Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2016/1/18/cidades-de-meus-avos/

A importância histórica das cidades de meus avós

Antiga sede da Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha, conhecida como KKKK, abriga hoje um museu (foto: Wilson Maebuchi)

Meus bisavós vieram do Japão e foram viver no interior de São Paulo, nas cidades de Registro, no Vale do Ribeira, e Álvares Machado, no oeste paulista. Curiosamente, minha família se estabeleceu nessas cidades que têm uma grande importância na história da comunidade nipo-brasileira.

Registro, apoio à imigração japonesa no Brasil

Maior cidade do Vale do Ribeira, Registro é conhecida como a “Capital do Vale” ou “Capital do Chá”. Tornou-se o Marco da Colonização Japonesa no Estado de São Paulo, de acordo com o Decreto nº 50.652, de 30 de março de 2006, por ter sido a primeira localidade a receber imigrantes japoneses com interesse em investir em produção própria na região.

A Ultramarina de Implementos S.A (KKKK – Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha), instalou-se na cidade em 1912 e foi autorizada a operar no Brasil pelo decreto 13.325 de 11 de dezembro de 1918. A companhia de desenvolvimento industrial e rural de apoio aos imigrantes japoneses recebeu do governo brasileiro a doação de terras para que fossem distribuídas aos recém-chegados.

Depois de superarem dificuldades, eles deram início a testes de diversas culturas, entre arroz, café, cana-de-açúcar, fumo, feijão, junco, abacaxi, laranja, além da criação do bicho-da-seda. Porém, logo descobriram que a banana e o chá preto se adaptariam melhor às condições da região, tornando-se as principais culturas cultivadas.

A KKKK, como ficou conhecida, foi a empresa responsável pelo processo de emigração até a época da Segunda Guerra Mundial. Em 1937, a companhia foi dissolvida e, dois anos depois, suas atividades foram suspensas. O espaço constitui-se de quatro grandes armazéns em tijolos aparentes, com telhas de barro e portas em formato de arco, características típicas da arquitetura inglesa do século XX.

Em 1990, a prefeitura de Registro desapropriou o conjunto arquitetônico sendo declarado como de utilidade pública. Mas, somente em 2000, o Governo Estadual deu início ao projeto de restauração do edifício onde atualmente estão o Centro de Formação Continuada de Gestores da Secretaria de Estado da Educação e o Memorial da Imigração Japonesa.

Alguns dos objetos expostos no Museu da Imigração Japonesa – KKKK em Registro, SP (foto: Tatiana Maebuchi)

Hoje, a antiga sede da empresa abriga o Museu da Imigração Japonesa – KKKK. O acervo conta com objetos utilizados na agricultura pelos imigrantes e outros do dia a dia deles, além de obras e pinturas de artistas pioneiros japoneses, renomados e naturalizados brasileiros – Tomie Ohtake e Manabu Mabe – e descendentes nascidos no Brasil. Meu avô doou alguns objetos que estão expostos no local.

Uma das principais comemorações na cidade, de que até meu pai se lembra bastante, é o Tooro Nagashi. Realizado todo dia 2 de novembro, o evento é uma homenagem às vítimas do Rio Ribeira de Iguape. É uma cerimônia com barquinhos iluminados por velas coloridas, feitos artesanalmente, que são soltos no rio. Ao soltarem esses barcos, os participantes iluminam o caminho dos espíritos e fazem pedidos de paz.

A cidade do único cemitério japonês da América Latina

Em Álvares Machado, no oeste do estado de São Paulo, está o primeiro e único cemitério só de japoneses da América Latina, tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) em 1981.

Álvares Machado tem o único cemitério japonês da América Latina (foto: Tatiana Maebuchi)

Sua história está relacionada à imigração japonesa. Os primeiros imigrantes japoneses chegaram por volta de 1916 ao bairro Brejão, que deu origem à cidade de Álvares Machado. Com o tempo, tornou-se constante a ida de japoneses ao interior. Muitos vieram a bordo do navio Kasato Maru, o primeiro que veio ao Brasil e atracou no porto de Santos no dia 18 de junho de 1918. Estes imigrantes se dedicavam à agricultura e, entre 1920 e 1925, já havia mais de 30 famílias no Brejão.

No inicio da colonização, os sepultamentos eram realizados em Presidente Prudente, em um cemitério onde hoje está a rodoviária. Doenças – como a febre amarela – eram frequentes e intensas, foram muitas as pessoas que não resistiram e não havia a possibilidade de transportar os corpos até a cidade vizinha, pois o caminho era feito a pé.

Por isso, foi criada uma comitiva de japoneses com o objetivo de pedir uma autorização para fundar um cemitério com o nome de Cemitério Japonês em 1918. No ohaka (“cemitério”, em Japonês), estão sepultados 784 japoneses e descendentes diretos, e um brasileiro – Manoel, que foi morto ao defender uma família japonesa de um jagunço que queria tomar o sítio.

O cemitério funcionou até 1940 e foi fechado por considerarem a ideia racista. Os enterros foram proibidos no local por ordem do presidente da República – na época, Getúlio Vargas – e os mortos da colônia japonesa passaram a ser sepultados no cemitério municipal de Álvares Machado.

Anualmente, o Shokonsai, culto religioso às almas dos antepassados, é realizado no Cemitério Japonês. No segundo domingo do mês de julho, é celebrada uma missa (católica ou budista), além de os visitantes fazerem orações pela paz e acenderem velas em cada um dos túmulos como homenagem a todos os mortos.

 

© 2016 Tatiana Maebuchi

Brasil Registro São Paulo (São Paulo)
About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Novo Design do Site Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações