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Como nikkeis jogam games japoneses

Mesmo com dificuldades, os nikkeis brasileiros procuram games japoneses (Foto por Henrique Minatogawa)

O videogame é uma invenção americana, atribuída ao engenheiro alemão naturalizado americano Ralph Baer (1922-2014). O Odyssey, considerado o primeiro console da história, foi lançado comercialmente em 1972. A novidade tornou-se extremamente popular nos Estados Unidos, principalmente com a liderança da Atari.

Porém, em 1983, aconteceu o chamado “Crash da indústria de videogames”. Basicamente, o que houve foi uma saturação do mercado. Muitas empresas lançaram seus próprios consoles, a produção de jogos era grande demais e sem controle de qualidade, confundindo os consumidores. Assim, os games entraram em decadência.

A partir de 1985, com a entrada da Nintendo, o mercado de games começou a se recuperar e a se moldar nas formas pelas quais se encontra hoje. Assim, a partir do fim dos anos 80, o centro da indústria se deslocou dos EUA para o Japão.

Games no Brasil

No Brasil, os videogames começaram a se tornar realmente populares a partir dos anos 90. Chegaram a existir pelo menos cinco revistas regulares sobre o assunto. Os principais fabricantes (Sega e Nintendo, ambas empresas japonesas) tinham representantes locais. Também havia propagandas na TV. O varejo tradicional começava a vender jogos – antes restritos às lojas especializadas.

Na época, a diferença entre os mercados japonês e americano era muito maior que hoje. A Nintendo, por exemplo, fabricava modelos de consoles totalmente diferentes para cada região. Foi assim com o Nintendo Entertainment System (NES, americano) e o Famicom (Family Computer, japonês), e seu sucessor, o Super NES / Super Famicom.


‘Jogo de japonês’

Naturalmente, os nikkeis no Brasil tiveram mais oportunidade de jogar games lançados apenas no Japão se comparado com os não descendentes. Muitas famílias tinham parentes trabalhando no Japão durante o movimento dekasegi dos anos 80/90. Eventualmente, eles mandavam presentes; entre eles, também havia games.

Alguns eram praticamente iguais aos vendidos no Brasil, como os jogos do Super Mario e Sonic. Outros, eram bem diferentes. Como muitos nikkeis não sabiam ler em japonês, alguns jogos acabavam ficando de lado porque era muito difícil avançar. Na maior parte das vezes, eram os RPGs (role playing games), gênero muito famoso no Japão, mas que demorou a se popularizar no Ocidente. É exatamente esse gênero que mais cativa os nikkeis brasileiros.

O professor universitário André Oka, 37 anos, nisei, conta sua experiência. “Comecei a jogar no final dos 80, início dos 90. Os jogos vinham do Japão através de conhecidos e parentes. Os jogos japoneses mexem mais com o lado sentimental, emocional do jogador. São mais profundos nesse sentido, além também de exigir uma concentração maior. Os jogos europeus e americanos são mais voltados à ação e à simulação, uma diversão mais rápida com menos compromisso”, opina André.

História semelhante teve Kleber Ueti, 32, sansei. “Jogo games japoneses desde que um dos meu tio trouxe o Famicom lá do Japão recheado de jogos na mala. Eu devia ter uns 10 anos”, recorda.

Kleber, que trabalha com desenvolvimento de games, aponta outras diferenças dos games japoneses. “Podemos identificar diferenças no gameplay [modo de jogar], o jeito de contar a história, e as virtudes que os heróis têm em jogos japoneses também costumam ser diferentes de um herói ocidental. Por exemplo, heróis japoneses costumam valorizar amizade, determinação, respeito e destreza, enquanto ocidentais focam mais em força, superpoderes e o ideal de superioridade”.

Érika Honda, 30, analista de sistemas, sansei, cita The Legend of Zelda: A Link to the Past, Chrono Trigger e Final Fantasy VI entre os jogos que a conquistaram definitivamente e tornaram o videogame uma diversão aos 10 anos de idade. “Os RPGs japoneses foram os grandes culpados pelo meu interesse pelos videogames [risos]”, conta.

“[Os jogos japoneses] Sempre conseguiram despertar minha curiosidade e prender minha atenção. A proximidade com a cultura e o meu gosto por coisas fofinhas devem ter contribuído. Porém, sempre dependi das versões localizadas dos jogos japoneses”, completa Érika.


Difícil de jogar

O idioma é a principal dificuldade encontrada pelos nikkeis em relação aos games japoneses. Mesmo para quem sabe ler em japonês, alguns pontos ainda são problemáticos.

“Muitos jogos do Japão são baseados na história antiga do país, então é comum usarem palavras que não aparecem tanto no cotidiano. Isso dificulta um pouco”, afirma Denis Kimura, 31, sansei, assessor cultural. Nesses casos, Denis recorre a dicionários para pesquisar o significado.

Kleber passa por situação semelhante. “Sei ler um pouco em japonês. Fiz aulas durante alguns anos; tenho o antigo 3-kyu do Exame de Proficiência em Língua Japonesa [Noryoku Shiken]. Porém, alguns jogos têm kanjis que ainda não entendo. Aí fica difícil jogar”.

Para Érika, os jogos são uma motivação para retomar os estudos de língua japonesa. “Para quem tem preferência por games japoneses e com a facilidade de se obter informações sobre os jogos que só saem lá, é frustrante não poder jogar apenas por não saber o idioma”.

Além do idioma, há alguns anos, era simplesmente muito difícil encontrar games japoneses à venda em São Paulo. Atualmente, já é muito mais simples ter acesso a eles – sem depender de amigos e parentes.

Viajar ao Japão hoje é muito mais simples, confortável e relativamente mais barato que em outros tempos. Ainda, o esclarecimento a respeito do país também o torna convidativo para o turista, que pode ir pessoalmente comprar seus jogos se for do seu interesse.

Hoje há meios legais de adquirir, no exterior, games lançados apenas no Japão. Existem lojas que vendem tanto o jogo físico e enviam para todo o mundo, como lojas online que vendem o download do conteúdo digital.

Jeronimo Kojo, 35, analista de sistemas, nisei, tem uma boa coleção de jogos japoneses. “No caso do sistema PlayStation, basta ter uma conta japonesa ou comprar jogos em sites especializados”, conta. “Basta ter um cartão de crédito internacional. Há algumas lojas aqui no Brasil que vendem jogos importados também”, completa Denis.

Comprar um produto cuja origem é um país tão distante torna o frete caro e demorado. “Cheguei a esperar quase seis meses para que chegasse o jogo Red Seed Profile”, conta Denis. Atualmente, em razão do câmbio e do frete, um jogo japonês pode custar R$ 100 a mais que um similar vendido no Brasil e demorar, no mínimo, 15 dias para chegar. O prazo varia porque o produto pode ficar retido para averiguação na alfândega brasileira.

A distância física também atrapalha em partidas online, já que os servidores de empresas japonesas estão muito distantes do Brasil. “Alguns jogos como Mobile Suit Gundam Extreme Vs. exigem uma conexão com pouco delay [lentidão na ação do jogo]; mesmo Street Fighter, eu gostaria de jogar contra jogadores japoneses”, afirma André.

Para se manterem informados sobre os games japoneses, todos os entrevistados mencionaram sites especializados em games que frequentemente têm seções sobre lançamentos do Japão. Outra fonte de informação são sites de lojas virtuais que fazem a venda desses games internacionalmente.


Elementos culturais

Muitos jogos mostram elementos da história e cultura japonesa. Tais representações atraem a atenção dos nikkeis.

Para Érika, a presença desse itens é determinante em sua avaliação. “Os elementos da cultura japonesa acabam definindo uma série ou jogo favorito para mim. É algo que desperta meu interesse caso eu não conheça o jogo.Adoro cenários e a história do Japão antigo; para mim, não tem erro um jogo que segue por essa linha. O Japão atual também me interessa muito. Já que estamos tão longe desse país interessante, poder aprender algo sobre os adolescentes, a tecnologia ou a vida cotidiana japonesa me incentiva muito a jogar tais jogos”.

Denis observa a arquitetura das construções reproduzidas nos jogos. “O jogo Fatal Frame, por exemplo, tem uma arquitetura muito bonita. Há partes do jogo em que se explora um casarão antigo e em outras, uma casa atual. É possível ver elementos clássicos da arquitetura japonesa.

Jeronimo menciona a série “Ryu ga Gotoku” (Yakuza, no Ocidente). “Ryu ga Gotoku é ambientado em cidades do Japão, com seus pratos típicos e hábitos”, conta. Ao longo da série, o jogador visita virtualmente Tokyo, Osaka, Hokkaido, Okinawa e a Kyoto antiga.

Nenhum dos entrevistados para este artigo mencionou os simuladores de trem. Pessoalmente, gosto muito desses jogos, pois contam com nomes reais das estações de algumas cidades japonesas e efeitos sonoros realistas.

Os jogos eletrônicos, além de divertirem, também podem servir como um treino do idioma japonês. Para quem quer ir ao Japão, é um meio de conhecer um pouco; para quem já foi, é uma boa forma de recordar.

 

© 2015 Henrique Minatogawa

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About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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