar a cooperação entre as pessoas. Em algumas associações, realiza-se o preparo do mochi, com o arroz sendo batido em um pilão à moda tradicional.


Viagem

Alguns anos atrás, quando fiz estágio no Japão, participei de um “shain ryoko” em janeiro, que é uma viagem entre as pessoas que trabalham em uma empresa. Cônjuges e namorados não participaram.

Entre os brasileiros, a vida pessoal e profissional não é tão claramente separada como no Japão. Dessa forma, praticamente todos os eventos que envolvem algum tipo de comemoração são abertos à participação de cônjuges e outros acompanhantes. Esse costume se estende aos nikkeis.


Calendário

O Brasil segue as tradições ocidentais e padrões internacionais no que se refere a calendário. Assim, a contagem de tempo tem como base a tradição católica e o calendário gregoriano.

Mesmo na comunidade nikkei, não é comum alguém saber a contagem de anos de acordo com as eras dos imperadores japoneses.

Outra questão que envolve o Ano-Novo é a do horóscopo chinês. Entre a comunidade nikkei, muitos sabem qual é o animal correspondente ao seu ano do nascimento, mas pouco além disso. No Brasil, o mais comum é a classificação de acordo com os 12 signos do zodíaco.

Em São Paulo, a comunidade chinesa organiza a celebração do Ano-Novo chinês. Essa é a única ocasião em que o assunto ganha destaque nos meios de comunicação, quando as pessoas ficarão sabendo que 2016 é o ano do Macaco de Fogo.

Assim como tantos outros aspectos culturais, as celebrações japonesas de fim e começo do ano vão se adaptando em outros países que receberam os imigrantes. Acredito que elas tenham um significado especial para quem veio de um país fisicamente tão distante, sob condições nada fáceis, deixando parte da família e da própria história.

Nessas reuniões, costumo ouvir dos mais velhos: “que bom ver a família reunida”.

 

© 2016 Henrique Minatogawa

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About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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